terça-feira, 24 de julho de 2012

''A Igreja é pró-vida, mas se cala sobre outras questões vitais''


Uma das líderes da Leadership Conference of Women Religious (LCWR), Ir. Pat Farrell, rompe o silêncio em uma entrevista radiofônica à National Public Radio (NPR). "O problema é que o ensinamento e a interpretação da doutrina não podem permanecer estáticos, enquanto o mundo caminha: é preciso uma reformulação continua, a partir de alguns princípios básicos. Como religiosas, estamos cotidianamente em contato com as mulheres que também vivem às margens da sociedade, e as suas vidas são muito mais complicadas do que se possa imaginar. A nossa missão é a de nos colocarmos ao lado dos mais pobres, mas as suas questões, assim como todas as realidades humanas, são muito menos 'branco no preto' do que certas teorias".

A reportagem é de Maria Teresa Pontara Pederiva, publicada no sítio Vatican Insider, 19-07-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Para muitos, pareceu mais do que uma coincidência, mas, no dia seguinte à anunciada mudança de guarda na liderança da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé – do norte-americano Levada ao alemão Müller – as irmãs norte-americanas da LWCR, a associação que representa 80% delas e que está preparando a assembleia nacional para o mês de agosto, rompem o silêncio e aceitam falar sobre o comissariamento.
E não é por acaso que a primeira a falar tenha sido justamente a presidente Pat Farrell, número dois da Congregação das Irmãs Franciscanas de Dubuque, em Iowa: durante uma entrevista à National Public Radio (NPR), em um dos programas mais ouvidos.
Embora reiterando o que já foi respondido oficialmente pela associação às acusações feitas pelo Vaticano – "infundadas" e "potencialmente destrutivas para a continuidade da sua missão" –, a sua reflexão foi mais longe: "Eu acho que há questões hoje ignoradas pela Igreja, mas sobre as quais é necessário um autêntico diálogo, mas não parece haver um clima favorável neste momento".
Para a Ir. Farrell, há uma questão fundamental: é possível fazer parte da Igreja, mas com uma mentalidade de diálogo e discussão? Porque – diz ela – "às vezes não há uma diferença tão clara 'branco no preto', mas as situações são muito mais complexa para destrincar e mudam rapidamente diante dos nossos olhos".
"A nossa esperança é a de contribuir para criar um clima de sinceridade e de respeito em que a hierarquia e o restante do povo de Deus possam levantar questões, discuti-las em um clima de sinceridade e respeito recíproco, com o objetivo de buscar juntos a verdade e as soluções. Mas o mandato que alguns bispos norte-americanos receberam da Congregação vaticana vai em uma direção totalmente diferente e deixa até presumir um fechamento do diálogo".
Uma das questões sobre a mesa, sobre a qual o machado de Levada se abateu, é a doutrina acerca da sexualidade, mas também aqui a Ir. Farrell não se deixa ser posta de lado por quem a rejeita, ao contrário. "O problema é que o ensinamento e a interpretação da doutrina não podem permanecer estáticos, enquanto o mundo caminha: é preciso uma reformulação continua, a partir de alguns princípios básicos. Como religiosas, estamos cotidianamente em contato com as mulheres que também vivem às margens da sociedade, e as suas vidas são muito mais complicadas do que se possa imaginar. A nossa missão é a de nos colocarmos ao lado dos mais pobres, mas as suas questões, assim como todas as realidades humanas, são muito menos 'branco no preto' do que certas teorias. A hierarquia não tem a tarefa de passar os seus dias entre os sem-teto, mas as religiosas, sim".

Mas o discurso não podia não abordar a sua posição com relação à luta contra o aborto, julgada por Roma como "muito branda": "Eu acho que todas as religiosas sempre expressaram o seu apoio ao tema da vida; ou, melhor, toda a nossa existência é pró-vida, mas vida totalmente inteira. A nossa esperança é que também seja assim em nível de intervenção política, enquanto parece haver uma questão 'pró-feto', ao invés de 'pró-vida' global. Porque os direitos do nascituro já são um emblema dos direitos dos 'já nascidos'. Sustentar a vida, toda a vida, significa se ocupar também daqueles que estão à margem da sociedade: os desprezados, os doentes mentais crônicos, os idosos, os presos, aqueles que estão nos braços da morte. Nós levantamos a voz contra a pena de morte, a guerra, por quem sofre de fome também aqui. A Igreja fala em favor do feto, mas se cala sobre outras questões igualmente vitais, e isso é uma distorção".

É preciso notar que, depois de todas as manifestações espontâneas de apoio às irmãs, até das mais formais, como a plena adesão de todos os superiores das sete províncias dos Frades Menores dos EUA, as irmãs também receberam o apoio total em inúmeros comunicados oficiais da Ordem Agostiniana, dos Missionários do Preciosíssimo Sangue, da Congregação dos Xaverianos e de toda a Conferência dos Superiores Maiores, a contraparte masculina da LWCR.

Fonte: Ihu

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