Segundo um estudo divulgado pelo
Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), mais da metade das vítimas
de estupro no Brasil são menores de 13 anos, representando 50,7% do total dos
casos. Mais da metade das vítimas de estupro no País inteiro tem menos de 13
anos.
Sim, é isso mesmo que você leu.
Nos casos em que o agressor é
conhecido, a maior parte deles acontecem dentro de casa, independentemente da
idade da vítima. Entre as crianças, as residências foram o cenário do abuso em
78% dos casos. Já nos casos em que o agressor é desconhecido, vejam bem, as
crianças continuam sendo vítimas dentro de casa na maior parte dos casos, ou
31,3% do total. Entre adolescentes e adultos, as vias públicas predominam. Ou
seja, as crianças são mais abusadas dentro de suas próprias casas.
No ano passado, mulheres criam a
hashtag #MeuPrimeiroAssédio para compartilhar relatos de seus primeiros
assédios sexuais. A ideia surgiu após uma enxurrada de comentários pedófilos
dirigidos a uma participante do Masterchef Júnior. Valentina, uma das
concorrentes do programa, foi alvo de inúmeros comentários de teor obsceno no
Twitter. E ela tinha apenas 12 anos.
Muitos dos relatos, tanto no
Twitter quanto no Facebook (que somaram mais de 82 mil), revelaram situações
naturalizadas por muitos brasileiros, como a cantada de rua, escancarando uma
realidade que muitos desconheciam: o assédio sexual não se limita apenas às
mulheres adultas.
Lembro que, na minha história,
contei algo que aconteceu comigo aos 8 anos. Na maioria dos depoimentos que
foram compartilhados, a primeira experiência que mulheres tiveram sobre assédio
foi vivida antes dos 12 anos. O primeiro assédio que muitas mulheres sofrem é
quando elas ainda são crianças. Com as hashtags, muitas mulheres conseguiram
tirar suas histórias que viviam embaixo de um tapete de culpa e de vergonha e
expuseram uma realidade que muitos preferem não enxergar.
O casamento infantil, segundo uma
reportagem escrita por Patrícia Zaidan, na revista Claudia, ocorre na maior
economia brasileira, São Paulo, na região metropolitana de Curitiba, no
Tocantins, em Minas Gerais, no Pará e Maranhão. Não falo de um retrato de 20
anos atrás, falo do presente: é difícil encontrar um lugar no país onde isso
não aconteça.
Hoje, 554 mil garotas de 10 a 17
anos são casadas no Brasil, segundo um estudo do Instituto Promundo, publicado
em setembro de 2015. Como a lei considera crime o sexo com menores de 14 anos,
a maioria das uniões acaba sendo informal, já que muitos dos homens seriam
presos se tentassem fazer isso legalmente. Então, acaba sendo difícil controlar,
e passamos naturalizando este tipo de crime que passa batido sem punição
nenhuma.
E quantas vezes já ouvimos o
termo "novinha"? Homens se referindo à atração por
"novinhas" e as sexualizando como se fossem adultas e já fossem
"maduras". Essas novinhas são crianças, meninas, adolescentes. Não se
trata de uma doença chamada pedofilia, mas sim de uma cultura que adultiza
crianças e hiperssexualiza meninas. Uma das buscas mais feitas em sites de
pornografia é com o termo "teen", ou seja, adolescente. Isso não
significa nada? Isso não diz nada sobre a cultura em que vivemos?
De acordo com um estudo realizado
pela University of Portsmouth, 83% do tráfego na chamada "deep web"
(que não faz parte da "internet da superfície", como se fosse a parte
imersa de um iceberg que é a rede), são conteúdos relacionados com pornografia
infantil. A web oculta requer outros meios de acesso, já que seu conteúdo não é
indexado pelos mecanismos de busca padrão, tornando-se assim um terreno fértil
para que crimes e violações cibernéticas sejam cometidos. Nesse meio,
contrabando de armas e drogas ficam também escondidos.
Não basta falarmos dessas 554 mil
garotas de 10 a 17 anos que são esposas, cuidam de filhos, marido, casa e estão
perdendo oportunidades. Meninas que muitas vezes ainda são crianças e geram
outras crianças. Vai ter sempre gente relativizando esse tipo de coisa e
falando que meninas amadurecem mais cedo do que os homens. Meninas amadurecem
antes porque são forçadas a isso, porque precisam cuidar da casa, da família,
dos filhos, tem que ter responsabilidade pra cuidar dela e do mundo. Se um
menino de 16 anos faz algo questionável, é porque ele é imaturo. Mas se uma
menina de 16 anos faz qualquer coisa, é porque "ela sabe muito bem o que
faz".
Pra mulher, entrar na puberdade
já é escutar:
"Ela engravidou cedo porque
quis";
"Casou com 14 anos porque
quis";
"Ela tem 15 anos e se
relaciona com homem 35 anos mais velho porque quer";
"Largou os estudos pra
cuidar da casa porque escolheu assim";
Publicidade
"Tava com aquela roupa pra
ser assediada mesmo";
"Saiu sozinha a noite, tava
pedindo".
É culpabilização atrás de
culpabilização de meninas, sem levar em conta a sociedade e cultura em que
estamos inseridos, há séculos.
Apenas peço: parem de adultizar
nossas crianças e adolescentes.
Mas quem veio primeiro: o ovo, a
galinha, ou o machismo? A sociedade é machista há séculos. Tudo sempre foi
feito pra atender ao bem estar e à vontade de homens. As leis, os estudos, as
teorias, tudo. A prostituição medieval (baseada na exploração dos corpos
femininos foi aceita, apesar do intenso domínio católico no período histórico,
como maneira de aliviar os casos de estupro para satisfazer a libido dos homens
(porque nesse caso, a religião abriu uma excessão).
Neste exato momento em que
escrevo, existem países no mundo que não permitem que mulheres dirijam ou
estudem, porque são consideradas incapazes e inferiores. As leis não foram
feitas para que os direitos humanos das mulheres fossem assegurados, vide
ausência dos direitos reprodutivos sobre nossos próprios corpos e
criminalização do aborto. Tudo o que conquistamos foi com muita luta, e
continuamos lutando pra sermos vistas como humanas. Não faz nem 85 anos que as
primeiras mulheres conseguiram votar aqui no Brasil, ou seja, minha bisavó não
podia votar quando era jovem. Na Grécia Antiga, em pleno berço da
"democracia" ateniense, o voto era proibido para as mulheres.
Vocês, que no alto de suas
opiniões vem argumentar que a lei não criminaliza e penaliza homens adultos que
se envolvem com meninas de 14 anos "com consentimento", e que por
isso ESTÁ TUDO BEM, eu gostaria apenas de dizer que é muita falta de análise
histórico-social.
Tem um trecho do filme As
Sufragistas em que um homem vira para uma mulher na prisão e diz: "Meu
trabalho é aplicar a lei". Ela responde: "Isso não significa nada pra
mim, eu não ajudei a criar as leis". Espero que as pessoas ABRAM SEUS
OLHOS e parem de enxergar o que vai até a pontinha de seus narizes apenas.
Fonte: brasil Post
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