sexta-feira, 14 de março de 2014

Maria não gostaria de ser cardeal

Não basta dizer que "uma Igreja sem as mulheres é como um Colégio Apostólico sem Maria" se quem o diz que não percebe que a jovenzinha palestina que deu o seu assentimento a Deus nunca iria querer um lugar como cardeal.

A opinião é de Giancarla Codrignani, escritora e ex-deputada italiana pela Esquerda Independente, em artigo publicado na revista Leggendaria, de janeiro de 2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Justamente porque eu considero importante o pontificado de Francisco para a renovação de uma Igreja que, até pouco tempo atrás, curvada sobre a tradição, parecia encaminhar-se à extinção, eu temo que o seu estilo, em certa medida semelhante ao de João XXIII, corre o perigo que correu – e sofreu – o Concílio, julgado pelos conservadores como "pastoral" e, portanto, desaplicável nas reformas previstas, por ser inadequado para novamente dar "força", também dogmática, ao catolicismo.

As religiões, particularmente as monoteístas, historicamente também produziram guerra e violências; mas as mensagens fundadoras são todas dirigidas à paz e ainda podem ajudar a humanidade a tomar consciência dos limites e das responsabilidades que os guiam na história. Neste terceiro milênio, que certamente não é cristão, se não por convenção, as esperanças humanas poderiam ainda se beneficiar da contribuição dos princípios evangélicos se fossem expressados nas formas que esse papa busca recuperar e difundir.

Quem tem experiência do ambiente católico (mas também aqueles que simplesmente vasculham a internet) sente que os tradicionalistas, os "devotos" e, não nos escandalizemos, os católicos defensores dos interesses de direita que vemos em ação no campo político, estão manifestando perplexidades e críticas à reviravolta "revolucionária" de um papa "dessacralizador", "relativista" e "anticlerical".

O Papa Francisco, que também é jesuíta, sabe muito bem que não basta encher a Praça de São Pedro, mas é preciso evitar a afirmação de uma dinâmica hostil à mudança, até porque a crise econômico-financeira que enfurece no mundo lhe permite enunciar princípios, e não ajudar as conversões de sistema.

Por isso, eu lhe perguntaria: Santidade, por que o senhor não interpela os leigos, aos quais o Vaticano II deu autoridade, colocando o povo de Deus no primeiro lugar e subvertendo a pirâmide hierárquica?

Eu sei muito bem que, habituados àquela obediência que nunca é uma virtude e ao obséquio sacral, eles ainda são tímidos; mas por que não propor, por exemplo, que lhes seja confiada a gestão administrativa das dioceses para liberar o episcopado de funções (e tentações) de poder impróprias? Muitos homens, mas especialmente muitas mulheres, poderiam ajudar na renovação da Igreja, se fossem chamados à corresponsabilidade.

Eu falei dos leigos como de homens e de mulheres. Eu li a mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1º de janeiro de 2014, intitulada "Fraternidade, fundamento e caminho para a paz". Limito-me a fazer uma estatística da terminologia de gênero: o texto é bastante longo e repetitivo, e eu poderia me equivocar, mas os homens são mencionados juntamente com as mulheres não mais do que algumas vezes; as mulheres, como tais, nunca; as irmãs estão presentes na medida em que os padres dizem "queridos irmãos e irmãs" (só chegaram até aí); as filhas entram porque Deus é pai, e assim por diante.

Eu não pretendo desqualificar o feminismo, reivindicando a sororidade: o que eu denuncio é o costumeiro desperdício de inteligência feminina que poderia ser útil justamente quando há reformas a serem implementadas. Confirmar o papel de costume da mulher ligando-a indissoluvelmente à família significa recusar-se a repensar o papel do homem. Seria hora de dar alguns passos críticos, para além, e citar a tristeza de Abel e Caim. A família é o lugar em que ocorrem crimes graves: os menores também encontram a pedofilia; as mulheres, os maus tratos, os estupros, os feminicídios. Para diminuir a taxa de violência na sociedade, seria mais útil partir das mulheres ou dos homens, dos frontes de guerra ou de dentro da família?

O Papa Francisco desde sempre deseja uma "presença mais incisiva da mulher na Igreja" e sofre "ao ver as mulheres na Igreja como servidão"; também acredita "que nós ainda não fizemos uma profunda teologia das mulheres".

Por que, Santidade, o senhor não chama algumas teólogas que, ao menos, lhe forneçam a bibliografia?

O papa é um homem como os outros, além do mais celibatário e, consequentemente, da família, conhece somente a de origem, da qual os padres também se emancipam. O Papa Francisco pode até falar uma linguagem "de gênero": "a Igreja não é 'o', mas é mulher e mãe"; mas ele não se dá conta de que a confirmação do papel materno não ressarce as mulheres de um Deus que continua sendo apenas pai e de transmissão apostólica somente masculina.

Portanto, não basta dizer que "uma Igreja sem as mulheres é como um Colégio Apostólico sem Maria" se quem o diz não percebe que a jovenzinha palestina que deu o seu assentimento a Deus (cavalheiro que lhe pediu o consentimento) nunca iria querer um lugar como cardeal. Porque justamente a "virgem e mãe" é um ícone idealizado, mas é excluída de fazer magistério. É inútil reconhecer as mulheres como "as primeiras testemunhas da Ressurreição", se não se tiram as consequências da entrega do anúncio que o Ressuscitado faz a Maria de Magdala.

Surge em mim, espontaneamente, uma pergunta: como pôde se tornar tão "potente" a expressão, não particularmente significativa, "tu és Pedro", a ponto de ter dado origem à sucessão apostólica e ao ministério "petrino" do papa, e se deixaram na insignificância as palavras de Jesus – "vai e anuncia..."?

Muitas mulheres pedem o sacerdócio feminino, embora muitas freiras realmente não desejam se tornar "esse padre"; e nem mesmo as protestantes, que podem se tornar até bispas, conseguem dar uma imagem "de gênero" à cultura dos ministérios. No entanto, as teólogas e os próprios sacerdotes, exceto os sexófobos extremos, sabem muito bem que não existem motivos contra a ordenação das mulheres nem escriturais nem teológicas, mesmo que o diktat de João Paulo II pareça ser confirmado por Francisco. Um progresso seria deixar as mulheres, ao menos as teólogas e as ordens femininas, livres para propor os seus argumentos. Pessoalmente, eu não peço nem mesmo isso; resta-me apenas a interrogação: por quê?

Papa Francisco, por que a freira pode distribuir uma hóstia consagrada por um homem e não pode consagrar?

Se não pode agir "in persona Christi" somente por exterioridade biológica da sua aparência, é uma insensatez: seria o mesmo que dizer que as mulheres estão excluídas da salvação. Mas, ao invés, se a pessoa feminina carrega sobre os ombros o preconceito da impureza (aquele pelo qual o jornalista pergunta à rabina se ela pode celebrar o culto quando está menstruada), então será preciso refletir sobre muitas coisas. Começando pelo porquê o magistério da Igreja é masculino e autoritário sobre o outro gênero e pelas razões pelas quais a Igreja é o único lugar habitado apenas por homens, por causa do celibato obrigatório que a nós, mulheres, parece ser a expressão suprema do medo que invalida a pureza do sagrado, excluindo-nos.

Fonte: Ihu

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