“Eu não entendo por que está
acontecendo isso tudo, ficam me explicando o tempo inteiro…”, diz Kailane
Campos.
A pedrada ainda dói, mas menos do
que a saudade do skate, seu passatempo predileto, e das aulas de geografia, sua
matéria preferida. “Eu não entendo por que está acontecendo isso tudo, ficam me
explicando o tempo inteiro…”, diz Kailane Campos, a menina de 11 anos agredida
por ser adepta do Candomblé. Realmente é difícil de compreender: nesta
quarta-feira, três dias depois de levar uma pedrada na cabeça, ela foi alvo de
uma nova manifestação de intolerância na porta do IML, onde foi fazer exame de
corpo de delito.
O episódio ocorreu pela manhã. Um
homem passou em frente ao IML e gritou que a menina e sua avó, Kátia Marinho,
de 53 anos, eram “macumbeiras” e deveriam “queimar no inferno.”
O novo caso de violência e
intolerância religiosa atrasou o depoimento que a menina prestaria à Comissão
Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio, a convite do
deputado Marcelo Freixo (Psol).
Mesmo assim, ela foi à Alerj, com
a mãe, Karina, que é evangélica, e a avó. No plenário, elas assistiram à
sessão, que teve diversas manifestações de deputados contra o preconceito,
principalmente dos que também são líderes evangélicos.
Entre um cumprimento e outro
vindo dos políticos, Kailane manteve o semblante fechado. O riso, que deveria
ser típico de uma menina da sua idade, só desabrochou quando a avó se enrolou
para usar o telefone e tirar uma foto do plenário da Alerj.
Sobre a agressão verbal sofrida
no IML, disse ter ficado sem reação. “Estava dando uma entrevista para a TV. Eu
não sei se ele viu a gente chegando, mas foi logo em cima da imprensa dizer que
só nos davam ibope porque eu era uma ‘criança macumbeira’. Disse que sua esposa
morreu há meses, e que não fizeram nada. Quando ouvi isso, só abaixei a cabeça.
Não posso fazer nada.”
A menina, que quer voltar às
aulas hoje, deseja a prisão de seus agressores e deu uma lição contra o
preconceito, aprendida no chão forte do terreiro de Vó Kathi. “Não vou
frequentar igrejas chamando as pessoas para a festa de Exu. Se eu as respeito,
por que não me respeitam?”, resumiu Kailane. Ela é filha de Logun Edé, orixá
muitas vezes representado como uma criança na tradição do Candomblé.
O deputado estadual Marcelo
Freixo (Psol) usou seu tempo de fala no plenário para provocar seus colegas a
falarem sobre o caso de violência contra Kailane. “Isso não é um atentado
isolado contra o Candomblé, é contra a democracia. O parlamento tem que se
responsabilizar. As religiões afro são sempre alvo da intolerância, mas a gente
não pode ficar refém do preconceito. Trata-se de verdadeira ameaça à
sociedade”, declarou o parlamentar.
A Comissão de Direitos Humanos,
que ele preside, solicitará à Federação das Empresas de Transportes de
Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor) a identificação do veículo
e as gravações feitas pela câmera interna. Os suspeitos de jogarem uma pedra na
menina teriam entrado em um ônibus. Ele também promover uma audiência pública
para discutir liberdade religiosa. “Todas as lideranças serão convidadas, a
luta tem que ser responsabilidade coletiva, assim como a indignação”, resumiu
ele.
Fonte: Geledes
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