A nova moda é comer o que nossos ancestrais consumiam há
dezenas de milhares de anos para emagrecer. Funciona?
Por FLÁVIA YURI OSHIMA E NATÁLIA SPINACÉ
Num primeiro momento, a reação é de risos, seguida de
incredulidade. Não raro, seguem-se comentários sobre as loucuras que as pessoas
fazem para emagrecer. Alguns ficam extremamente curiosos, outros se espantam
com tamanha bobagem e não querem prosseguir a conversa. Ninguém fica
indiferente à forma de emagrecer mais falada do momento. A dieta paleolítica,
ou dieta neandertal, ou, ainda, dieta dos homens da caverna propõe a volta da
alimentação de nossos ancestrais, bem antes da agricultura, para evitar (ou
curar!) diabetes, distúrbios metabólicos, problemas do coração, obesidade e
perder peso – muito peso.
Para justificar a viagem no tempo, afirmam que essa é a
alimentação para a qual nosso organismo foi moldado por milhões de anos de
evolução. As doenças são respostas do corpo ao excesso de carboidrato, açúcar e
alimentos processados impostos pela dieta contemporânea, afirmam os
neoneandertais.
A máxima da dieta paleolítica é comer alimentos naturais de
fonte animal e vegetal. O cardápio paleolítico inclui carne de qualquer tipo,
legumes, verduras, tubérculos (como inhame e batata-doce, de preferência),
frutas e nozes – estas com moderação. Estão excluídos quaisquer vegetais que
cresçam dentro de vagens (feijão, soja, ervilha, amendoim), cereais (como
milho, aveia e trigo), carboidratos de produtos processados e açúcar. Deve-se
evitar cozinhar a temperaturas muito altas, com panelas diretamente no fogo. O
recomendado são alimentos assados em fornos a, no máximo, 180 graus
centígrados. Há variações entre os
páleos. Alguns permitem leite e derivados, ou bebidas alcoólicas, com
moderação.
A turma dos neandertais radicais é minoria. A maior parte
dos seguidores defende uma dieta paleolítica adaptada às características de
cada um. “Recomendamos a retirada de feijão, soja e outras leguminosas, porque
podem favorecer doenças autoimunes, como rinites ou psoríase, em quem tem
propensão a elas”, diz o urologista gaúcho José Carlos Souto. Ele mantém um
blog sobre o assunto e estuda a dieta há quatro anos. “Quem não apresenta
problemas relacionados à imunidade e gosta muito de algum desses alimentos,
pode manter.”
A febre está chegando ao Brasil. Quem a segue fica tão
maravilhado que vira catequizador, com blog, fotos que mostram o corpo antes e
depois e conselhos aos neófitos. Há até crianças entre os seguidores. Nos
Estados Unidos, a tese angaria fãs (ou discípulos) há cerca de dez anos. Nos
últimos cinco, com mais força. Os atores Matthew McConaughey, Megan Fox e
Jessica Biel e a cantora Miley Cyrus (ex-Hanna Montana) estão entre os famosos
que seguem a dieta. Não há um lugar que conte o número de seguidores. Mas o
barulho em torno dessa moda dá uma ideia do tamanho. Na livraria on-line
Amazon, há mais de 2 mil títulos sobre a
dieta paleolítica (a favor e contra). Há gurus com blogs incrementados,
programas de treinamento e exercícios físicos (prepare-se para fugir de
mastodontes imaginários), livros de receita, programas de cozinha na internet,
além de uma revista, a Paleo Magazine, todos os meses nas bancas americanas.
