segunda-feira, 22 de julho de 2013

Maria Madalena no cristianismo primitivo, desafio para reflexões cristãs modernas

Este artigo tem o objetivo de apresentar inicialmente a situação que a mulher enfrentava nas sociedades androcêntricas, localizada no mundo greco-romano e palestinense, apontando as dimensões de dependência, ruptura e contradições existentes. E revelar a partir dos escritos gnósticos o papel que Maria Madalena desempenhava como liderança no cristianismo primitivo, fazendo uma correlação para reflexões cristãs modernas.


Por Ana Pinheiro dos Santos

Introdução

As histórias que sabemos sobre as mulheres são narrativas de homens que governaram a cidade, e construíram sua memória. Indiferentes a vida privada, eles dedicavam-se à vida pública, onde as mulheres não podiam participar. Caso elas a invadissem, eles alarmavam-se, como se acontecesse uma desordem. Desde a Antigüidade as mulheres são representadas, antes de serem descritas ou narradas, antes de terem à palavra. Filósofos, teólogos, moralistas, pedagogos, dizem o que são as mulheres, e o que devem fazer. Elas definem-se, pelo seu lugar e deveres: agradar aos homens, fazer-se amar e honrar por eles, criá-los quando jovens, cuidar deles quando adultos, aconselhá-los, consolá-los, tornar-lhes a vida agradável e doce, tais são os deveres das mulheres em todas as épocas, e o que lhes deve ensinar desde a infância, escreveu Rousseau. [1]

Durante séculos a mulher luta para reconquistar seu espaço na história. Uma desigualdade imposta por um modelo de sociedade que a determinou como um ser frágil, que veio ao mundo para dar continuidade à raça humana. Com os ideais de liberdade trazidos pelos gregos no I século a.C., a mulher passou a viver uma situação diferente, demonstrando sua força na sociedade. Porém, na Igreja há uma inversão, a mulher perde sua liberdade, a condição de falar e dirigir até desaparecer completamente no século IV d.C. Falar da tradição de Maria Madalena no cristianismo primitivo significa trazer ao século XXI uma reflexão sobre a presença da mulher na igreja, não somente como cooperadora e num papel secundário, mas assumindo o chamado e a responsabilidade de pastorear e proclamar o Reino de Deus. Esse foi sem dúvida o papel que Maria Madalena exerceu no cristianismo primitivo, mas que a Igreja tentou abafar.


A mulher no mundo greco-romano e palestinense

A vida das mulheres no mundo greco-romano e palestinense no período entre 200 a.C. e 200 d.C.. As mulheres que fizeram parte dessas sociedades foram marcadas pela submissão na sociedade e família. Mantidas reclusas em suas casas, não eram consideradas cidadãs, não participavam dos assuntos da pólis e ekklesia. Em suas famílias dependiam do pai, do marido e depois do filho mais velho.

Nas celebrações religiosas [2] elas tinham a liberdade de participar da vida fora do oikos, isso na sociedade greco-romana, no entanto, na sociedade palestinense sofria restrições quanto a sua participação no culto. Porém, é preciso deixar claro que nessas sociedades existiram mulheres que agiam diferentes, em relação a essas restrições [3]. Ao assumirem as mesmas funções que os homens eram tratavam-nas como masculinas [4]. Elas conviviam com a liberdade e as restrições sociais, culturais e econômicas de seu tempo. Por isso, o movimento iniciado por Jesus, inovou, trazendo o ideal de liberdade vivenciado no helenismo. É nesse contexto, que podemos falar de Maria Madalena e sua importância no cristianismo primitivo, a partir dos textos dos Evangelhos Sinóticos e Apócrifos Gnósticos.


A origem do cristianismo primitivo

Falar do cristianismo primitivo, muitas vezes nos leva a uma imagem construída pelo papel que Constantino teve no inicio do século III e IV. Mas, resgatando sua origem compreendemos que não aconteceu uniformemente, com apenas uma estrutura institucional e um corpo doutrinal e uma diversidade posterior. A diversidade era freqüente e com tendências variadas, de onde surgiram modelos diversificados de igreja.

