Ana de Miguel, filosofa e
feminista espanhola, apresentou em Madri seu novo livro: Neoliberalismo sexual.
Conversamos sobre o “retorno do rosa e do azul”, o amor romântico e a
prostituição, entre outros temas polêmicos.
Ana, coloca em teu livro que
vivemos em sociedades formalmente igualitárias, porém onde persiste uma
profunda desigualdade de gênero. Que significa o “retorno do rosa e do azul”
nas sociedades patriarcais atuais?
No que tenho estudado e vivido
pessoalmente, toda geração acredita que já existe “igualdade” entre homens e
mulheres. Então, o que hoje passa para as novas gerações é que não percebem a
desigualdade. Porque? Porque como disse Kate Millet, o patriarcado é um sistema
socializador dos mais perfeitos. Porém, nunca havíamos vivido na sociedade em
que as meninas e meninos foram tão informados, desde de que tem meses de idade
ou um ano, que as meninas se vestem de uma maneira e os meninos de outro. Que
as meninas levam os patins rosas e os meninos os patins azuis, que a bicicleta
das meninas levam princesas Disney, o estojo para lápis, a borracha, o
apontador.... Temos chegado a que nem o apontador é neutro a respeito do
gênero. Outro tema que menciono no livro é o tema dos pedintes. É algo que não
tem mais significado que tratar de marcar, o mais profundamente que se possa, a
diferença de gêneros para sempre. É o rito com que se diz: “vou a converter
esta pessoa em uma menina”. E se mantém que ele não está fazendo. Este
autêntico batismo de gênero é realizado nos jovens transgressores. Não furam as
orelhas de seu filho porque como ousam a fazer isso? Porém, se é uma menina,
com toda naturalidade vão furar suas orelhas.
Nunca havíamos tido uma
socialização de gênero tão estreita desde tão pronta. Porém uma vez que tudo
isso está socializado, a sociedade te disse: “agora elege”. Isto nos revela o
funcionamento do patriarcado do consentimento. A diferença das sociedades do
patriarcado duro, em que te dizem que não pode eleger nada aqui a mensagem que
nos mandam é que “tu eleges”, pelo que tem que formar por dentro de uma maneira
muito mais forte.
O neoliberalismo sexual, o mito
da livre eleição analisa as fortes marcas do patriarcado na adolescência. As
diferentes formas de pensar e sentir as relações pessoais e o amor entre os
homens jovens e as meninas. Que mensagens recebem as jovens para consolidar as
relações patriarcais?
A verdade é que até a
adolescência, mesmo com o tema de levar o apelido de padre, mesmo com o feito
de que suas cuidadoras sempre tem sido mulheres, mesmo com tudo isso, as
meninas e os meninos, tem uma percepção de que poderiam mudar de papel. Sem
embargo, na adolescência a mensagem [patriarcal] vá ser muito mais duro, porque
vai centrar o uso do corpo.
A adolescência é o momento em que
a sociedade vai mandar as meninas, muito mais que os meninos, a mensagem de que
são corpos. Que o fundamental em sua identidade é estar “bem”, a “lei do
agrado” como disse Amelia Valcarcel. As meninas recebem todas as mensagens dos
meios de comunicação e de suas próprias amigas: não estar gorda, ir bem
vestida, fazer um máster de beleza e moda, saber como estar sexy, preocupasse
por suas espinhas, estrias, começa a se depilar com 13 anos... A grande
socialização na adolescência é dizer as meninas: “você é um corpo”. E para que
quer ser um corpo? Um, para ganhar dinheiro; dois, para encontrar o amor.
Dedica um capítulo do livro a
questão do amor. Que elementos de emancipação e que elementos de opressão
encontra ao historio grafar a aparição do amor romântico?
No livro defendo que o amor
romântico não é negativo em si mesmo, o amor romântico entendido como o amor de
casal, que não é o amor que tem pelos filhos, o que tem pelas amigas, pelos
amigos ou os padres. Temos o chamado de amor romântico, e incialmente este amor
teve um componente muito emancipador para as mulheres. Por exemplo, na Espanha
no final do século 18 com a obra teatral “O sim das meninas” as mulheres
puderam dizer que, se o fim de sua vida como lhes diziam era o matrimônio, elas
o queriam era casar por amor, escolher com quem. E isso aparece nesta obra
emblemática do teatro espanhol, em que uma menina de 16 anos se nega a casar-se
com um “grande partido” de 60, escolhido pela sua família. Essa obra estreia na
Espanha a princípios de 1900, foi um grande sucesso e foi proibida por um
ditador que tínhamos, Fernando VII. É dizer, que foi proibida uma obra que
dizia que as meninas não tinham o porquê casar com velhos e que deviam casar
por amor. Isso mostra o potencial da mudança social que significava o feito de
que uma mulher pudesse eleger, embora foi só decidir com quem não se casava.
Isso era algo bom do amor romântico, que tivera como critério a mutua atração
ou o que você quisesse, e não o dinheiro, ou o que os padres decidiram.
Hoje, encontramos uma crítica
ferrenha ao amor romântico, porém essas críticas, às vezes, não nos deixam ver
essa história que estudamos. As críticas ao amor romântico hoje são as que
relacionam o amor romântico a violência de gênero. Porém, tem que diferenciar,
nem tudo é igual. É um tipo de amor romântico [o que está relacionado com a
violência de gênero]: o das canções, o que te faz querer pensar que se não
encontra um amor existe parte de tua vida que está vazia, como já dizia a
grande comunista Alejandra Kollontai.
