Violência verbal (ameaças, xingamentos e humilhações), abandono, falta de privacidade, exames de toque vaginal abusivos, episiotomia de rotina, separação mãe-bebê, restrições de acompanhante, uso abusivo de medicamentos, dentre outras práticas que agridem a parturiente durante a assistência ao parto, mostram que a violência obstétrica está enraizada na cultura médica brasileira. Essa violência é reproduzida nos hospitais universitários e apreendida pelos novos profissionais como algo corriqueiro, cotidiano e normal.
As gestantes brasileiras estão muito mais à mercê da
violência do que se possa imaginar. De acordo com dados de pesquisa realizada
pela Fundação Perseu Abramo em 2010, uma em cada quatro brasileiras relatou ter
sofrido algum tipo de violência durante assistência ao parto. Essa
violência explode da sociedade para dentro da sala de parto, e se manifesta não
só por atos de agressão física, mas também por agressões verbais, indiferença,
frieza, cinismo e pela falta de sensibilidadedas equipes de saúde das
maternidades públicas e privadas de todo Brasil. Diariamente as parturientes e
seus bebês sofrem violações dos seus direitos, sendo agredidos, manipulados e
separados no momento fundamental para a criação do vínculo entre mãe e filho.
Em resposta a diferentes formas de violência institucional, 25% das mulheres
entrevistadas durante a pesquisa relataram ter sofrido, na hora do parto, ao
menos uma entre 10 modalidades de violência sugeridas – com destaque para exame
de toque doloroso (10%), negativa para alívio da dor (10%), não explicação para
procedimentos adotados (9%), gritos de profissionais ao ser atendida (9%),
negativa de atendimento (8%) e xingamentos ou humilhações (7%).
Trata-se de um tipo de violência bastante
específica, que ocorre cotidianamente no cenário das instituições de saúde: uma
violência praticada pelas equipes de saúde e consentida por mulheres em
trabalho de parto, que se submetem a ela principalmente por desconhecerem o
processo fisiológico do parto, por temerem pelo bebê, pelo mau atendimento e
pela condição de desigualdade entre médico e paciente. Neste cenário aterrador,
o médico é o detentor do conhecimento, da habilidade técnica, e à mulher cabe
apenas acatar passivamente as ordens a ela delegadas.
Violência
institucionalizada
Segundo dados do relatório “Violência no
Parto em Minas Gerais”, a partir da Segunda Guerra Mundial, iniciou-se o
processo de institucionalização do parto, transformando esse evento da vida
privada e familiar em um evento médico e hospitalar. Nesse período iniciou-se a
industrialização e a mecanização do parto, fazendo-se uso de drogas, aparelhos
e práticas cirúrgicas. As maternidades se transformaram em “linhas de
montagem”, com o objetivo de padronizar e agilizar a forma de parir.
A percepção da parturiente como paciente e do
parto como ato médico retirou da mulher a autonomia sobre seu corpo e seus atos,
e a mulher passou de protagonista a coadjuvante, entregando seu corpo a
terceiros que, supostamente, sabiam melhor do que ela o que fazer. Nesse
contexto de industrialização do parto, o nascimento cirúrgico - cesariana – se
estabeleceu como prática corriqueira em nossa sociedade.
A institucionalização do parto abriu espaço
para que se estabelecesse ainda uma relação de poder/hierarquia entre o médico
e a parturiente, potencializada pelas relações de gênero e poder enraizadas em
nossa sociedade. Sozinhas, fragilizadas, vulneráveis, sentindo dor, as
parturientes se tornaram alvos fáceis para a prática de atos violentos de ordem
física, psicológica ou moral por parte de médicos e outros profissionais de
saúde, que consciente ou inconscientemente impunham seu poder-saber-fazer de modo
a causar sofrimento nas mulheres. Nossa sociedade patriarcal aceitou e
assimilou de tal modo essas práticas, que hoje a violência contra a mulher em
trabalho de parto e parto também se tornou institucionalizada.
Violência
verbal (ameaças, xingamentos e humilhações), abandono, falta de privacidade,
exames de toque vaginal abusivos, episiotomia de rotina, separação mãe-bebê,
restrições de acompanhante, uso abusivo de medicamentos, dentre outras práticas
que agridem a parturiente durante a assistência ao parto, mostram que a
violência obstétrica está enraizada na cultura médica brasileira. Essa
violência é reproduzida nos hospitais universitários e apreendida pelos novos
profissionais como algo corriqueiro, cotidiano e normal.
Paralelamente
à crescente taxa de cesarianas no Brasil, vê-se também um número cada vez maior
de mulheres interessadas em resgatar a naturalidade do parto. Esse movimento de
resgate, iniciado na década de 70, tem ganhado força a partir da consciência
ecológica e se espalhado por meio das redes sociais na internet. Essas redes
também são responsáveis por abrir a discussão em torno da violência obstétrica.
