Uma catarinense filha de uma
escrava liberta começa aos poucos a ser “redescoberta” nacionalmente como ícone
do movimento de mulheres negras. Antonieta de Barros foi a primeira parlamentar
negra brasileira, eleita em 1934.
por Fernanda da Escóssia no BBC
Educadora, jornalista e política,
Antonieta junta em sua trajetória, na primeira metade do século 20, três
bandeiras caras ao Brasil do século 21: educação para todos, valorização da
cultura negra e emancipação feminina.
A história de Antonieta inspira
movimentos negros e de mulheres em Santa Catarina, onde nasceu, mas aos poucos
chega a outros cantos do país.
O documentário Antonieta, da
cineasta paulista Flávia Person, lançado no fim de 2015 em Florianópolis, tem
previstas várias exibições em março, quando se comemora o mês da mulher. E leva
o nome de Antonieta de Barros o prêmio nacional para jovens comunicadores
negros criado pela Secretaria da Igualdade Racial do governo federal.
Nascida em 11 de julho de 1901,
Antonieta foi a primeira mulher a integrar a Assembleia Legislativa de Santa
Catarina e é reconhecida como a primeira negra brasileira a assumir um mandato
popular.
Sua mãe, escrava liberta,
trabalhou como doméstica na casa do político Vidal Ramos, pai de Nereu Ramos,
que viria a ser vice-presidente do Senado e chegou a assumir por dois meses a
Presidência da República.
Leonor e Antonieta (de pé, ao centro) estudaram graças aos
esforços da mãe, ex-escrava
Por intermédio dos Ramos,
Antonieta entrou na política e foi eleita para a Assembleia catarinense em
1934, dois anos depois de o voto feminino ser permitido no país – acontecimento
que acaba de completar 84 anos.
Antes da política, a educação foi
sua grande bandeira.
Graças ao esforço da mãe, ela e a
irmã, Leonor, concluíram o que então era conhecido como “curso normal”, que
formava professoras.
Antonieta se formou em 1921 e, no
ano seguinte, fundou o Curso Particular Antonieta de Barros, voltado para
alfabetização da população carente e dirigido por ela até sua morte, em 1952.
Ela foi professora de Português e
Literatura, e diretora do atual Instituto de Educação.
Criou, ainda, o jornal A Semana e
dirigiu o periódico Vida Ilhoa, em Florianópolis. Também assinava crônicas com
o nome de Maria da Ilha.
Nunca se casou.
Referência
“Quando vim morar em Florianópolis,
tinha uma imagem do Sul como uma região branca, que valorizava as influências
italiana, alemã e açoriana. Mas descobri essa mulher negra incrível e quis
contar a história dela”, diz a cineasta Flávia Person.
Ela foi aos poucos descobrindo
quem era a mulher cujo nome aparecia em vários pontos da capital catarinense,
de um túnel a uma escola estadual.
Antonieta, o filme, foi
selecionado num edital do governo catarinense e ganhou um financiamento de R$
60 mil.
É todo feito com imagens que
Flávia localizou em acervos variados, como os da Casa da Memória de
Florianópolis e do Museu da Escola Catarinense, além do baú de fotos da
família, cedidas pelo sobrinho-neto de Antonieta, Diógenes de Oliveira.
O documentário conta a vida de
Antonieta e algumas de suas batalhas. Numa delas, na Assembleia catarinense, um
opositor acusou-a de estar fazendo “intriga de senzala” – ela respondeu
assumindo sua condição de mulher e educadora negra.
Hoje o auditório da Assembleia
leva seu nome, bem como uma comenda oferecida pela Câmara Municipal de
Florianópolis.
A escola Antonieta de Barros está
fechada desde 2007, segundo a Secretaria de Educação estadual, devido a
problemas estruturais – o prédio é tombado pelo patrimônio histórico.
Segundo a pasta, há um projeto de
restauração para transformá-lo em um espaço com biblioteca, local para
exposições e salas de aula.
“No Sul do Brasil, negros sempre tiveram
situação de invisibilidade histórica, e personagens como Antonieta ajudam a
reduzir essa invisibilidade”, afirma Alexandra Alencar, doutora em Antropologia
pela Universidade Federal de Santa Catarina e criadora do projeto “Outras
Antonietas”, voltado para professoras negras.
A iniciativa, financiada graças a
um edital da Fundação Palmares, órgão do governo federal, pesquisa experiências
de professoras negras no estado, reúne trabalhos acadêmicos e debate a condição
da mulher negra na educação.
“Professoras negras relatam
vivências muito variadas. Muitas se sentem uma ilha dentro de sua escola.
Outras contam que qualquer assunto entendido como ‘coisa de negro’ é
encaminhado a elas, como se a história negra fosse um interesse pessoal delas,
e não um tema que deveria ser tratado pela escola como um todo”, relata.
Fora de Santa Catarina, outros
projetos e coletivos voltados para a cultura negra, como o Afreaka, de São
Paulo, valorizam a figura de Antonieta de Barros.
“Antonieta foi protagonista em
uma época em que as mulheres, ainda mais as mulheres negras, eram relegadas à
total submissão e desempenhavam papel coadjuvante na sociedade”, afirma Gisele
Falcari, professora de Literatura numa escola técnica de São Paulo e
colaboradora do Afreaka.
Na avaliação dela, Antonieta
rompeu os estereótipos ligados ao gênero, à etnia e à classe social, mas ainda
não tem, assim como outras mulheres negras, o reconhecimento merecido – embora
a professora admita que isso está mudando.
Reconhecimento
Desse esforço de resgate do nome
de Antonieta de Barros faz parte o prêmio criado pela Secretaria da Igualdade
Social e batizado em homenagem a ela, voltado para jovens comunicadores negros
e negras.
O edital foi lançado no ano
passado, mas, por problemas técnicos, acabou cancelado e será relançado este
ano.
A secretaria federal afirma que
Antonieta, além de ter sido a primeira mulher negra a assumir um mandado
popular, teve ações de comunicação, educação e política importantes.
Há um texto sobre ela no livro
Literatura e Afrodescendência no Brasil: Antologia Crítica, financiado pelo
órgão.
Antonieta de Barros com grupo de
alunas; para ela, educação veio antes da política
Ao ver essas iniciativas
Valdeonira Silva dos Anjos, de 80 anos, diz que se sente em um processo de
reencontro com uma velha conhecida.
Professora negra aposentada,
Valdeonira estudou na escola dirigida por Antonieta de Barros e graduou-se em
História. Também foi uma das fundadoras do grupo que deu origem à Amab
(Associação de Mulheres Negras Antonieta de Barros).
“Antonieta é um exemplo. Como
mulher negra, foi pioneira em várias áreas e nunca se omitiu”, lembra.
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