A musicista Yasmine El Baramawy, 30, protestava na icônica
praça Tahrir em novembro passado quando, arrastada por uma multidão de homens,
foi estuprada repetidas vezes.
À Folha ela diz que aterrorizar uma mulher de
maneira que ela deixe de se manifestar é, também, uma forma de desrespeitá-la.
Ontem, Baramawy voltou à praça, escoltada por amigos. "Aprendi a ir em
grupos."
Eu estava na praça Tahrir em 23 de novembro, em um grande
protesto contra a declaração constitucional de Mohammed Mursi. Fiquei perto dos
confrontos com as forças de segurança.
Naquele dia, todos estávamos unidos contra a Irmandade
Muçulmana.
Um pouco após o pôr do sol, quando já estava escuro, um
homem me agarrou dizendo que estava me protegendo --só que de uma coisa que não
estava ali. Ele começou a me puxar.
No começo, eram 15 homens. Então eles se tornaram uma
multidão. Era imenso.
Não sei dizer, talvez uma centena.
Algumas pessoas viram o que estava acontecendo comigo, mas é
difícil dizer o que estava ocorrendo. Não sei quantos deles estavam realmente
tentando me ajudar. Tudo estava tão confuso...
Muitos manifestantes lutaram por mim ali, mas não era o
suficiente. Os estupradores eram muitos, e eles tinham armas. Os ativistas em
Tahrir não estão preparados para isso, eles não são membros de gangues ou nada
assim.
HUMILHAÇÃO
Eles me estupraram de diversas maneiras com as mãos. Não com
o pênis. Um homem veio por trás e me estuprou com um canivete. Uma outra mulher
teve a vagina e o ânus abertos com uma faca, foi muito pior.
O que acontece não é só uma violência sexual. São crimes
violentos. Eles humilham as mulheres.
Eles abusaram de mim na Tahrir e então me levaram a um canto
próximo da praça. Continuaram. Fui arrastada a outra rua, depois mais adiante,
então me puseram em cima de um carro e seguiram me estuprando.
Estava de costas, e eles pressionavam as mãos em mim para
que eu não pudesse me mover.
Puseram um capuz na minha cabeça e dirigiram até uma região
distante. Foi um caminho longo, talvez dez, quinze minutos.
Lá, alguns moradores perceberam o que estava acontecendo e
lutaram por mim. Consegui ser resgatada.
Nunca tinha ouvido falar sobre esse tipo de violência no
Egito. Eu ainda vejo cenas daquele dia. Às vezes, sinto o estupro no meu corpo.
Preciso segurar minhas roupas.
Tenho sonhos ruins também. Fico irritadiça. Tenho alguma
coisa dentro de mim e preciso gritar de repente.
Há um grande desrespeito pela mulher no Egito. A maior parte
das pessoas pensa que as mulheres são escravas, que são coisas que eles podem
comprar. Principalmente os mais velhos.
ESTIGMA
O estupro deixa um estigma na mulher e silencia a família.
Isso no mundo todo, não apenas no Egito. Mas, depois que comecei a falar sobre
isso, e outras mulheres também, ficou mais fácil de lidar. Tenho, além disso, o
apoio dos meus amigos. Muitas pessoas agem como se nada tivesse acontecido,
porém.
Acho que é também um desrespeito quando, de alguma maneira,
uma mulher é impedida de participar das manifestações por ter medo de estar
ali.
Eu nunca me arrependi de ter ido à praça Tahrir. Eu me
juntei à revolução, naqueles dias. Essa era a coisa certa a ser feita. Não
penso nisso.
Aprendi, agora, a ir em grupos. Naquele dia, estava com
outra amiga, que também foi estuprada quando nos separaram. Hoje, meus amigos
vão me levar para o protesto. Estou esperando por eles.
Fonte: Folha de São Paulo
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