Em 2013, campanha da ONU usou
pesquisas no Google para revelar a prevalência generalizada de machismo contra
as mulheres
Como é possível, com tantos
indícios disponíveis na internet, que se duvide da existência de preconceito?
Como será que andam sendo as
conversas de quem, mesmo habitando a internet, ainda brada que "não existe
machismo (ou racismo, ou homofobia, ou...)"? Perguntar não ofende, e ao
final deste fevereiro de dois mil e dezesseis, com tantas evidências destes
fenômenos nas redes sociais, francamente, parece impossível continuar fingindo
que machismo [ou...] não existe.
Há uma década, na primeira
infância da internet, não sabíamos qual seria o impacto da proliferação de
vozes dissidentes que, nela, viram uma oportunidade de potencializar suas
militâncias. Não é apenas na internet que se dá a resistência, mas foi ali que
o volume de suas vozes foi amplificado, o que tornou mais fácil a obtenção de
informações produzidas por movimentos sociais.
Lembremos que há bem pouco tempo
as vozes que propagavam este tipo de conhecimento eram quase que completamente
silenciadas por filtros midiáticos, que mantinham o domínio do debate público
acerca do que era certo ou justo nas mãos de poucos homens brancos.
Sendo assim, até muito
recentemente, para saber o que diziam os proponentes de mudanças na sociedade,
era preciso ou estar na presença física da militância, ou ter o capital
econômico, social e cultural para adquirir literatura a respeito.
Por anos, e por pura falta de
acesso a dispositivos comunicativos de alcance de massa, as vozes da
dissidência falavam muito mais consigo mesmas, nas ruas ou nos meios
acadêmicos, do que com o público em geral.
E enquanto o status quo, através
do poder de abrangência de seus instrumentos de mídia, afirmava que estava tudo
bem, era razoavelmente compreensível que se desconfiasse que machismo [ou...]
fosse invenção de gente vitimista. Nunca foi, e se hoje isso é óbvio, é porque
as vítimas do preconceito, que sempre foram perfeitamente capazes de oferecer
críticas ao sistema de forma muito bem articulada, não mais penam com a
escassez de espaços para divulga-las além dos círculos militantes.
Já é consenso que foi o advento
das redes sociais (em sua maioria também de propriedade de homens brancos, que
fique o registro) que permitiu que cada cidadã se transformasse em seu próprio
veículo de comunicação. Todos os dias, horas, minutos e segundos milhares de
vozes se fazem ouvidas nos Facebooks e Twitters da vida.
A resistência está angariando
massa crítica como nunca antes visto, e a quantidade de denúncias à opressão
cresceu de forma exponencial: é só prestar atenção em campanhas como
#primeiroassédio e #blacklivesmatter. Por isso retorno à pergunta inicial do
texto: como é possível, com tantos indícios disponíveis na internet, que se
duvide da existência de preconceito?
Judith Lorber, uma das teóricas
fundamentais da formação dos estudos de gênero, relata manter um arquivo de
clipagens de revistas e jornais, coletados no espaço de 25 anos, com artigos
que dizem as mesmas coisas: poucas mulheres em posições de liderança nas
grandes corporações, desigualdade representativa nos governos, sobrecarga de
trabalho doméstico para as casadas e/ou com filhos, impedimentos na
descriminalização do aborto, e outras tantas.
Este arquivo ela chama de Plus ça
change, em referência à epigrama de Jean-Baptiste Alphonse Karr, “Plus ça
change, plus c'est la même chose” (em tradução livre “Quanto mais as coisas
mudam, mais elas continuam as mesmas).
E se a internet pode ser
celebrada, por uns, por ser palco para multiplicação das vozes dos movimentos
sociais, precisamos manter em mente que, para outros, é interessante que tudo
continue igual.
Assim, a internet não é,
necessariamente, um espaço seguro: ainda há muita violência online, real ou
simbólica, especialmente contra as mulheres. A internet tampouco está isenta de
filtros que silenciam a dissidência: ativistas de diversas causas vêm tendo
seus perfis bloqueados pelo Facebook, por causa de trolls e haters que
orquestram denúncias falsas para, literalmente, impossibilitar falas incômodas.
Como ativistas de internet, estamos
crescendo em número – e como feministas, na #sororidade online viemos
colaborando e ajudando umas às outras como nunca. Mas o jogo está longe de
virar, pois ainda há muito #patriarcado, racismo e preconceito sistêmico para
desconstruirmos.
E para sairmos do impasse de que
Lorber corretamente reclamou, talvez a saída seja lembrar que a intenção não é
que o jogo vire, pois não é de um jogo que isso se trata, mas sim das nossas
vidas. Machismo [ou...] existe, e não é silenciando ativistas de internet que o
trem da exposição do preconceito vai parar. Ao menos este “jogo” a internet
“virou”.
Fonte: Carta Capital
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