A dieta da capivara
Os dois gurus multimídias com maior número de seguidores são
os americanos Robb Wolf e Mark Sisson. Ambos são tolerantes com as adaptações
de comida natural para o estilo de vida moderno. Para eles, ser “páleo”, como
dizem, é um modo de vida, não só uma dieta. Afirmam que é essencial incluir um
programa de exercícios físicos com a dieta, para ter o corpo tão malhado quanto
acreditam que os homens das cavernas tinham. A atividade física segue a mesma
filosofia ancestral. Imagine que, de uma hora para a outra, seja preciso
escapar de um tigre-dentes-de-sabre faminto e feroz, sem nenhuma arma de fogo
na área. Nada de longas caminhadas, que só servem para deixar você com fome, ou
de uma hora de programas graduais de musculação. O segredo é intercalar picos
breves de corrida com levantamento de peso e outros exercícios que exigem força
(imagine-se levando sua caça de mais de 20 quilos para a caverna). Não é
coincidência que muitos praticantes de crossfit, ou ginástica funcional, tenham
aderido à dieta páleo. Essa modalidade de exercícios mistura picos aeróbicos
com musculação pesada.
Foi o crossfit que transformou a professora de educação
física Marisol Ramirez, de 37 anos, em seguidora da paleolítica. Marisol já se
alimentava com produtos naturais e proteínas. Recorreu à dieta para melhorar
seu desempenho no treino. Cortou os cereais. No lugar, entraram raízes, como
batata e mandiocas. Aumentou a ingestão de carne vermelha e ovos. Diminuiu o
consumo de frutas muito doces, como uvas e morangos. Feijão e lentilha foram
reduzidos, mas não excluídos. “Conquistei um corpo mais saudável e mais
preparado para treinar. Estou melhor que aos 30 anos”, diz.
A dieta paleolítica alimenta-se, sobretudo, de observação
empírica. Quase todos emagrecem – como ocorre com outras dietas que dispensam o
carboidrato. Há depoimentos de quem parou de tomar insulina para o diabetes e
de quem resolveu disfunções cardíacas.
Há até os que afirmam ter se livrado da doença de pele psoríase. A dieta
se ampara em algumas pesquisas sobre os efeitos de tirar o açúcar e o
carboidrato. Isso porque eles aumentam a produção de insulina, o hormônio
ligado ao armazenamento de gordura no organismo. Muitas pesquisas atribuem à
ingestão de carboidrato e açúcar a profusão de casos de diabetes e obesidade,
entre outros problemas do metabolismo. Daí a popularização de um grande número
de dietas com restrição desses alimentos nas últimas décadas. A páleo difere
dessas outras dietas, como a preconizada nos anos 1960 pelo cardiologista
americano Robert Atkins (que morreu de infarto aos 72 anos em 2002) e suas
derivadas, por algumas características. A principal delas é eliminar produtos
industrializados, açúcar e alimentos com glúten (como trigo). Outra diferença é
que o número de calorias não conta. A gordura animal é bem-vinda.
Eles dizem, sobretudo, que a gordura foi injustamente
crucificada. No início da década de 1980, pesquisadores americanos compararam
por nove anos 12 mil homens com tendência à hipertensão. Eles foram divididos
em dois grupos. Um comia o mínimo de gordura. Para o outro a gordura era
liberada. Nove anos depois, os dois grupos apresentavam níveis similares de
pressão. Um dos maiores estudos feitos sobre dieta até hoje, o americano Women
health initiative (WHI), de 1990, acompanhou 50 mil mulheres ao longo de nove
anos. Metade delas seguiu uma dieta de baixo teor de gordura. Não houve melhora
nos índices de colesterol em relação ao grupo que seguiu uma dieta normal.
Desde 2007, foram feitos quatro levantamentos estritamente
sobre a dieta páleo em comparação a outras. Neles, os grupos que a seguiram
obtiveram resultados melhores. Uma
delas, feita em 2009 e publicada na revista científica britânica Nutrition
& Metabolism, liderada pelo médico Goransson Lindeberg, comparou os efeitos da páleo aos
da dieta recomendada para pacientes com diabetes tipo 2 – que ocorre em adultos
e tem origem em hábitos de vida. Um grupo encarou um cardápio com poucos
alimentos de origem animal, muitas frutas, legumes, verduras, pães integrais,
cereais e laticínios desnatados. Treze pacientes comeram essa dieta por três
meses. Outros 13 seguiram a páleo. Os grupos inverteram as dietas por mais três
meses. A receita primitiva resultou em maior perda de peso, diminuição do
diâmetro da cintura e queda nas taxas de pressão sanguínea, colesterol e
triglicérides.
