Um desafio não aceito e uma nova
proposta: mostrar a realidade da maternidade, sem hipocrisia. Bastaram estes
dois ingredientes para Juliana Reis virar assunto na internet e fora dela. A
carioca, de 25 anos, recusou participar do “Desafio da Maternidade”, espécie de
corrente do Facebook que convidava mães a postarem três fotos que
representassem a alegria da maternidade. Em vez disso, Juliana, mãe de Vicente,
que ainda não tem dois meses, sugeriu um novo desafio, onde o desconforto, o
medo e as experiências ruins fossem o foco dos registros compartilhados.
A coragem e o desabafo de
Juliana, que disse que ama o filho, mas detesta ser mãe, gerou uma avalanche de
insultos e julgamentos. Sua página chegou a ser bloqueada na rede social.
Porém, muitas outras mães apoiaram a carioca e ajudaram a evidenciar a pressão
que a sociedade exerce sobre mulheres que não se sentem tão satisfeitas com a
maternidade.
Autora da comunidade Mãe Solo,
onde posta tirinhas que representam a maternidade sem idealizações, a designer
Thaiz Leão revela que recebe muitas críticas. “Até as críticas eu tento
retratar no meu trabalho, afinal elas são as ferramentas fundamentais da
repressão.” A ilustradora defende que a maternidade seja discutida de forma
amplificada, “não para destruir a entidade da mãe, mas para reconstruir as
relações que a sociedade cria com a mulher, seu corpo e sua escolhas”.
Ser mãe não é auto-magicamente se
tornar um ser de luz, iluminado, compreensivo, completo, pleno... não não não,
sai dessa.
Depois que eu pari percebi uma
coisa: a gente continua existindo. Para o meu total e completo espanto eu ainda
era eu. Mesmo tendo biológica e psicologicamente virado mãe, eu continuava bem
ali, o que na verdade acontecia é que essa coisa de ser mã... Ver mais
Outra mãe que nadou contra a
corrente no desafio da maternidade foi Natália Pinheiro, de 25 anos. Apesar de
ter participado da brincadeira, e ter postado três lindas fotos com o filho, a
paulista desabafou sobre como não ama
ser mãe. “Eu amo o Yuri. Amo com um amor que torna algumas privações mais
suportáveis, algumas dores mais velozes, algumas lágrimas menos solitárias. Eu
amo o Yuri, mas eu não amo ser mãe”, escreveu a estudante.
O desafio propõe que postemos três fotos que mostrem o
quanto a maternidade nos faz feliz.
Participo do desafio, mas não endosso sua premissa. A
maternidade não me faz feliz, o Yuri me faz feliz. Eu não amo ser mãe. Colocar
meus planos em pausa, não dormir direito, ser cobrada sempre e sempre me sentir
errada, morar sozinha com um...
Carol* encontrou na internet um
espaço de desabafo para suas angústias maternas. No blog Odeio ser Mãe, ela
reúne textos e depoimentos de mães que sofrem muito com essa condição. Para
ela, o exercício da maternidade exige uma dedicação que é desgastante, a ponto
de declarar que se arrependeu de ter tido um filho. A funcionária pública,
formada em História, diz que não deixa de oferecer o carinho e boas condições
para o desenvolvimento saudável de Caio*, de 12 anos, mas não esconde o remorso
de ter que abrir mão de seus anseios pessoais por conta dele: "Muita gente
não entende como posso criar meu filho bem, botar fotos felizes no Facebook e
me arrepender de tê-lo tido. Mas digo que é possível, sim. Acho que minha vida
teria tomado um rumo bem melhor sem ele. Eu teria crescido mais, como pessoa,
como profissional, como mulher".
Ela culpa o despreparo e o
preconceito social por isso. "Se arranjo um namorado novo, logo sou
condenada. Se quero ter uma noite de folga e me divertir, ir à uma festa, sou
tratada como uma mãe desnaturada. Se estou cansada, sou reprimida ("Pariu,
então se vire! Na hora de fazer foi bom, né?"). Meus pais me ajudam demais
na criação do Caio (o pai mora em outro estado, nunca ajudou) e meu pai
inclusive me mima muito. Não tenho do que reclamar nesse ponto. Mas a sociedade
em geral me trata apenas como 'mãe'. Tudo é mais difícil. É mais difícil
arranjar emprego, arranjar namorado, organizar a vida. Aliás, hoje mesmo um
desconhecido no twitter ficou me mandando ofensas porque "eu não deveria
ter tempo para ter conta no twitter", como se eu não pudesse ter vida além
da maternidade", conta ela.
Em seu texto "Amo meus
filhos, mas odeio ser mãe", publicado no site Cientista que virou mãe, Ana
Rossato defende que não há espaço para mulheres e seus filhos na sociedade.
Como se a elas fosse reservado o espaço particular de suas residências e não o
trabalho, a faculdade, a rua.
Não é que eu não goste dos meus
filhos. Eu não gosto de que, por ter filhos, eu precise ter meu acesso à
educação comprometido por conta de instituições que não pensam em um espaço que
acolha mulheres e crianças.
Amo meus filhos. Mas não gosto de
ser barrada em entrevistas de emprego na hora em que respondo se tenho ou
pretendo ter crianças.
Adoro meus filhos. Mas detesto
esse olhar crítico que recebo quando estou em um restaurante, ou em uma loja,
ou mesmo em uma exposição de arte, afinal eu deveria estar em casa, porque
criança pequena “atrapalha”.
Eu adoro ver meus pequenos
dormirem. Mas realmente odeio a carga de trabalho que eu e meu companheiro
precisamos ter para vivermos minimamente bem.
Adoro nosso tempo em família. Mas
detesto a péssima mobilidade urbana que não pensa nas crianças, sendo
impossível sair de carrinho em muitas e muitas cidades, ou mesmo pegar um
ônibus com segurança e, com isso, impede mulheres e crianças de ocuparem os
espaços públicos.
A cientista social mãe de três
crianças explica que o papel idealizado e socialmente aceito de mãe implica em
uma anulação da personalidade própria que muitas mulheres simplesmente não
aceitam. "É sintomático perceber
que todos os papéis que a mulher assume têm as mesmas características: a mãe
boa é aquela que interrompe por completo a sua vida para acolher as
necessidades dos filhos; a esposa ideal é aquela que serve de apoio e base para
as conquistas do seu marido; a funcionária ideal é aquela que não se importa em
fazer do seu trabalho a sua segunda casa. Todo papel que a mulher cumpre tem
como fundo a negação de si em prol do outro. É doentio reduzir um ser humano
inteiro e complexo a uma função, por mais especial que ela seja", afirma.
De acordo com a psicóloga Maria
Cecília Mattos, responsável pelo blog Maternidade no Divã, a ideia que aparece
no imaginário coletivo, de que o amor materno é simples e livre de conflitos,
não é verdadeira. “O amor materno é ambivalente, ambíguo e complexo, e a
maternidade pode despertar na mulher muitas emoções.” A especialista em
psicologia perinatal e obstétrica afirma que apesar do lado negativo da
maternidade ainda ser um tabu, cada vez mais surgem mulheres com coragem de
expressar seus sentimentos e desconstruir a imagem idealizada que a sociedade
tem das mães. “No entanto, se por um lado essa exposição une muitas mães, que
já não se sentem tão sozinhas com seus sentimentos negativos, por outro pode
chocar muita gente que ainda acredita que a maternidade é uma experiência
exclusivamente encantadora e prazerosa”, argumenta.
Fonte: http://www.ebc.com.br/
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