A realização da Jornada Mundial da Juventude no Brasil,
entre os dias 23 e 28 de julho, deve servir como um marco para o novo momento
que a Igreja Católica vive em todo o mundo, com a chegada do papa Francisco.
Por Alexandre Vaz
Um momento de volta
às origens, com a reaproximação dos sacerdotes com o povo de Deus e, em
especial, com os mais jovens, maiores vítimas do acirramento do consumismo, do
materialismo e do individualismo exacerbados, típicos dos tempos modernos.
“O papa traz um sinal de esperança para as comunidades
católicas de todo o mundo. No caso dos mais jovens, esse reencontro é urgente,
uma vez que eles sofrem com a cultura de mercado, que trata o ser humano como
produto. Uma ‘vida líquida’, como diria (Zygmunt) Bauman”, afirma o pró-reitor
de Pós-Graduação e professor de Direito Internacional e Metodologia de Pesquisa
da Escola Superior Dom Helder Câmara, Sebastien Kiwonghi.
Sebastien Kiwonghi refere-se ao termo consagrado pelo
sociólogo polonês Zygmunt Bauman para descrever o sentimento de ansiedade e
angústia característicos da vida moderna, marcada por infinitas possibilidades
de escolha e, por isso mesmo, pela falta de solidez nas relações humanas.
“Por isso, entendo como um verdadeiro sinal de esperança a
chegada de Francisco, pois ele está propondo o fortalecimento da doutrina
cristã, com base no resgate de suas raízes. E nada mais apropriado do que
trazer de volta esses jovens que começam a entender a importância de uma vida
cristocêntrica”, ressalta.
Nesse sentido, Kiwonghi entende ser fundamental que a
própria Igreja Católica faça uma autoavalização, revendo suas ações,
fortalecendo os laços das dioceses com a comunidade e incentivando, a exemplo
de Francisco, um maior encontro dos sacerdotes com a juventude. "Se por um
lado, há uma maior descrença nas sociedades ocidentais, em função da
secularização e do consumismo, por outro assistimos a um fortalecimento do
catolicismo na Ásia, na África e na América Latina. Isso só mostra a força da
doutrina cristã", ressalta.
ARREBANHAR JOVENS CATÓLICOS É O DESAFIO DO PAPA FRANCISCO
Por Itamar Melo
Os gaúchos que viajam
nos próximos dias ao Rio para encontrar o papa Francisco e participar da
Jornada Mundial da Juventude (de 23 a 28 de julho) terão, durante uma semana, a
rara oportunidade de sentir-se parte de uma grande massa de pessoas iguais a
eles. Participantes dos grupos de jovens da Igreja Católica, esses peregrinos
enfrentam no dia a dia uma condição bastante distinta: a de professar com
fervor uma fé que é encarada com indiferença por muitos de seus companheiros de
geração.
Segundo estimativas da representação estadual da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), há entre 40 mil e 50 mil membros nos
cerca de 2 mil grupos de jovens em atividade no Rio Grande do Sul — conta que
exclui os movimentos ligados a congregações. Em termos proporcionais, a
participação é baixa. A população gaúcha na faixa dos 15 aos 24 anos é mais de
30 vezes superior: 1,7 milhão de pessoas. — Hoje é difícil falar de Deus —
reconhece a universitária Tanise Medeiros, 24 anos, da coordenação da Pastoral
da Juventude, organização com maior número de grupos no Estado.
Ainda que exista atualmente uma ampla variedade de grupos de
jovens, capaz de atender aos mais variados perfis de religiosidade, há entre
autoridades da Igreja a percepção de que eles estão enfraquecidos em termos
numéricos, na comparação com décadas passadas. O mestre em Teologia Edson
Pedron Frizzo, que atua no Curso de Liderança Juvenil (CLJ), conta que se
tornou muito difícil atrair a garotada.
O trabalho de percorrer escolas para convidar os alunos a participar
dos retiros promovidos por sua paróquia costuma resultar em apenas cinco ou
seis adesões a cada semestre. Para sua dissertação de mestrado, Frizzo realizou
uma pesquisa que ajuda a lançar luz sobre esse desinteresse e sobre a tendência
do jovem brasileiro de se declarar católico ao mesmo tempo em que cultiva
comportamentos e valores opostos à pregação e à doutrina da Igreja.
Frizzo submeteu mais de mil alunos de graduação da PUCRS a
questionários sobre religião. Definiram-se como católicos 61% dos
participantes. O detalhe é que eles não vão à missa e são a favor do aborto, da
eutanásia, da união homossexual, do controle artificial da natalidade e do sexo
antes do casamento. Quase metade acredita em reencarnação, que não faz parte da
crença católica.
"Nos questionários, muitos comentaram que vão à Igreja
por causa dos pais, mas que não concordam com muitas coisas. Curiosamente,
foram os ateus que se manifestaram 100% contra aborto, pena de morte e
eutanásia. A conclusão é que a Igreja não se comunica com a juventude. Sem o
jovem, como ela vai se renovar?", questiona o pesquisador.
A preocupação com essa renovação explica iniciativas como a
realização da Jornada Mundial da Juventude, encarada na instituição como um
evento capaz de renovar fervores e conquistar novos fiéis. No âmbito nacional,
a assembleia da CNBB lançou, em 2007, o Documento 85, que tratava
especificamente da juventude, orientando as dioceses a criar setores para
articular os grupos.
A Arquidiocese de Porto Alegre foi uma das pioneiras,
estabelecendo seu Setor Juventude em 2009. Da cidade, 1,2 mil peregrinos devem
ir ao Rio. "O fato que mais preocupava a Igreja era a indiferença do
jovem. Além disso, o trabalho nessa área era feito de forma desarticulada. Os
grupos continuam tendo autonomia, mas o Setor Juventude funciona com um
conselho que dá linha comum", diz o padre Márcio Augusto Lacoski.
Padre afirma que
Igreja não ouve e não pesquisa o jovem
Dentro da própria Igreja, contudo, há posições críticas em
relação à forma com o tema é tratado. Professor da Unisinos e responsável pelo
Laboratório Juvenil do Vale, o padre Hilário Dick entende que a instituição
perdeu os jovens. Segundo ele, a Igreja não ouve e não pesquisa o jovem.
"O Documento 85 era bonito. Previa liberdade e protagonismo, mas foi
distorcido, porque a Igreja tem temor da autonomia do jovem", afirma ele.
Dick enxerga aspectos positivos na Jornada, mas considera que ela impede o
protagonismo juvenil: "Ela não é uma jornada mundial da juventude, é uma
jornada mundial da Igreja se aproveitando da juventude. Quem está na frente da
jornada e quem sobe no palco não são os jovens. São os padres, os bispos, os
cardeais. Tudo vem pronto de Roma. O jovem é só massa de manobra".
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