A primeira tentativa de restabelecer os hábitos neandertais
surgiu no artigo publicado na revista americana New England Journal of
Medicine, em 1985. Nele, os médicos Boyd Eaton e Melvin Konner defendiam a
nutrição paleolítica. Naquela versão, ela consistia em comer somente alimentos
disponíveis antes do surgimento da agricultura (cerca de 10 mil anos a.C.). Proposta
bem mais radical que a adotada hoje pelos atuais seguidores. O artigo não teve
grande repercussão fora do ambiente acadêmico. A popularização da dieta se deu
mesmo há cerca de cinco anos nos Estados Unidos.
A internet e as redes sociais foram responsáveis pela volta
do cardápio das cavernas. Alguns livros incentivam o registro em fotos do
abdome de perfil, para que os seguidores da dieta percebam e documentem a mudança
rápida em sua aparência. Isso serve como motivação para seguir o plano.
Publicadas em redes sociais e blogs, as fotos ajudam a dieta a conquistar mais
público. Outro motivo é cultural. A páleo vem na esteira de mais de três
décadas de dietas que mostram que retirar o carboidrato e o açúcar é bom
negócio para quem quer emagrecer.
O analista de sistema Hilton Bruno de Souza, de 37 anos,
sofreu um acidente no mar, que o levou a operar o ombro duas vezes. Parou de se
exercitar e engordou 15 quilos. Quando leu na internet sobre a dieta, ficou
desconfiado. “A ideia de ingerir uma quantidade grande de gordura assusta”,
diz. “Decidi fazer a dieta por dois meses e refazer meus exames de sangue. Se
piorassem, eu pararia com o regime.” Em dois meses, Hilton viu sua barriga e as
taxas de glicose e colesterol diminuírem. Ele passou a comer proteína animal em
todas as refeições. Aboliu grãos e açúcar. Levou sete meses para Hilton perder 15 quilos. Há quatro meses, ele
faz caminhadas e treinamento funcional. Criou um diário na web sobre sua dieta.
Famosos que se agarraram ao tacape (Foto: CHR/The
Grosby Group (2), Kevin Mazur/WireImage
e AKM Images/GSI Media)
Carla Mayumi Ishii também conheceu a dieta pela internet, e
procurou acompanhamento médico antes de adotá-la. Com 1,59 metro de altura,
Carla pesava 80 quilos. Resolveu aderir depois que as dietas indicadas por
nutricionistas, recheadas de grãos integrais e produtos light, não surtiram
efeito. Recebeu a orientação do médico José Carlos Souto. Hoje, come nata batida
com óleo de coco no café da manhã. No almoço, salada com alguma carne
gordurosa, como cupim ou costela. No jantar,
salada acompanhada de omelete. Em seis meses, perdeu 25 quilos. Diz que
a dieta lhe trouxe mais saúde. “Parei de tomar remédios para dormir, minha
menstruação ficou regulada, e as crises de enxaqueca sumiram”, diz. Sua filha
de 5 anos, Melissa Emiko Ishii, também sofria com a balança. Pesava 35 quilos
com 1,18 metro de altura. A menina tinha altas taxas de colesterol. Carla
procurou orientação para a filha entrar na mesma dieta. “Para ela, a dieta é
mais leve e tem exceções”, diz. Melissa passou a comer mais proteínas e
diminuiu o consumo de carboidratos. No lugar dos doces, entraram frutas. “Em
poucos meses, ela emagreceu 6 quilos, e seu colesterol baixou”, diz Carla.
