Maria era uma mulher não intimidada pela Encarnação, que não
devia nada a respostas masculinas, não intimidada a dar orientações sobre o que
deveria ser feito, que tinha um alto senso de responsabilidade pessoal e que
não tinha nem um pouco de dúvida sobre o seu lugar na hierarquia da Igreja.
A opinião é da irmã beneditina norte-americana Joan
Chittister, prioresa por 12 anos da comunidade de Erie, Pennsylvania, nos
Estados Unidos, copresidente da Global Peace Initiative of Women, organização
internacional parceira da ONU em temas de paz e mulheres, e ex-presidente da
Leadership Conference of Women Religious (LCWR).
O artigo foi publicado por Adista, 23-09-2013. A tradução é
de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Uma das grandes descobertas científicas do século XX gira em
torno do papel desempenhado pela comunicação em situações estressantes – a
noção de que o estilo de comunicação de uma pessoa pode suavizar ou endurecer o
conflito, dependendo de como ele seja usado; a ideia de que simplesmente a
quantidade de informação fornecida em situações cruciais afeta o tom, a
eficácia e os resultados das negociações. Como resultado dessas descobertas,
corporações inteiras mudaram os seus processos de tomada de decisão e de
disseminação de informações.
Então, com isso em mente, as pessoas esperaram obter
informações sobre o andamento da visitação vaticana da LCWR a partir do
encontro deste ano, em Orlando, na Flórida. Dado o fato de que não veio nenhuma
informação, as pessoas tiraram as suas próprias conclusões.
Eu, por outro lado, fui buscar o único fragmento de dados
que a assembleia conseguiu produzir sobre o assunto, a homilia que Sartain
proferiu aos seus membros. E era um claro fragmento de comunicação.
Nessa homilia, Maria é "quieta",
"dócil", submete a si mesma e não tem nenhum "desejo ou necessidade
de entender as coisas (...) ou de resolvê-las para a sua própria satisfação
pessoal". Não havia – nos é dito aqui – nenhum "não" ou
"meu" nela. A Maria dessa homilia é um receptáculo passivo do que ela
entende ser a Palavra de Deus.
Bem, talvez. Mas pode ser bom pensar um pouco sobre tudo
isso à luz das outras coisas que nós também sabemos sobre Maria.
O objetivo desta coluna não é para analisar o que o bispo
disse sobre Maria na festa da Assunção. Ao contrário, eu prefiro olhar para o
que ele não disse sobre ela, porque, parece-me, o que ele deixou de fora dessa
homilia diz muito sobre o que se espera das mulheres na Igreja Católica.
Por exemplo, Maria responde à declaração do anjo a ela
questionando-o. Um anjo! Alguém de uma posição muito mais elevada, ao que
parece, do que até mesmo os delegados apostólicos. E só então ela responde com
uma resposta "Seja feita a sua vontade" a uma situação em que,
aparentemente, um "não" era uma resposta viável. Caso contrário, por
que se incomodar conversando?
Ainda mais importante, talvez, é a consciência de que,
apesar da seriedade – até mesmo do perigo – da sua situação, Maria não recorreu
a homem algum – aos sumos sacerdotes do templo, ao rabino local, ao seu pai ou
mesmo a José – para obter instruções sobre o que deveria fazer. Ao invés, ela
recorreu a outra mulher em busca da sabedoria que ela precisava e seguiu-a. Não
houve visitações aqui.
Em outro exemplo, nas bodas de Caná, Maria dá o seu próprio
conjunto de ordens apostólicas a ninguém menos do que o próprio Jesus, assim
como para a equipe de servidores, dizendo: "Vão e façam o que ele lhes
disser".
A própria Maria questionou a conveniência daquilo que Jesus
estava fazendo no templo com os anciãos e, posteriormente, fez parte de uma
multidão de familiares e de amigos que estavam até preocupados que Jesus
pudesse estar "perdendo o juízo".
E, finalmente, se alguém quiser saber como Maria foi uma
figura influente e importante para o desenvolvimento da Igreja primitiva, a
própria ideia de ela fazer parte da reunião dos apóstolos em Pentecostes,
quando cada um deles foi ungido no discipulado pelo Espírito Santo, deveria ser
suficiente para dissipar a noção de que o que temos aqui é uma mulher sem um
forte senso de si mesma.
Não, a Maria não mencionada nessa homilia sobre a Assunção
era uma mulher não intimidada pela Encarnação, que não devia nada a respostas
masculinas, não intimidada a dar orientações sobre o que deveria ser feito, que
tinha um alto senso de responsabilidade pessoal e que não tinha nem um pouco de
dúvida sobre o seu lugar na hierarquia da Igreja.
Essas, penso eu, são precisamente as qualidades que vemos
nas mulheres do nosso próprio tempo que estão abrindo espaço para aquilo que
algumas partes da Igreja chamam agora de "feminismo radical".
Do meu ponto de vista, esse é um triste mau uso da linguagem
e até mesmo um caso mais triste de cegueira espiritual.
Fonte: Ihu
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