O historiador Flávio Josefo comenta que entre os anos 30 e 70 d.C. havia diversos movimentos populares, proféticos e messiânicos. O cristianismo nasceu em diversos centros (policêntrico) onde se organizou e difundiu com uma variedade de movimentos independentes. Um desses movimentos foi o gnosticismo, que surgiu no I século d.C. Os gnósticos acreditavam na presença divina em cada pessoa e por isso, não aceitavam instituição formada pelo ser humano. Para eles, a mediação eclesiástica não era necessária para relacionar-se com Deus. No gnosticismo a mulher tinha participação e total liderança. Contudo o Cristianismo Oficial mantinha sua postura excludente.


A figura de Maria Madalena

Eu sou a primeira e a última. Sou a honrada e a menosprezada,

Sou a prostituta e a santa.

Sou a esposa e a virgem

Sou aquela cujas núpcias são

esplendidas, e não tive marido,Sou a estéril cujos filhos são numerosos. [5]

Poema Gnóstico

O trovão, a mente perfeita.


Maria Madalena está presente no imaginário e na tradição ocidental popular como a prostituta arrependida, a adúltera que Jesus salvou das mãos dos homens que queriam apedrejá-la e a pecadora cujas lágrimas lavaram os pés de Jesus em preparação para sua sepultura. Porém, não há no Novo Testamento ou na literatura cristã primitiva indícios que comprovem tais atos. É pensando no ambiente social e cultural existente no I século d.C. em relação às mulheres, que a frase de Lucas adquire importância, quando diz que a presença das mulheres que seguiam Jesus era fundamental para o grupo. Elas doavam seus bens e rendas para sustentar Jesus e os discípulos.

Essas mulheres possuíam recursos próprios, pressupondo independência e maturidade, pelo fato de uma das Marias ser a mãe de Tiago, o apóstolo Mc 15.40. Não encontramos nesses textos indícios que Cristo considerava a contribuição das mulheres inferior à dos discípulos. Como disse Lilia Sebastiani, Cristo não se interessava pelas convenções de sua época. Ele desejava quebrar os paradigmas das tradições sociais de sua época, demonstrado no modo como tratava as mulheres.

No inicio do cristianismo ela foi importante e significativa para aqueles/as que seguiam Jesus. A liderança de Maria Madalena era reconhecida, como demonstram os relatos da paixão e ressurreição de Jesus. Os fatos que sabemos sobre esta mulhser se referem ao evento da ressurreição e à mensagem de Cristo. Mas, é possível sintetizar a sua biografia a partir dos dados que estão nos evangelhos.

A violência simbólica, definida por Pierre Bourdieu como a instauração de uma mentira no lugar da verdade, é uma das maiores violências que podem ser exercidas contra grupos ou individualidades, porque implica num trabalho permanente inscrito no corpo de setores sociais contra os quais é exercida. [6]
A figura de Maria Madalena foi submetida, na tradição cristã, a uma violência simbólica que desrespeitou a verdade do seu ser, roubando a sua identidade. E neste roubo, pela violência simbólica exercida sobre ela, as mulheres sofreram dominações por gerações, pois enxergou nela a imagem do pecado sexual que não se deve cometer.



O que sabemos de Maria Madalena?

Maria Madalena veio da cidade de Mágdala, de onde deriva seu nome. Ela estava localizada próximo ao mar da Galiléia, local central de comércio e que pertencia à rota internacional, onde as pessoas de todas as religiões e costumes se encontravam no mercado. Uma cidade próspera, que comercializava peixe salgado, tecidos tingidos e produtos agrícolas. Havia tolerância na comunidade, pelo encontro da cultura judaica e helênica, profundamente conhecidas. A cidade de Mágdala não é mencionada no Novo Testamento, entretanto é o local para onde Jesus e seus discípulos se dirigiram em travessia, após ter alimentado quatro mil pessoas com cinco pães e alguns peixes Mt 14.17-21. Na literatura rabínica ela está localizada próximo de Tiberíades, cidade helenizada, junto ao lago da Galiléia. Para Esther de Boer, Mágdala poderia estar localizada no que hoje tem o nome de Mejdel, cidade que fica na estrada que liga Nazaré a Cafarnaum.

O que os evangelhos nos trazem sobre Maria Madalena é que seguia Jesus. Estava presente na crucificação e foi testemunha, de acordo com o evangelho de João da ressurreição sendo a primeira com a missão de proclamar a boa noticia. Ela foi à portadora do anúncio que Cristo havia ressuscitado. Normalmente, as mulheres nos evangelhos são lembradas como mãe, mulher e filha de alguém, um costume da sociedade patriarcal. Porém, ela aparece sem pertencer a nenhum homem.