Não faltam críticas à dieta neandertal. Os argumentos vão
desde o princípio em si, passando por cada uma das restrições, até o aumento da
gordura de proteína animal. Considerar que nosso metabolismo não se adaptou a
novos alimentos é quase como passar uma borracha em Charles Darwin e sua teoria
da evolução. Os exemplos de adaptação do
organismo passam pelo aumento do número de enzimas específicas para a digestão
de alimentos como laticínios e grãos e pela diferença entre o tipo de carne que
comemos hoje e o de nossos antepassados. Os animais antigamente se alimentavam
de plantas e viviam soltos. A carne de hoje vem de bichos que ingerem rações
feitas de grãos, vivem confinados e tomam medicamentos. “As mudanças na carne
são uma boa razão para considerarmos que ingerir carne da forma s como o homem
das cavernas fazia não teria o mesmo efeito hoje”, diz Loren Cordain, do
Departamento de Ciência da Universidade do Colorado.
Médicos dizem que essa dieta não é indicada para quem já tem
índices altos de colesterol. De acordo com a Associação Americana do Coração,
uma dieta rica em gordura tende a aumentar drasticamente os níveis de
colesterol e eleva o risco de doenças cardíacas. “O estilo de vida da era
paleolítica era outro. O homem fazia muito mais esforço físico, e isso
justificava uma alimentação rica em gordura”, afirma Mário Kedhi Carra,
presidente da área de obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia.
Outro ponto de discórdia é a ausência de grãos. Sem eles, o
funcionamento do intestino fica prejudicado. Uma pesquisa da Universidade de
Granada, na Espanha, constatou que o consumo regular de grãos integrais reduz
entre 20% e 30% as chances de ter diabetes tipo 2 e câncer de intestino. Outro estudo, da
Faculdade de Medicina de Harvard, concluiu que a ingestão de grãos integrais
colabora para a prevenção de doenças cardíacas, pois suas fibras contribuem para baixar o colesterol.
A dieta do trigo
Não há ainda pesquisas sobre a dieta páleo que demonstrem
que ela faz mal a quem não tenha problemas prévios relacionados à alimentação.
Isso não quer dizer que essa dieta não tenha nenhum efeito negativo. Apenas que
eles podem ainda não ter sido identificados. “Ainda é cedo para termos uma
pesquisa de amostragem confiável, com milhares de pessoas acompanhadas por
anos”, diz a endocrinologista Maria Edna de Melo, da Associação de Estudo da
Obesidade (Abeso). “Ainda é difícil fazer afirmações contundentes contra ou a
favor dessa dieta.”
Num ponto, todos os médicos concordam: qualquer mudança
alimentar que exclua grupos alimentares inteiros, como a paleolítica, pede
acompanhamento médico. A quantidade de gordura de alguém que consome muita
carne pode subir em até 30%. É importante acompanhar os níveis de colesterol a
cada três meses. “O preço de se arriscar numa dieta radical, com consequências
ainda desconhecidas, é ficar vigilante”, diz Giovanna Medina, médica do esporte
do instituto Vita de São Paulo. Se você quiser voltar às cavernas, melhor levar
seu médico junto.
"Não funcionou
comigo"
A professora Fernanda Colcerniani, de 30 anos, conheceu a
dieta paleolítica por meio de um amigo. As informações vieram de um grupo do
Facebook. Ela chegou a pedir a opinião de uma amiga nutricionista, que a
desaconselhou a cortar os carboidratos do cardápio. “Ainda assim, quis tentar”,
diz. Depois de trocar os carboidratos por mais carnes na alimentação diária,
passou a ter crises de enxaqueca e tontura. Segundo os seguidores da dieta
páleo, são sintomas comuns nas primeiras semanas de adaptação. “Persisti por um
mês e meio”, afirma. Fernanda emagreceu 5 quilos. A perda de peso não foi
suficiente para fazê-la seguir com o novo cardápio. “As crises de enxaqueca
continuaram.” Fernanda flexibilizou a dieta. Só manteve o hábito de comer menos
carboidratos e mais proteína. Depois, desistiu. Exames de sangue posteriores
revelaram um aumento na taxa de colesterol.
Fonte: ÉPOCA
Nenhum comentário:
Postar um comentário