Antes de mais, sou contra a legalização da prostituição porque sou contra a legalização da escravatura. A verdade é que, ao contrário do que alguns dizem, a prostituição não é uma escolha e muito menos a mais antiga profissão, é quando muito a mais antiga forma de exploração.
A relação de prostituição raramente se dá a dois; intervém
na maioria dos casos, e interviria se esta fosse legal, uma terceira parte: o
organizador e explorador da prostituição, o recrutador, o chulo e o proxeneta,
o proprietário das casas, salões e quartos e toda a rede exploradora e
esclavagista em que estes se inserem.
Acreditará alguém que a prostituta é uma menina rica que
opta por vender o seu corpo? Não, salvo meia dúzia, a prostituta provém de
bairros degradados, de casas sobrepovoadas, de famílias numerosas e pais
alcoólicos, resulta da degradação económica e da segregação social. Sofreram
maus tratos, fome abandonos e abusos, não foram queridas nem amadas.
A maioria das mulheres procura escapar à violência, à
pobreza e à falta de oportunidades, mas uma vez sob o controle do chulo e do
traficante de mulheres é mantida na prostituição por violência e coacção. A
sujeição a inúmeros actos sexuais indesejados resulta em traumas físicos e
psíquicos, a prostituta recorre a drogas e álcool para suportar as múltiplas
invasões dos seus corpos, e assim enreda-se cada vez mais nas malhas do crime
organizado.
Aos falsos modernistas que clamam o direito à escolha,
lembro as emigrantes ilegais, colombianas, brasileiras, da ex-URSS e demais
mulheres traficadas, pois é essa a palavra e não outra, lançadas nas mãos de
chulos e proxenetas. Que escolha fizeram elas? Que escolha fizeram as crianças
de 14 ou 15 anos que deambulam pelo Choupalinho à espera de cinco contos e uma
hora de tormento que nem álcool nem drogas farão esquecer? Que escolha fez a
toxicodependente que no Casal Ventoso vende o corpo por uma dose? Que escolha
fizeram estas mulheres? Se se trata de uma escolha, por que estranho motivo a
esmagadora maioria das mulheres que tem outra possibilidade não opta pela
prostituição? Por um motivo simples, não precisam de a tal se submeter porque tiveram
a hipótese de escolher; entretanto, à esmagadora maioria das prostitutas
nenhuma opção foi dada, nenhuma escolha puderam fazer.
Falemos de legalização propriamente dita. Convém antes de
mais lembrar que o exercício da prostituição não está criminalizado, a
prostituta não está sujeita a qualquer tipo de pena por se prostituir. Quem
está sujeito a perseguição criminal são os proxenetas, os que traficam as
mulheres, que integram as redes de organizações criminosas, os que traficam a
droga nas redes de prostituição, que branqueiam capitais, no fundo, aqueles que
realmente beneficiariam desta suposta legalização. É assim pura demagogia falar
de legalização da prostituição, o que se trata é de legalização do proxenetismo
e da exploração sexual de mulheres. Ainda assim, por conveniência para o
debate, continuarei a referir-me à questão como legalização da prostituição.
Muitos hipócritas argumentam a favor da legalização
baseando-se na distinção entre prostituição livre e forçada, insinuando que
existe escolha e que a forçada seria erradicada com a legalização. Tendo em
conta a extrema exploração e opressão no mundo da prostituição, esta distinção
serve na melhor das hipóteses para alimentar interessantes debates académicos
como este. É uma distinção que nenhum significado tem para as mulheres sob o
controle de chulos e traficantes. A industria sexual não distingue entre livre
e forçado, o cliente também não e o proxeneta muito menos.
Aos que dizem que a legalização da prostituição contribuiria
para a saúde pública, pois exigiria às prostitutas controlo médico diminuindo
assim a propagação de doenças sexualmente transmissíveis, lembro que o sexo se
faz a dois, pelo que existem dois veículos de propagação de doenças. Os
clientes, os que as obrigam ao sexo inseguro para satisfação dos seus prazeres,
esses não serão sujeitos a rastreio, pelo que também o argumento da saúde é
falso. Claro que, supostamente, a prostituta pode recusar o sexo inseguro, mas
se só encontrar clientes que recusem usar o preservativo, necessitando de
dinheiro não irá ceder?
A legalização da prostituição, que é na verdade a
legalização do chulo, abusador e explorador, significa que o estado impõe
regulamentações que permitem que as mulheres possam ser prostituídas. Ou seja,
que sob certas condições é permitido explorar e abusar de mulheres. Assim, a
legalização não legitima socialmente a prostituta mas sim o proxeneta, não
legitima a prostituição mas sim o abuso, a opressão, a exploração.