Pelos evangelhos não é possível descrever sua vida familiar. Não podendo descrevê-la como uma mulher jovem ou solteira, viúva ou repudiada, ou se preferiu ficar solteira como algumas mulheres influenciadas pelo helenismo, optando pela liberdade. Maria Madalena devia possuir alguma riqueza. Após ser curada por Jesus, tornou-se sua discípula, e o acompanhava em seu ministério, com outros discípulos/as. Pela forma como é nomeada, parece que possuía uma situação familiar diferente em seu tempo. Provavelmente fosse uma mulher solteira e independente. Ainda que sejam escassas as informações sobre Maria Madalena, seu nome aparece mais vezes que outras mulheres no Novo Testamento e geralmente em primeiro lugar.


Maria Madalena nos Evangelhos Sinóticos

Além de ser a mulher mais citada no Novo Testamento, Maria Madalena foi uma importante personagem na cena da ressurreição. No Evangelho de Mateus ela é mencionada duas vezes. Em Mt 27.56 é a primeira mulher nomeada entre as mulheres que acompanhavam Jesus desde a Galiléia. No relato da ressurreição em Mt 28.1, também aparece em primeiro lugar, quando Jesus aparece às mulheres e ordena que dêem a notícia aos apóstolos para seguirem a Galiléia. No evangelho de Marcos está presente na cena da crucificação, em Mc 15.40-41. Seu nome é o primeiro da lista das mulheres que seguiam Jesus desde a Galiléia. O termo servir que foi traduzido do grego diakonein tem a mesma função de diácono, demonstrando as funções atribuídas às mulheres no grupo de discípulos/as. Em Mc 15.47, ela é testemunha do sepultamento. O relato da ressurreição no Evangelho de Marcos é o que dá mais importância a Maria Madalena. Em Mc 16.1, onde vai comprar aromas com outras mulheres para embalsamar Jesus e em Mc 16.9, é para ela que Jesus aparece primeiro.

Em Lucas ela é mencionada como uma das mulheres que seguiam a Jesus e prestava assistência com seus bens em Lc 8.2-3. Assistir a Jesus com os seus bens pressupõe independência financeira. Ela aparece como uma das discípulas que o acompanhavam desde a Galiléia, assistindo a crucificação e preparando aromas e bálsamo para ungir o corpo do mestre. Em Lc 24.10, é a primeira a levar as boas novas da ressurreição. Lucas é o único evangelho que relata a presença dela desde o inicio do ministério de Jesus na Galiléia.

Citada com os Doze parece que sua participação não é tão simples como se apresenta. Ela não está entre eles por acaso. Lilia Sebastiani confirma isso ao demonstrar a diferença de preposições (syn e meta) utilizadas ao redigir um texto. A preposição syn era utilizava declarando que havia intimidade espiritual e que era profundo, porque meta significava algo ocasional e externo. É possível dizer então, que o papel de Maria Madalena era significativo para esse grupo e para esse evangelista. Ela não é uma pessoa que acompanha Jesus ocasionalmente, mas faz parte do seu dia-a-dia e do grupo itinerante. O evangelho de Lucas não diz com clareza o papel que essas mulheres desempenham. Porém, deixa a entender que está no mesmo nível que os Doze.

No evangelho de João Maria Madalena não aparece em primeiro lugar entre as mulheres que assistiram a crucificação de Jesus, Jo 19.25. Em Jo 20.1, ela vai ao sepulcro de madrugada e encontra a pedra revolvida e avisa o acontecido a dois discípulos, tornando-se a personagem principal do relato da ressurreição. Ela estava sozinha, chorando ao pé do túmulo, primeiro vê dois anjos e depois o próprio Jesus, que conversa com ela. A história do cristianismo ocidental transformou-a em pecadora redimida.

Os evangelhos de Marcos, Mateus e João, não mencionam a presença de mulheres seguindo Jesus, somente na crucificação. Porém, esses evangelistas são unânimes em relação à crucificação de Cristo, concordando que Maria Madalena esteve presente na crucificação e testemunha da ressurreição. Os Onze fugiram, mas as mulheres permaneceram, mesmo que o que testemunharam tenha sido visto com incredulidade. Ivoni Reimer dá outra interpretação para esse evento [7].