O debate não é novo. Agora se
fala de poliamor, porém no século XIX as sufragistas, as anarquistas e as
socialistas já experimentaram com o amor livre, com as monogamias sucessivas.
Não chegaram a maioria delas a teoriza-lo, embora Alejandra Kollontai o fez.
Ela sustentou que o amor camarada era o amor em que poderiam se viver
diferentes histórias de amor ao mesmo tempo.
Outro tema central que aborda no
livro é o debate sobre prostituição, uma questão que gera muita polêmica no
movimento feminista. Você disse, seguindo Celia Amorós, que o primeiro que tem
que fazer é contextualizar, começar por perguntar o que é a prostituição. Como
define a prostituição na sociedade atual?
Sim, neste tema creio que é
crucial pensar antes de atuar. Porque é um tema em que nos julgamos várias
coisas: em primeiro lugar, a definição do que é a sexualidade. Porque existe
gente que mantém que a sexualidade é uma ação como outra qualquer. Eu, a essa
gente lhes digo, por exemplo, se é uma menina: “Você tem pai? Então quando vai
hoje a casa não te importará se teu pai te disse ‘massageia os ovos’. E se te
importa, porque você está defendendo que tenham meninas nas ruas, para que para
teu pai ou qualquer outro homem e não só massageiem seus ovos, e sim também que
os chupem, tudo por 15 euros? ”
Isto te falo para chamar a
atenção e que a gente verdadeiramente pense que a sexualidade não é um tipo de ação
como outra qualquer, que nos remete ao poder de uns corpos sobre outros e em
geral ao poder dos que tem dinheiro sobre os que não tem.
Seu novo livro se chama
“Neoliberalismo sexual” e polemiza com a ideia de que o “livre consentimento”
das mulheres é uma chave central para abordar a questão da prostituição. Tudo
vale se pode escolher?
Na definição da prostituição não
posso estar mais em desacordo com o neoliberalismo das feministas que o
defendem com um “livre acordo” em que se troca sexo por dinheiro. Porque isso
esconde e oculta a dimensão de gênero dessa ação, quando o feminismo se se
caracteriza por algo é colocar gênero em tudo. Como se pretende desgenerizar a
prostituição? Defini-la como se não houvessem relações de gênero e de dominação
por medo. Sim, somos feministas, temos de nos colocar de acordo na definição: a
prostituição é uma instituição que consagrara ideologicamente e legalmente o
direito dos homens a invadir o corpo das mulheres.
Eu critico muito no livro, o tema
que o feminismo possa identificar com a “livre eleição” das mulheres. Existe
gente que diz que o feminismo tem que fazer, é “deixar as mulheres elegerem”. E
creio que cada vez que se diz essa frase o que aparece é uma visão
individualista e atomizada em uma sociedade que não é real. Cada vez que uma
pessoa que pode escolher diz que “a gente escolhe”, está condenando as pessoas
que não puderam escolher, as pessoas a que a sociedade fecha os olhos diante
deste fato, que não podem escolher.
No caso da prostituição, só uma
ínfima minoria das mulheres pode tomar essa decisão por “livre consentimento”
enquanto existem milhões de mulheres que estão condenadas a prostituição por
suas condições sociais, econômicas, coagidas pelo tráfico...
Efetivamente, te dou outro caso.
Se uma atriz de televisão pagam para sair nua ou seminua na noite de ano novo e
ela teoriza dizendo: “eu escolhi livremente, nunca me senti tão livre”; pode
parecer muito bem. Porém, está legitimando a outra menina que vai de garçonete
a digam: “neste bar tem que estar de calcinha e sutiã”. A atriz de que falamos
dirá: “ Que escolha livremente o que queira”. Porém, a menina garçonete tem a
opção de não fazer, de ir para o desemprego, de não encontrar nunca emprego....
Então a suposta liberdade de uma, resulta que tem o preço da escravidão de
outras.
Onde quero colocar o dedo é em
como se segue. Existe ações “livres” que não são feministas e que as mulheres
exercem? Mais claro, várias.
O feminismo está se convertendo
em um produto que se vende. Vê-se que a indústria do “rosa e do azul” também
está chegando ao feminismo e também, o empacotam e o vende como um produto. E
creio que tudo isto temos que pensar e dar voltas.
Você sustenta que a prostituição
é uma “escola de desigualdade humana”. A desigualdade humana consiste em que
umas pessoas se servem de outras. Dependendo do grau de desigualdade, uma
pessoa pode se servir de mil ou de cem ou de dez.
O que a prostituição tem a ver
com isto? É ensinar aos meninos, quanto antes melhor, como um rito de
aprendizagem, que “teu desejo é o primeiro, é o único que conta” e a sociedade
patriarcal vai a brindar os meios para satisfazer esse desejo.
A mensagem que recebida ao menino
que levam “as putas” ou nos livros acadêmicos que faz apologia a prostituição é
esta: “na vida só tem que se preocupar com uma coisa, de teu desejo, ter
dinheiro no bolso e o satisfazer”.
“A mulher que tem em frente –
ensina a sociedade patriarcal – é somente um instrumento para que seu desejo
seja satisfeito”. “Nem a olhe na cara, e talvez nem saiba teu idioma, porém não
importa”. Aos meninos os ensinam que ver filas de meninas nuas a sua disposição
é seu direito e que as mulheres não se importam. Se esta não é uma escola de
desigualdade... Anula e o outro, o outro está somente para que te sirva. “Nós vamos
te garantimos, o capitalismo e o patriarcado”, te dizem.
Ana de Miguel; Neoliberalismo
sexual, Edições Cátedra, Coleção Feminismos, 2015
Fonte: http://www.esquerdadiario.com.br/
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