Invisíveis para a sociedade, idosas de até 65 anos estão
entre as profissionais do sexo da Estação da Luz
Parte de uma população invisível, prostitutas, travestis e
usuários de drogas dividem o centro de São Paulo longe das políticas públicas.
À margem da Estação da Luz, famosa pela sua arquitetura europeia, mulheres que
‘fazem a vida’, como elas definem, são confundidas com passageiras das linhas
de metrô e trem que percorrem a estação.
As idades das profissionais causam o
mesmo espanto que os valores aplicados por elas. Para 30 minutos com Jane, de
60 anos, o cliente desembolsa R$ 30. “Mas eles nunca passam de 15 [minutos]”,
explicou a idosa garantindo não dar descontos aos mais ‘rapidinhos’.
Com a maquiagem carregada e olhos contornados por um lápis
preto, Jane não perdeu o sorriso nem quando relatou o abandono que sofreu da
filha. “Ela casou e disse que não precisava mais de mim. Me colocou para fora
da casa dela. É difícil entender que a mãe criou você desse jeito”, justificou.
Há quase 45 anos na profissão na região do Brás e Luz, Jane ganhou o “nome de
guerra” em seu primeiro programa com um cliente apaixonado pelo filme Tarzan.
“Eu tinha 16 anos e ele era doido por aquele filme”, disse aos risos.
Assim como Jane, inúmeras mulheres vendem o corpo para
sustentar filhos e netos no centro. O motivo que leva à prostituição é repetido
por três idosas ouvidas pelo iG : a dificuldade de encontrar emprego. A idade
avançada, a origem humilde e traumas de violência doméstica construíram um muro
entre elas e a sociedade. “Tentei de tudo até ver meus filhos passando fome.
Você acha que queria ganhar a vida dando a periquita, benzinho?”, explicou
Marta*, de 65 anos, que pediu para não ter o verdadeiro nome divulgado. Sua
hora custa R$ 40, mas pode cair para R$ 30 se o cliente for conhecido. Ao
fechar o programa, as "meninas" seguem para os hotéis da região, que
cobram entre R$ 8 a R$ 12 por hora.
Em sua bolsa, Marta leva duas fotos plastificadas da
família. “Quando fico triste olho para as fotos e lembro porque estou aqui”. Há
17 anos, ela vai ao parque da Luz todos os dias, das 13h às 21h, mas apenas no
ano passado os filhos descobriram a profissão da mãe. “Os amigos dele [do filho
mais velho] passaram por aqui e me viram. Um dia depois, ele perguntou: ‘Mãe,
você é puta?’. Eu confirmei e ouvi: ‘Achava que a senhora era uma mulher
honesta’. Perdi o respeito dele na hora”. Sem roupas escandalosas e com uma
meia-calça cor da pele, Marta apenas desabotoa os dois primeiros botões da
blusa quando está pronta para o trabalho.
“Se com as namoradas eles são certinhos, com a gente eles
pedem as loucurinhas”, conta Marta. Entre os clientes de Jane e Marta estão
jovens de 18 anos que são atraídos pelo desprendimento e experiência que a
idade pode oferecer. “Eles falam que as novinhas são cheias de frescura. Cheias
de ‘não toca aqui’ ou ‘não pega ali’ e isso afasta eles”, contou Jane que recebe
a visita de um universitário, de 18 anos, a cada 15 dias.
Engana-se, no entanto, quem acredita que essas mulheres
encaram qualquer cliente ou pedido pelo dinheiro. Apesar de oferecer sexo a um
preço mais em conta (a R$ 25/hora), Ivone, de 60, garantiu que não deita com
qualquer um. “Sou nojenta demais. Odeio homem fedido”. Já Jane não aceita
pedidos de sexo oral. “Só coloco lá embaixo para trabalhar, nada na minha
boca”. As ouvidas pelo iG ainda não dispensam o uso da camisinha apesar dos
pedidos incessantes dos homens. E, segundo elas, a avassaladora maioria é
casada.
Com francês fluente, Ivone confessou ter saudades dos tempos
que passou fora do País. Já sem contato com a família, “que está metade morta e
outra metade presa”, ela disse economizar para voltar a viver no exterior.
“Aqui a puta não tem dignidade nenhuma e é a pior pessoa porque pensam que
estamos nisso por falta de vergonha na cara, mas a história é outra”.
Longe das políticas
públicas
Em 2007, Carolina Markowicz e Joana Galvão decidiram
registrar o cotidiano de cinco profissionais idosas no parque da Luz. Oito
horas de depoimentos foram resumidos em 20 minutos no curta-metragem 69 – Praça
da Luz. “Não pesamos com o drama familiar, queríamos registrar a vida delas com
um olhar mais leve, livre de preconceitos”, disse Carolina, que atua como
publicitária e roteirista.
Assista ao curta 69 - Praça da Luz:
O curta conquistou prêmios brasileiros e internacionais,
entre o Festival do Rio, Festival de Havana e exibição no MoMA, em Nova York.
“Acho que o filme ganhou projeção porque o tema ainda é pouco debatido pelos
órgãos públicos. Falta uma preocupação com essas mulheres”. E Carolina não está
errada. A presença de profissionais do sexo nos parques e centro da capital só
é acompanhada, segundo elas, por ONGs e grupos religiosos católicos e
evangélicos.
Procurada pelo iG, a Secretaria Municipal de Política para
Mulheres (SMPM) confirmou que não há ação específica para prostitutas. "A
SMPM foi criada neste ano e ainda está implementando ações que busquem
melhorias na qualidade de vida das mulheres". Na esfera federal, o cenário
é o mesmo. A Secretaria de Política para as Mulheres (SPM), em Brasília, disse
por meio de assessoria de imprensa que não tem dados atualizados sobre
prostituição no País.
Fonte: www.ultimosegundo.ig.com.br
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