Os escritos apócrifos complementam a imagem de Maria Madalena descrita pelos sinóticos, revelando que sua importância era similar a de Pedro. Em seu evangelho o tema presente é da liderança feminina e trata da controvérsia entre os discípulos a respeito do exercício da liderança de sua liderança. A teologia cristã primitiva que apoiava a liderança da mulher estava ligada ao nome de Maria Madalena e sua exclusão serviria para combater as teologias que circulavam em torno de seu nome. Uma teologia onde a construção da identidade cristã era independente de papéis de gênero, do sexo e da função de gerar filhos/as. Entendendo que o acesso a Deus era possível a todos/as através do Espírito Santo.


Os evangelhos gnósticos

A imagem de Maria Madalena existente no século II foi revelada nas obras descobertas no Egito no século XIX, a Biblioteca de Nag Hammadi. Nesses escritos lhe é atribuído um destaque entre os/as discípulos/as. Conhecidos como os Evangelhos Apócrifos Gósticos, eles relatam a posição que esta mulher ocupava no grupo de Jesus. E ao mesmo tempo denunciam a tendência de exclusão das mulheres como agentes no processo salvífico, além de manifestar a inveja de Pedro. Fica claro o interesse de Pedro e a disputa pelo poder com respeito à primazia no apostolado.

Os livros apócrifos, como os Evangelhos: de Mani, Maria Madalena, Tomé e de Filipe, além do Diálogo do Salvador e Pistis Sophia, complementam a imagem dos sinóticos e revelam sua no cristianismo primitivo, similar à de Pedro. Nesses evangelhos Maria Madalena aparece como a apóstola dos apóstolos: consola, admoesta, e faz com que saiam para anunciar o evangelho.


O evangelho de Maria Madalena

O evangelho de Maria Madalena é um texto do inicio do século II, encontrado em Nag Hammadi. É datado por volta do ano 150 d.C. Nele encontramos referências aos apóstolos André, Levi e Pedro. Ela é a apóstola que possui os ensinamentos de Jesus e que trava um diálogo e disputa teológica com os apóstolos. Esse evangelho foi escrito possivelmente pela comunidade que se formou em torno à sua liderança. Nele, ela recebe um ensinamento especial do Senhor, e atua como líder entre os discípulos após a sua ressurreição e tem uma consideração especial dele. Ela conforta os discípulos aflitos e os anima procurando voltar seus corações para a discussão das palavras do Salvador.

Este evangelho fala da revelação especial que o Senhor fez a Maria Madalena, que continha uma doutrina avançada acerca da natureza da experiência visionária e do itinerário da alma após a morte. Pedro a pediu que transmitisse o ensinamento aos discípulos/as. Também ilustra seu papel de apóstola dos apóstolos, retratando-a como profetisa, mestra e apoio para os discípulos/as. Esse evangelho,

Revela sua liderança, contrapondo sua força e caráter de maturidade espiritual ao medo, ignorância e medo dos outros discípulos. Ela mantém a compostura enquanto os outros discípulos e discípulas choravam e temiam por suas vidas, caso saíssem para evangelizar. Na visão que ela teve o Salvador a louva por não temer ao vê-lo. Os outros discípulos sentem ciúmes e discutem o fato de o Salvador amá-la mais que eles, assumindo sua tarefa de líder. [8]
Maria Madalena é vista como modelo de liderança cristã baseada em maturidade espiritual e intuição profética. Por ter alcançado maturidade espiritual ela é capaz de ensinar e cuidar dos discípulos/as. Pertencente ao movimento de Jesus ela segue o seu mestre e quebra o paradigma da família patriarcal. Dessa forma, Maria Madalena e Jesus abriram caminho para outras mulheres desempenharem papéis similares na igreja primitiva. Elas atuaram como discípulas e apóstolas e com importância significativa para que o evangelho chegasse até os nossos dias.


A mulher na Bíblia e o desafio para hoje

Deus criou o ser humano (Adam),
 à imagem de Deus ele o criou; criou-os macho e fêmea.
 Gênesis 1. 27


Nesse último tópico podemos confrontar a tradição originária do cristianismo do I século com a participação ou não das mulheres como líderes, com a tradição cristã moderna, de ser ou não incluída na vida e na tradição da igreja hoje. Com isso, podemos abrir pistas que estabeleça um diálogo crítico entre o que foi o cristianismo primitivo e a tradição do cristianismo moderno.

