Chester, um dos monstros sagrados da HQ moderna, acabou por tornar-se um defensor público da
legalidade da prostituição. Embora defenda a legalização da prostituição,
porém, é contra a regulamentação da profissão, por considerar que o Estado deve
ficar fora da cama dos cidadãos – qualquer que seja a relação estabelecida
entre as partes.
Estes são alguns dos curiosos argumentos que Chester Brown propõe ao
leitor, construídos a partir de pesquisa e leituras, mas principalmente a
partir da sua própria experiência no mundo do sexo pago:
1) Você é dono do seu corpo. Dizer “Quero transar com você
porque você vai me dar dinheiro” é tão moral quanto dizer “Quero transar com
você porque eu o amo”. E isso tanto para homens quanto para mulheres.
2) Os clientes não compram as prostitutas. Quando alguém
compra um livro, leva-o para casa e faz o que quiser com ele, por quanto tempo
quiser. Com uma prostituta, você paga para transar durante um tempo
determinado, limitado por aquilo que é combinado, e depois se separa dela.
Nenhum cliente faz o que quiser com uma prostituta – nem é dono dela.
3) A violência, minoritária, é tão presente no sexo pago
como no sexo não pago. Existem clientes cretinos na mesma proporção que existem
maridos e namorados cretinos, que ignoram os pedidos e os limites estabelecidos
pelas mulheres. Assim como há aqueles que extrapolam e as espancam. Para
reprimir esse comportamento, há leis. Mas, se concluirmos que devemos
criminalizar ou condenar o sexo pago porque alguns homens são cretinos e outros
são violentos, então é preciso criminalizar ou condenar também o casamento e o
sexo não pago. Da mesma forma, com relação ao tipo de trabalho, qualquer um
acharia descabido terminar com a profissão de taxista porque alguns são
assaltados, feridos e até mortos por assaltantes travestidos de clientes.
4) Não são apenas as prostitutas que muitas vezes transam
sem desejo. Muitas pessoas, em relacionamentos amorosos, também transam sem
vontade. A frase “Não quero transar com esse cara, mas vou transar porque
preciso de dinheiro” é tão moral quanto “Não quero transar agora, mas vou
transar porque ele é meu namorado e eu o amo” ou “Não sinto mais desejo pelo
meu marido, mas vou transar pelo bem do nosso casamento”.
5) A prostituição não destrói a dignidade das prostitutas. A
vergonha que algumas prostitutas sentem por conta da profissão é provocada pela
interiorização do preconceito enfrentado na sociedade – e não pela venda do
sexo em si. Assim como no passado (e ainda hoje, em alguns casos) os
homossexuais sentiam vergonha, depressão, culpa e repulsa por sua orientação
sexual. Isso não significava que ser gay era errado – e sim que muitos
homossexuais interiorizavam os valores da cultura em que viviam, assumindo o
preconceito da sociedade como vergonha e como culpa.
6) A diferença com que a sociedade trata a prostituição
masculina mostra que o preconceito, como sempre, é com relação à autonomia das
mulheres. Em geral, os adversários da prostituição feminina ignoram a
masculina. A razão é que os argumentos usados para condenar a prostituição
feminina soariam ridículos se aplicados à masculina. Nossa cultura acredita que
os homens controlam a própria sexualidade. E, se um homem se coloca em uma
situação potencialmente arriscada, a sociedade compreende como um comportamento
inerente à natureza masculina. Já, com relação às mulheres, não. Elas são
sempre vítimas e há sempre alguém, mesmo que outras mulheres, aptas a
determinarem o que é melhor para elas.
7) A prostituição é uma escolha. Setores contrários à
prostituição afirmam que não há escolha real se a mulher tem de eleger entre
ganhar um salário baixo em um emprego pouco valorizado ou se prostituir, assim
como não haveria escolha se a mulher se prostitui supostamente porque foi
abusada na infância, caso de parte das prostitutas (como de parte das
mulheres). Mas uma escolha é uma escolha, ainda que seja uma escolha difícil.
Dizer que adultos não teriam o direito de escolha porque tiveram uma infância
difícil é um terreno perigoso. Estas mulheres que não poderiam escolher pelo
sexo pago não estariam, então, aptas a fazer qualquer escolha sexual, mesmo
amorosa, por causa do seu passado. Da mesma forma que a realidade impõe
escolhas difíceis para ganhar a vida o tempo todo, tanto para homens como para
mulheres. E do mesmo modo como há quem gosta do que faz e há quem não gosta em
qualquer profissão. Todas as pessoas – e não só as prostitutas – são fruto de
suas circunstâncias e do sentido que conseguiram dar ao vivido. Alguém tem o
direito de determinar quais adultos estão aptos e quais não estão aptos a fazer
escolhas sobre a sua própria vida, ainda que sejam escolhas que não agradem aos
outros?
Fonte: Eliane Brum em Revista Época
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