A nomeação de uma mulher cardeal constituiria um ato de
mudança forte, significativo, daqueles que já estamos acostumados a esperar do
Papa Francisco. Certamente, seria uma revolução tão forte a ponto de sacudir a
posição de desconfiança e de desinteresse que grande parte do clero assume com
relação às mulheres, religiosas e leigas.
A opinião é da historiadora italiana Lucetta Scaraffia,
membro do Comitê Italiano de Bioética e professora da Universidade La Sapienza
de Roma. Ela também colabora com o jornal L'Osservatore Romano. O artigo foi
publicado no jornal Il Messagero, 24-09-2013. A tradução é de Moisés
Sbardelotto.
Eis o texto.
Nomear uma mulher cardeal: a hipótese-proposta do jornal El
País não é totalmente nova. Outras vozes se levantaram ao longo dos anos –
pessoalmente, quero lembrar a grande antropóloga inglesa Mary Douglas, católica
– para indicar essa via mestra para dar autoridade e, assim, aumentar a
influência das mulheres na Igreja. A nomeação, de fato, teria a grande vantagem
de ser possível, sem implicar o espinhoso problema da ordenação sacerdotal
feminina. Constituiria um ato de mudança forte, significativo, daqueles que já
estamos acostumados a esperar do Papa Francisco. E, além disso, não
surpreenderia muito, no fundo, depois de ter ouvido as frases comprometedoras
que o papa pronunciou recentemente sobre o papel das mulheres na Igreja.
Certamente, seria uma revolução tão forte a ponto de sacudir
a posição de desconfiança e de desinteresse que grande parte do clero assume
com relação às mulheres, religiosas e leigas, porque já é claro que as
exortações a se levar em conta de modo diferente sobre a presença feminina –
propostas tanto por João Paulo II quanto por Bento XVI – deram apenas frutos
modestos.
O Papa Francisco falou sem rodeios sobre as mulheres em
posições importantes, mas não é fácil realizar essa reforma de modo decisivo.
Certamente, a todo mundo – isto é, ao mundo fora da hierarquia eclesiástica –
parece muito estranho e, em particular claramente equivocado, que não haja
mulheres em posições diretivas dentro de órgãos de decisão como os Pontifícios
Conselhos que tratam de temas que as envolvem em primeira pessoa: não há
mulheres, de fato, na instituição que regula os problemas dos religiosos –
embora as mulheres constituam dois terços do número total de religiosos –; no
Pontifício Conselho para os Leigos, que, obviamente, ao menos na metade são
mulheres; o Pontifício Conselho para a Família, onde a sua presença deveria ser
óbvia. Mas mesmo no instituto que regula a assistência de saúde, em grande
parte gerida – e bem – pelas congregações femininas.
E também não devemos esquecer que as mulheres deveriam
participar das decisões de tipo cultural, ou daquelas que dizem respeito às
comunicações. Nesses dois âmbitos, fora da Igreja, mas em parte também dentro,
as mulheres já ocupam papéis importantes, dando prova de grandes capacidades.
E ainda: por que nas congregações que precedem o conclave os
cardeais eleitores não tiveram a oportunidade de ouvir nem mesmo uma mulher,
religiosa ou leiga? Hoje, as mulheres se recusam a ser representadas por homens
em qualquer ocasião e exigem, com justiça, ser ouvidas. O que falta na Igreja é
justamente isto: a disponibilidade de ouvir as mulheres, consideradas apenas
como obedientes executoras de diretrizes alheias, ou fornecedoras de serviços
domésticos.
Esquecendo que a Igreja deve realmente muito às mulheres que
dela fizeram – e ainda fazem – parte. O que seria a mística sem Teresa de
Ávila? E quem propôs a devoção absolutamente mais difundida no mundo, isto é, o
Sagrado Coração de Jesus, se não uma freira francesa, Marguerite Marie
Alacoque? E quanto a Igreja deve a todas as fundadoras de congregações de vida
ativa do século XIX que criaram uma rede de escolas, hospitais, orfanatos,
garantindo à Igreja – no momento da máxima tensão anticlerical – uma imagem
positiva e útil para a sociedade, que lhe assegurou a fidelidade de muitos
crentes ainda em suspenso?
Ainda hoje as religiosas estão no coração de todas as
situações difíceis e dolorosas, e sabem intervir com coragem e bom senso, sem
pedir nem esperar nenhum reconhecimento. E o que dizer das freiras de clausura,
que sustentam a fé de todos nós, e a pureza da Igreja, com a sua oração
incessante? E as muitas catequistas que ajudam os párocos cada vez mais
sobrecarregados de trabalho e muitas vezes deprimidos?
Parece realmente incrível que a hierarquia eclesiástica
pense que essas mulheres não têm nada a dizer, nada de interessante a sugerir.
Isto é, que não são interlocutoras indispensáveis para criar um futuro vital
para a Igreja.
Mas o Papa Francisco, que quer acima de tudo "aquecer
os corações", sabe que as mulheres são mestras em fazer isso, e que um
futuro diferente, mais vivo, não pode ser realizado sem a sua ativa
contribuição.
Fonte: Ihu
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