Algumas mulheres foram importantes para o cristianismo primitivo pelo papel que desempenharam em comunidades domésticas como, apóstolas, diaconisas, discípulas e cooperadoras dando continuidade à tradição iniciada no movimento de Jesus com Maria Madalena. Seus nomes aparecem nos textos bíblicos de Atos e na carta aos Romanos. A relativa autonomia das mulheres greco-romanas em alguns setores da sociedade e na religião influenciou a participação das mulheres no cristianismo. A Ásia menor, onde o cristianismo cresceu nos primórdios havia cultos greco-romanos, com a participação de mulheres, e nas comunidades judaicas havia liderança feminina.

O texto de Pseudo Filo, preservado somente em latim apresenta uma perspectiva teológica de grupos palestinenses – possivelmente da sinagoga – no período entre 135 a.C. até 100 d.C. Este nos apresenta uma visão da diversidade que marcava os diversos movimentos do período, diversidade esta que atingia até mesmo a sinagoga. [9]
A carta aos Romanos, 16 nos permite reconstruir a história e o trabalho de mulheres que participaram da missão e direção das comunidades no cristianismo primitivo. Marga Ströher, fala que não é possível afirmar que todas as mulheres tiveram condições iguais, mas a experiência igualitária das comunidades da casa são paradigmas que é preciso resgatar. As cartas paulinas não mencionam o status social e papéis sexuais dessas mulheres, não indica se eram viúvas ou virgens. Elas aparecem como cooperadoras que trabalharam em igualdade com Paulo, como é o caso de Evódia e Síntique (Fl 4.2).

Paulo saúda as pessoas e descreve seu cargo na comunidade. Os cooperadores Priscila e Áquila, Febe como mestre e missionária oficial na igreja de Cencréia e a apóstola Júnia. Essas mulheres estavam dentro ou fora da Palestina. Para Elza Tamez [10] esta lista de saudações da carta aos Romanos 16, escrita em 57 d.C., é um documento que confirma a participação de mulheres nos diferentes ministérios e, até no mesmo nível do apóstolo Paulo. Invertendo as restrições sofridas na sinagoga e no templo, na igreja doméstica, as mulheres judaicas e gentílicas participavam das celebrações.


A participação das mulheres na igreja de hoje

Freqüentemente são citadas as célebres proibições paulinas em I Cor 14.34-35 e nas cartas pastorais de I Tm 2.11-12. É curioso, ver Paulo basear seu argumento na Lei, pois ele reconhece em Gl 3.28 que em Cristo os critérios são outros. É comum considerar o caso como ponto pacífico: a mulher não fala na igreja. A essência das proibições é idêntica em todas as igrejas. Aquelas que aceitam o ministério pastoral feminino entendem que a vocação pastoral pode ser exercida por mulheres e homens sem discriminação. Muitas vezes, a discriminação ocorre de maneira velada. As igrejas que não aceitam o ministério pastoral feminino entendem que essa função foi dada aos homens, baseando-se em textos bíblicos citados acima. O interessante é que essas igrejas utilizam o mesmo livro como fonte de formulação de suas teologias, a Bíblia.

Estamos no século XXI, e com ele cresce a tecnologia tão significativa para os seres humanos. Nesse sentido, a mulher e o homem mudaram seus hábitos. Mesmo continuando com a estrutura de família patriarcal, as mulheres saíram de casa, foram estudar e construíram suas carreiras de empresárias, administradoras, advogadas e pastoras. Pastora? Em algumas igrejas elas assumem a vocação pastoral, capacitam-se teologicamente para exercerem o ministério pastoral, como no inicio do movimento de Jesus e do cristianismo primitivo. No entanto, encontramos igrejas que entendem que pastorar não é função para as mulheres.

Mesmo quando essas mulheres não são ordenadas pastoras, exercem outros ministérios como: evangelistas, administradoras, professoras da escola bíblica, ministram o louvor entre outros. Mas o fato é que as proibições quanto à ordenação de mulheres para exercerem o ministério pastoral continuam. Será que as igrejas: batista, luterana, metodista e presbiteriana, sobreviveriam sem a participação das mulheres? Na Igreja Metodista do Brasil 62,4% dos membros são mulheres. As pastoras chegam a quase trezentas e uma bispa.


