Para chegar a um equilíbrio entre trabalho e família, duas
transformações parecem imperativas. Os homens terão de colaborar muito mais nas
tarefas do lar, como fazem nas nações mais avançadas. Além disso, as
instituições que cuidam das crianças e adolescentes terão de se expandir de
forma considerável para acomodar os menores em creches e escolas em períodos
prolongados.
Artigo de José Pastore
Com a aproximação do dia da mulher (8 de março), sou
provocado a escrever sobre um novo modismo que reserva o termo de "mulher
alfa" para se referir à profissional independente, obstinada, combativa,
realizadora, assertiva, que exerce profissões liberais, é empreendedora e ocupa
posições de mando. Com isso, parece que todas as demais mulheres são
destituídas dessas virtudes. Não concordo. As mulheres têm avançado no mercado
de trabalho, mas os problemas também.
Nos últimos dez anos, a proporção de mulheres que trabalham
fora de casa passou de 35% para 45%. O rendimento do contingente feminino
também cresceu, tendo chegado a 14% no período considerado (em termos reais),
enquanto o dos homens ficou em apenas 4%. No campo educacional, as mulheres já
são mais instruídas do que os homens. Entre as que trabalham, elas têm, em
média, 11 anos de estudo, ante 9 anos dos homens. O porcentual das mulheres que
têm curso superior é de 19%, enquanto o dos homens é de 11%. Elas já são a
maioria nos programas de mestrado e doutorado. Entre 2000 e 2010, as mulheres
dobraram sua participação em cargos de chefia, gerencia, diretoria e
presidência.
Mas nem tudo são rosas. As mulheres enfrentam dificuldades
crescentes. A grande maioria das que trabalham é forçada a combinar os papéis
de funcionárias, mães, esposas e donas de casa. Elas gastam no trabalho, em
média, 50 horas por semana (contando o tempo de deslocamento) e despendem, em
média, 22 horas adicionais nos serviços domésticos, enquanto os homens gastam
só 10 horas. Na maioria dos casos, as trabalhadoras se levantam às 5 horas da
manhã e dormem à meia-noite. A necessidade de harmonizar as responsabilidades
profissionais com as familiares as leva a praticar a "jornada
dobrada". Isso tudo não é novidade. Ocorre, porém, que essa sobrecarga tem
se agravado em decorrência da crescente dificuldade para contar com o apoio das
empregadas domésticas e do esvaziamento da família extensa, na qual os avós ajudavam
a criar os filhos e a administrar a casa.
Sem desmerecer o talento e a criatividade das empreendedoras
e executivas que estão no topo da pirâmide profissional, penso que a verdadeira
mulher alfa é esta que, além de obstinação, garra e competência, vive um ritmo
de trabalho alucinante e que desfruta de baixos salários.
A intensificação do trabalho tem afetado o comportamento das
mulheres, a estrutura da família e a própria população. As mulheres de hoje não
querem e não podem ter muitos filhos. Em 1990 nasciam 3 filhos por mulher.
Hoje, 1,8, com tendência cadente. Isso já tem reflexo na oferta de trabalho: há
menos jovens em idade de trabalhar. A pressão salarial cresce. O custo do
trabalho sobe mais depressa do que a produtividade. A competitividade das empresas
e da economia diminui. A tão decantada era do bônus demográfico está passando
mais depressa do que se pensava. A redução da prole é uma imposição da nova
realidade do trabalho. O que será do futuro?
Para chegar a um equilíbrio entre trabalho e família, duas
transformações parecem imperativas. Os homens terão de colaborar muito mais nas
tarefas do lar, como fazem nas nações mais avançadas. Além disso, as
instituições que cuidam das crianças e adolescentes terão de se expandir de
forma considerável para acomodar os menores em creches e escolas em períodos
prolongados.
São dois grandes desafios. O primeiro cai no colo dos
homens. O segundo, no do Estado. É isso o que explica, em grande parte, a alta
participação das mulheres no mercado de trabalho na Irlanda (64%), na Nova
Zelândia (72%), na Finlândia (74%), na Noruega (76%), na Suécia (77%) e na
Islândia (81%). O Brasil terá de se preparar desde já para essas mudanças. Ou
vamos fazer como Groucho Marx, que dizia: "Por que vou me preocupar com o futuro,
se ele não fez nada de bom para mim?".
José Pastore - Professor de Relações do Trabalho da FEA-USP
e membro da Academia Paulista de Letras
Fonte: Estado de São Paulo
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