Fugiu de casa aos 16 anos, farta
de apanhar do pai. A prostituição foi seu refúgio, embora logo tenha se tornado
um trabalho que hoje, aos 51 anos, quer dignificar. Ángela Villón quer ser
deputada no Peru e legislar para as minorias.
"Tive uma infância muito
violenta, muito machista e pensava que era o verdadeiro (...). Tinha baixa
auto-estima, com preconceitos. Meu pai era homofóbico, me dizia que meu papel
como mulher era pertencer a um homem, me casar, que não tinha que me preocupar
para ter uma carreira", conta Ángela - Angie - à AFP, enquanto se prepara
para as fotos.
"Quando disse que queria
estudar, recebi uma bofetada. Sempre fui rebelde, queria minhas próprias
coisas. Cansada de tanto apanhar, procurei um homem, assim como meu pai
mandava, para poder fazer minha vida. Mas logo depois esse homem me deixou,
grávida", explica Angie.
Ali começou um caminho sem volta.
Seu filho recém-nascido adoeceu e, sem dinheiro para os remédios, pediu um
empréstimo para uma amiga 'bailarina'. Esta amiga contou, então, que na verdade
era prostituta e que se ela quisesse ganhar dinheiro, podia ajudá-la a entrar
nesse mundo.
"Foi um choque, pela forma
como fui criada. Mas depois, estar num lugar onde eu era desejada, valorizada,
idolatrada, com clientes que até ouviam meus problemas e me ajudavam, davam
presentes para meu filho, disse para mim mesma: 'este é um lugar bom para
trabalhar'", conta.
Eram tempos em que os homens,
segundo ela, eram mais respeitosos. "A maioria dos clientes eram casados,
mas vinham porque com a esposa não podiam fazer o que faziam comigo. Mas também
eram mais cavalheiros e românticos. Agora todos são brutos. Cerca de 80% dos
clientes é divorciado, os outros 10% é casado mas a esposa e os filhos moram
longe, e os outros 10% são solteiros que não querem relação estável",
detalha.
- Prostituta e candidata da esquerda -
Angie é candidata ao Congresso
para as eleições do 10 de abril pela coligação de esquerda Frente Amplio, que
leva à presidência a deputada Veronika Mendoza, até agora com baixa adesão
popular.
"Sou de uma esquerda que
busca justiça. Não queremos ser Cuba. Não sou vermelha, sou rosa-choque, de uma
esquerda evoluída, diferente", comenta.
Angie fala com propriedade.
Espera legislar em favor de uma revolução educativa que empodere as mulheres
desde pequenas, para que aprendam a ser independentes. Garante que vai
trabalhar para as minorias. É favorável à união civil de pessoas do mesmo sexo
- rejeitada pelo atual Congresso - e do aborto em casos de estupro, também
proibido no país.
- Angie, a ativista -
Angie vive num bairro de classe
média baixa da zona leste de Lima. Tem quatro filhos. Uma de suas filhas mora
em Paris. Sua casa é decorada com dezenas de quadros pintados por um
ex-namorado. Há três anos começou uma nova relação. "Foi difícil para ele.
Sua família virou as costas, não entende", explica.
Deixou de exercer a prostituição
momentaneamente aos 30 anos, depois de ter o quarto filho. Lembra que é uma das
vítimas das esterilizações forçadas aplicadas durante o governo de Alberto
Fujimori (1990-200). "Quando ainda estava anestesiada me disseram que eu
já tinha tido quatro filhos, e ligaram minhas trompas sem me consultarem",
relata.
Angie tornou-se ativista pelos
direitos das minorias. Participou de oficinas e fundou uma associação nacional
de trabalhadoras sexuais que, desde 2004, trabalha com o ministério da Saúde.
Há um ano voltou a exercer a prostituição, porque é sua profissão - mas não
deixou o ativismo de lado.
No Peru, a prostituição não é
crime, mas não é reconhecida. Normalmente as trabalhadoras sexuais são
apreendidas e agredidas pela polícia, para depois serem liberadas, conta Angie,
que diz que em 2002 cerca de 250.000 trabalhadoras sexuais peruanas realizaram
exames médicos para descartar doenças sexualmente transmissíveis. Foi o último
número registrado.
Fonte: http://zh.clicrbs.com.br/
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