Considerações finais

Evidenciamos a vida das mulheres na sociedade greco-romana e palestinense e a importância do papel de Maria Madalena para a continuidade da mensagem do Reino. Além disso, encontramos no cristianismo primitivo, outras mulheres que desepenharam a mesma função, mas a que tradição tentou calar nos séculos seguintes, mas que prevaleceu e chegou até nós. Com a chegada da igreja institucionalizada as mulheres foram caladas aos poucos. Entretando, evidenciamos aqui a luta de outras mulheres ao longo desses séculos contra esse silêncio forçado, exemplos para as mulheres do século XXI.

Como seres criados por Deus, como Adam nós refletimos Sua imagem. Nesse sentido, Deus, não vê a humanidade em níveis diferentes. Ele aceita as mulheres e os homens como pessoas, como indivíduos responsáveis, com necessidades próprias, com fracassos e com os dons do Espírito. A identidade [11] do ser humano é formada nas relações com outros seres humanos. Portanto, compreendemos homens e mulheres possam compartilhar a imago Dei, servindo juntos em todos os aspectos da vida e na igreja, principalmente na missão, que é um cumprimento daquilo que foi estabelecido por Deus, a partir do chamado à vocação pastoral.

As mulheres desde o cristianismo primitivo desempenham o seu papel na missão, como discípula, diaconisa, apóstola, mas tem encontrado dificuldades devido aos dogmas institucionais. Chegamos ao século XXI e a condição de vida da mulher evoluiu, ela conquistou novos espaços, e pôde exprimir suas idéias e ser ouvida. É importante que a igreja seja um lugar de convivência entre homens e mulheres, onde a identidade do Adam seja preservada e respeitada [12].

O modelo de sociedade que vivenciamos onde não se valorizava a mulher ultrapassou XXI séculos. Onde prevalece o domínio do homem sobre a mulher, deixando de lado a valorização mútua da relação de ser humano. [13] Em igrejas onde o ministério pastoral abriu-se para mulheres e homens, o grande desafio é vivenciar a proporcionalidade, da relação mútua e igualitária de poder. Para que ocorra é preciso tempo, conhecimento, educação, re-educação, informação de homens e mulheres, nas comunidades onde estamos ou estaremos presentes.

Ana Pinheiro dos Santos é analista de Sistemas e teóloga. Integrante do grupo de pesquisa Expressões Minoritárias do Cristianismo na Galiléia e Egito, da FaTeo, coordenado pelo Prof. Dr. Paulo Roberto Garcia e orientador da pesquisa que teve o apoio do CNPQ-PIBIC-UMESP, em 2006. E-mail: anapinheiro12@yahoo.com.br. Meu agradecimento aos profs. Alberto Rigolo, Rogério Toto e Daniel Soarez da Coordenação de Esportes da Universidade Metodista de São Paulo, por viabilizarem meus estudos nesta instituição.