A legalização não acaba com a violência e a exploração,
apenas legitima criminosos e membros de organizações criminosas como homens de
negócios, trabalhando lado a lado com o Estado na venda de corpos de mulheres,
cujos corpos devem pertencer apenas a elas próprias e não ser negociados ou
vendidos. Na verdade, com a legalização também o Estado passará a lucrar com a
exploração destas mulheres, cobrando impostos e afins; o Estado passará a
trabalhar em parceria com aqueles que devia combater.
A quem brada que em democracia cada um tem o direito de fazer
o que quer com o seu corpo, respondo que transformar a mulher numa mercadoria
comercializável não é mais que uma subversão da democracia. Na verdade, duvido
que uma mulher alguma vez tenha menos direito sobre o seu corpo do que quando
se prostitui.
Analise-se um caso pratico, a Holanda. Aqui a prostituição
foi legalizada numa tentativa de melhorar as condições de vida das prostitutas
e combater o tráfico de mulheres e o proxenetismo. Todavia, os resultados põem
em evidência as contradições na génese desta solução. Na Holanda, como na maior
parte dos países, a maioria das prostitutas (60% no caso da Holanda) são
emigrantes ilegais. Porque seriam presas e deportadas, estas não podem
regulamentar a sua actividade, continuando prostitutas mas agora numa situação
realmente de ilegalidade. Assim, o resultado da legalização foi a divisão do
mundo da prostituição em dois, a prostituição legal e a ilegal. Todas aquelas
prostitutas que não podem exercer a sua actividade de forma legal, nomeadamente
as prostitutas ilegais, continuam obviamente a prostituir-se (ou, mais
correctamente, a ser prostituídas) mas agora em condições muito mais
degradantes do que anteriormente: precisam de se esconder, de se submeter aos
tratos mais violentos e forçados, de se submeter ao sexo inseguro uma vez que
os clientes dispostos a usar preservativo preferem as prostitutas legais.
Devido à situação ainda mais precária em que se encontram disparou o consumo de
álcool e drogas entre estas prostitutas agora ilegais e de forma alguma o tráfico
de mulheres diminuiu. As apregoadas maravilhas da legalização da prostituição
só são observáveis nas prostitutas dos centros turísticos de Amsterdão e
Roterdão; basta uma volta pelos subúrbios para ver a decadência, degradação,
miséria e toxicodependência em que a maioria das prostitutas foi lançada por
esta discriminação encapotada de modernismo.
Além das emigrantes ilegais outros exemplos podem ser
citados que não são abrangidos pela legalização e são por esta obrigados a uma
vida ainda pior. Por exemplo, as prostitutas que hoje já estão doentes:
deixarão de se prostituir ou passarão a fazê-lo numa situação mais precária,
escondida, mais propensa a maus tratos, violência, abuso e opressão? E a
prostituição infantil e juvenil? Não acredito que alguém possa defender a sua
legalização; entretanto o que importa aqui concluir é se estas crianças
deixarão de se prostituir ou passarão a fazê-lo mais escondidas, submetendo-se
a maior violência e maus tratos. O que daqui se retira é que a legalização beneficia
apenas uma minoria e coloca a maioria numa situação ainda pior. A legalização
não acaba com o abuso, torna-o legal, legítimo e agravado. A legalização não
serve as prostitutas, apenas os chulos, os traficantes, a lavagem de dinheiro e
o crime organizado.
Estão desmontados os falsos argumentos pró-legalização, está
desvendada a mentira e a hipocrisia. O importante não é legalizar a
prostituição, cobardemente esquecendo as suas causas e o mundo em que esta se
insere.
Essa é a solução fácil, é a solução de quem com hipócrita
misericórdia prefere tolerar a prostituta a atacar os factores que a criam, a
solução de quem prefere olhar para o lado, a solução do cobarde e do mentiroso.
Importante sim é atacar as causas sociais que propiciam a
prostituição, importante sim é atacar a pobreza, a fome, o analfabetismo, a
toxicodependência, a violência familiar; importante sim é atacar quem beneficia
da prostituição: os chulos, os proxenetas, os traficantes e o crime organizado.
Esta é a solução difícil mas a única que aceito, a solução
de quem olha os problemas de frente e não se contenta com resolver o
superficial, a solução de quem sem demagogias se preocupa realmente com a
situação destas mulheres.
“Não somos
conservadores, moralistas ou retrógrados. Não é em nome da moral que somos
contra a legalização da prostituição, mas sim em nome do combate à opressão
sexual, à exploração da mulher, ao crime organizado e à violência contra as
mulheres. Não há modernidade em propostas que conduziriam à legalização do proxenetismo,
do tráfico de mulheres e do crime organizado.
Comete-se uma ofensa,
contra todas as mulheres usadas e abusadas, quando se diz que exercem a sua
autonomia individual na escolha da sua vida.
Porque não existe
autonomia ou escolha sem liberdade.
E não são mulheres
livres as que se vendem.” (Santos, 2000)
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