Em 2012, depois de uma caminhada
distraída pelas ruas de São Paulo que resultaram num "lindos peitos"
dito na minha orelha por um sujeito que correu logo em seguida, sem eu nem ver
o rosto, perguntei aos amigos no Facebook: o que fazer, ou mesmo sentir, depois
de passar por isso? Um amigo disse "chama a polícia. Isso é assédio".
Por Juliana Guarany
Até aquele momento, eu nunca
tinha dado um nome para esse tipo de investida de homens desconhecidos no meio
da rua. Não era "cantada", não era "galanteio". Sim, era
assédio. Sexual. Nas ruas. E em um longínquo 2012, ao comentar o assédio com
meus amigos, observei dois tipos de reação (que podiam vir da mesma pessoa,
inclusive): primeiro, dizem que xingam, ignoram ou, se estão num bom dia, até
"acham graça". Depois, uma resignação: o mundo é assim mesmo.
Aquela postagem de 2012 foi
juntando comentários de amigas sobre assédios sofridos ao longo dos anos. Foi a
primeira vez que percebi que essa violência diária é sofrida por todas as
mulheres em silêncio. Aquela postagem me tirou do armário feminista e me
transformou numa ativista.
Foi pouco depois disso que a
campanha Chega de Fiu Fiu foi lançada, encorajando mulheres a contar suas
histórias de assédio, marcando em um mapa o local em que foram abordadas. As
mulheres passaram a se incomodar cada vez mais com o assédio nas ruas. Aquela
resignação, o tal "o mundo é assim mesmo", deu lugar às hashtags
#PrimeiroAssédio, #MeuAmigoSecreto e #VamosFazerUmEscandalo.
Mas afinal, o que é assédio?
Uma agressão, seja verbal ou
física. Uma insistência pela atenção da pessoa. O assédio direcionado a
mulheres, seja nas ruas ou bares, geralmente chega de duas formas: a mais
direta e grosseira foi aquela relatada no primeiro parágrafo, um
"gostosa", "que bunda" e outras frases nada edificantes que
alguns homens entendem como "elogios". Nessa direta também entram as
passadas de mão, puxadas e cabelo e beijos à força. A segunda forma de assédio
vem depois de uma cantada não correspondida: o rapaz leva um fora e,
inconformado, insiste em chamar a atenção da menina, o que pode resultar numa
reação negativa dela, agressiva dele e aí o céu é o limite.
Este Carnaval mostrou que o
assédio já é tema recorrente e não mais tolerado. Um grande evolução em um ano
quando lembramos que, em 2015, o Jornal da Bahia havia feito uma enquete
perguntando se o beijo forçado durante o Carnaval deveria ser proibido, ou uma
campanha de cerveja que encorajava as pessoas a "deixar o 'não' em
casa".
Este ano, além de campanhas
contra assédio, principalmente nas redes sociais, algumas denúncias de agressão
ganharam mais destaque. Uma menina levou um golpe no rosto ao intervir numa
investida agressiva de um rapaz em sua amiga durante o Carnaval na Bahia. Pelas
imagens feitas na reportagem da Globo o corte foi feio.
O linchamento virtual de um bar
Uma outra escreveu um texto
relatando o assédio sofrido em um bar de São Paulo, que viralizou não só pelo
conteúdo detalhado do relato como também pela reação negativa do bar, que
rebateu um "textão" com outro, dando a entender que ela não dizia a
verdade. Chuva de comentários negativos na pagina do Facebook. Dias depois o
bar soltou um vídeo - bastante editado - mostrando que a história não foi
exatamente como contou a vítima. Mais outra chuva de argumentos, agora em
defesa do bar.
O vídeo indica também muitas
inconsistências no relato que viralizou, o que bota em dúvida a postura da
vítima. Não se sabe até onde seu relato foi uma leitura daquilo que viveu e até
onde ela realmente, intencionalmente, inventou passagens para prejudicar o bar.
Isso é muito ruim e pode render um processo em cima dela.
O "passa-pano" nos agressores
Agora, o que não dá para refutar,
em nenhum momento, é o fato de que ela sofreu, sim, uma agressão, que foi
entendida pelo bar como uma cantada mal sucedida e tratada com panos quentes.
Mesmo editado, o vídeo mostrado pelo bar ainda indica a abordagem insistente
dos dois rapazes - sim, assédio, agressão, invasão do espaço das garotas - e a
conivência do bar com esse comportamento. Em vez de exigir respeito e mudar os
agressores de mesa, o segurança chega cumprimentando, tentando evitar constrangimento,
aplicando o famoso "deixa disso" na tentativa de fazer a história
morrer, o que enfureceu a vítima.
Creio que não haja um só bar em
algum lugar do Brasil que, numa situação como a relatada acima, não tentaria
colocar panos quentes e evitar confusão. O problema do assédio é justamente
esse: diante do constrangimento vivido pela mulher e, para evitar uma cena
maior, os estabelecimentos diminuem a seriedade do ocorrido, o que faz uma
vítima se sentir duplamente agredida.
Esse comportamento acaba legitimando
as abordagens insistentes que muitos homens acham normal. É como dizer
"aqui é local de assediadores. Se não quer ser importunada, não
venha". Uma postura que coloca o bar ao lado do agressor.
Ainda falta aos estabelecimentos,
assim como à sociedade, o reconhecimento de que o assédio não é normal e não
deve ser tolerado. Só com uma postura combativa esses casos irão acabar.
Fonte: Brasil Post
Juliana Guarany é Jornalista,
ativista de direitos humanos e criadora do FemMap, site que documenta projetos
feministas pelo mundo
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