Referências bibliográficas

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Notas

[1]          DUBY, George, PERROT, Michele (org). História das mulheres no Ocidente. Vol. 1. Porto/ São Paulo. Afrontamento/EBRADIL, 1990, p. 7-10.
[2]          A vida religiosa era o único momento em que as mulheres gregas eram tratadas como cidadãs, desde que mantivessem alguns limites nos rituais. O papel das mulheres na religião romana era secundário. Nem nos cultos públicos, nem no culto doméstico, tinham privilégios. A responsabilidade sacerdotal estava nas mãos dos homens. As vestais, sacerdotisas públicas eram as exceções no mundo sacerdotal romano, quase todo composto por homens. Elas invadiam o terreno masculino, com privilégios semelhantes. Na Palestina onde na vida religiosa a diferença entre o homem e a mulher era acentuada. Elas estavam sujeitas às proibições da Lei que se tornou um veículo de opressão para as mulheres. E neste sentido, não tinham acesso ao sagrado.
[3]          No período helenístico surgiram mulheres entre os poetas e escritores. Os pensadores do epicurismo e cinismo propuseram a emancipação feminina. Entre elas surgiu Hiparca, filósofa ligada ao cinismo. Na Palestina, algumas mulheres não seguiram os costumes impostos pela sociedade. Entre elas a rainha Alexandra em 76-67 a.C. que se manteve no poder e defendeu a fortaleza de Hircânia contra as tropas de Herodes. O historiador Stegmann comenta que é possível encontrar em materiais epigráficos, mulheres que pertenciam à sociedade judaica que eram empresárias e comandavam empregados.
[4]          STEGEMANN, Ekkehard W.; STEGEMANN, Wolfgang. História do protocristianismo. Trad. Nélio Schneider. São Paulo, RS: Sinodal/Paulus, 2004, p. 403.
[5]          SEBASTIANI, Lilia. Maria Madalena: de personagem do evangelho a mito de pecadora redimida. Petrópolis: Rio de Janeiro, Vozes, 1995, p. 55.
[6]          DEWEY, Joanna. Das Histórias Orais Ao Texto Escrito: In Concilium- Revista de Interpretação Teológica. Nº 276, 1988, p. 27-37.
[7]          Op. cit. p. 54. REIMER, R. Ivoni. Lembrar, transmitir, agir: mulheres nos inícios do cristianismo. In: Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana. Eles não acreditaram é algo particular de Lucas e do acréscimo de Marcos. A maioria dos exegetas interpreta esta afirmação de forma anti-judaica, dizendo que os discípulos não acreditaram, porque eram mulheres que falaram e porque no judaísmo, mulheres não teriam nenhum valor enquanto testemunhas. O descrédito deles, não foi por serem mulheres, mas porque o que anunciaram era fantástico demais, apesar de ser esperado. Situação semelhante em acontece em At 12. 14-15.
[8]          FARIA, Jacir de Freitas. A vida secreta dos apóstolos e apóstolas à luz dos Atos dos Apócrifos. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 130.
[9]          Op. Cit, p. 69. GARCIA, Paulo Roberto. O sábado do Senhor teu Deus: o Evangelho de Mateus no espectro dos movimentos judaicos do I Século. 2001. 226p. Doutorado - CIÊNCIAS DA RELIGIÃO. São Bernardo do Campo, 2001. D. J. Harrington, Pseudo-Philo, in James H. Charlesworth (ed), The Old Testament Pseudepigrapha, volume 2. p. 300. Nesta observação sobre a diversidade de posturas que podemos encontrar no judaismo das sinagogas nos chama a atenção (dentro proposta que localiza como espaço de produção deste texto ou que aponta o texto como reflexo do pensamento provindo de sinagogas palestinense) a alusão que Harrington faz a uma possível abordagem feminista.
[10]        É professora de estudos bíblicos da Universidade Latino-Americana de San José, Costa Rica.
[11]        PAULA, Blanches de. Vocação e Identidade. In: Vocação Pastoral Em Debate. EDITEO, 2005, p.130. A identidade do Reino de Deus extrapola a instituição igreja e nos remete para o mundo das pessoas, para o diálogo, aprendizado mútuo, a dignidade humana, a paz, a vida. O saber dizer “quem sou” está vinculado com nossos desejos e aspirações que, ao se encontrarem com os valores do Reino de Deus, podem ser confrontados e re-ligados. Nesse viés é indispensável o tema da imagem de Deus no ser humano para os estudos de imagem e vocação.
[12]        MOLTMANN, Jürgen. A Fonte Da Vida: O Espírito Santo e a teologia da vida. Trad. Werner Fuchs. Edições Loyola, 2002, p. 30-31. Homens e mulheres estão em posição igualitária. As mulheres encontram-se na mesma proximidade do Espírito de Deus que os homens. Não existem mais prerrogativas masculinas. Com dons e direitos iguais, “profetiza” no Espírito Santo uma nova comunhão messiânica de mulheres e homens. Será que uma igreja cristã que ordena exclusivamente homens ao ministério e exclui as mulheres da proclamação, da profecia, possui Espírito Santo, ou será que ela o “abafa”, reprimindo sua ação libertadora? Na experiência do Espírito surge uma nova comunhão de senhores/as, servos/as. O Espírito de Deus não respeita as diferenças sociais. Pelo contrário, abole-as.
[13]        LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 18ª Ed. Jorge Zahar Editor: Rio de Janeiro, 2005, p. 19. A verificação de qualquer sistema de divisão sexual do trabalho mostra que ele é determinado culturalmente e não em função de uma racionalidade biológica. Um menino e uma menina agem diferentemente não em função de seus hormônios, mas em decorrência de uma educação diferenciada.


Fonte: www.metodista.br

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