Mulheres de todas as regiões do país, dentre elas Minas Gerais, estão se
unindo, presencial ou virtualmente, com o objetivo de mudar a triste realidade
de assistência ao parto nas instituições de saúde em nossa sociedade.
Engrossando
o coro desta rede de mulheres, a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia
Legislativa de Minas Gerais resolveu apurar denúncias de violência no parto recebidas
por redes sociais e organizações civis de apoio à gestantes e puérperas. No
próximo dia 1º de agosto, quarta-feira, às 9 horas, será realizada uma
audiência pública, que tem como objetivo cobrar esclarecimentos do poder
público e dos dirigentes das instituições de saúde públicas e privadas de Minas
Gerais sobre práticas violentas no parto, uma violação dos Direitos Humanos e
do princípio da dignidade da pessoa humana.
Trechos de denúncias contidas no relatório “Violência
no Parto em Minas Gerais”
“A enfermeira chegou dizendo que ía me ajudar e enfiou um gancho de
plástico de 30 cm em minha vagina, estourando a minha bolsa, sem me avisar!”
(B.L.S.)
“A médica plantonista
que estava no dia que minha filha nasceu me atendeu ali...como se eu fosse um
pedaço de carne de açougue que o açougueiro corta, pesa e vende...sem nem ao
menos olhar na cara de seu cliente.” (P.L.)
“A médica veio furar minha bolsa, com um instrumento
parecido uma vara de plástico. Me furou quando eu estava em contração, cheia de
dores...ela insistiu pelo tempo dela que era curto e em não me esperar, então
ela feriu a minha vagina toda internamente. Eu estava apavorada.” (P.L.)
“Logo depois que minha filha nasceu, fomos separadas,
apesar de estarmos passando muito bem. Naquela sala fria de hospital, fui
obrigada a permanecer por mais de uma hora, longe de minha filha, sozinha, sem
direito a acompanhante, tendo que ouvir comentários fúteis de funcionários que
fingiam que não existíamos.” (W.L.S.)
“A cada 30 minutos eu era invadida por alguém da equipe
que vinha ver a minha dilatação, apertar a minha barriga, olhar o cardiotoco.
Meu corpo foi totalmente exposto, me sentia um rato de laboratório, com aquele
entra e sai enfermeiras explicando procedimentos pras técnicas e estagiárias, e
me usando pra demonstração.” (A.G.F.)
“O médico que me atendeu foi extremamente grosseiro,
invasivo, desumano, sem educação e bossal. Mal falou conosco, abriu minhas
pernas e enfiou os dedos, assim, como quem enfia o dedo num pote ou abre uma
torneira.” (A.G.F.)
“Colocaram um balão com soro dentro do colo e um peso
(sim, um peso para focar pra baixo) na outra ponta de um cordão...Fiquei com
aquela loucura por alguns minutos..ERA MUTILAÇÃO DEMAIS...Cansei, sofri,
chorei, aceitei...” (P.O.)
“Gritei que não queria episiotomia. Mas o médico, sem
olhar para mim e sem nunca pronunciar meu nome, me comunicou que era
procedimento padrão da maternidade e que não poderíamos discutir aquele assunto
naquela hora. Meu mundo desabou e eu não podia fazer nada. Estávamos nas mãos
da instituição eu não seria escutada, muito menos informada sobre nada. Estava
nas mãos de pessoas em que eu não sentia nenhuma confiança, que me tratavam
como objeto. Um pesadelo!” (A.P.G.)
“Assim que nasceu, levaram minha filha. Fiquei muito
deprimida por ter gestado uma vida durante 8 meses em meu ventre e poder ter
apenas alguns segundos para vê-la de longe. Fiquei arrasada!”(A.P.G.)
“A enfermeira colocou uma bolsa de areia pesada em cima
da minha barriga, uns 2 quilos, e disse que minha filha tinha nascido um pouco
cansada e teria que ficar na incubadora tomando oxigênio. Pedi para vê-la
imediatamente e a enfermeira disse que não, que eu teria que ficar por uma hora
deitada.” (B.L.S.)
Audiência Pública “Violência no
Parto”
Comissão de Direitos Humanos
da Assembleia de Minas
1º de agosto de 2012 - 9h
Auditório da Assembleia Legislativa de Minas Gerais
Rua Rodrigues Caldas, 30. Santo Agostinho. Belo Horizonte-MG
Auditório da Assembleia Legislativa de Minas Gerais
Rua Rodrigues Caldas, 30. Santo Agostinho. Belo Horizonte-MG
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