É um tema fracturante que divide
feministas, militantes do mesmo partido, organizações e países. De um lado
estão os que defendem a criminalização dos clientes da prostituição, mas não as
prostitutas – o chamado modelo nórdico, de que a Suécia foi pioneira. Do outro
estão os defensores da legalização da “profissão mais velha do mundo” (caso da
Holanda e Alemanha). O Luxemburgo ainda não tomou posição, mas a questão, uma
das mais polêmicas da atualidade, foi debatida por especialistas e ativistas europeus.
Por Paula Telo Alves
Rachel Moran é uma das mais
conhecidas activistas pela abolição da prostituição na Irlanda, e para ela a
distinção entre boa e má prostituição, entre prostituição livre e forçada,
também não passa de uma fantasia. "Durante aqueles sete anos, não conheci
uma única mulher que não tivesse sido forçada pelas circunstâncias a tornar-se
prostituta", diz.
Depois de se ter prostituído nas ruas de Dublin, Rachel Moran milita pela penalização dos clientes
Foto: Anouk Antony
A activista, que participou numa
conferência sobre prostituição organizada pelo Conselho Nacional das Mulheres
do Luxemburgo, contribuiu para que a Irlanda aprovasse uma lei inspirada no
modelo nórdico, de que a Suécia foi pioneira. A lei criminaliza os clientes,
mas não penaliza as vítimas, os homens e mulheres que se prostituem. Trocado em
miúdos, na Suécia "é ilegal comprar, mas não é ilegal vender".
Para o responsável da Unidade de
Luta contra a Prostituição de Estocolmo, esta é a melhor forma de proteger as
vítimas. "Desde que a lei foi aprovada, há 16 anos, a Suécia não registou
um único homicídio relacionado com a prostituição”, explica o detective Simon
Häggstrom. A França, que este ano deverá aprovar uma lei inspirada no modelo
nórdico, mas onde ainda vigora o "laissez-faire, laissez-passer",
regista em média sete homicídios de prostitutas por ano, segundo dados da
associação Mouvement du Nid.
SUÉCIA LIDERA REVOLUÇÃO DE COSTUMES
A Suécia foi pioneira do que
muitos consideram uma revolução copernicana nos costumes e no tratamento
jurídico-social da prostituição. Na base da legislação sueca está a convicção
de que a prostituição é uma forma de violência contra as mulheres e viola os
valores de uma sociedade democrática.
"Não é aceitável que
mulheres e crianças sejam compradas e vendidas numa sociedade moderna. É uma
violência, quer o façam de forma voluntária ou sejam vítimas de tráfico, porque
converte as mulheres em objectos, e isso é inaceitável", defende o
responsável da unidade criminal da Suécia.
Para o legislador sueco, a
distinção entre os profissionais que invocam a liberdade de exercer a profissão
ou as vítimas de tráfico é irrelevante. "Não afirmamos que todos são
vítimas, porque temos homens e mulheres que afirmam que o fazem de forma
voluntária. Mas a maioria, mais de 90%, são forçados pelas circunstâncias ou
explorados de uma forma ou de outra, e esses não têm voz", explica o
detective. "Escolhemos dar ouvidos a quem não tem voz".
O detective sublinha que a
generalidade dos clientes da prostituição são homens, um sinal forte da
desigualdade de género. "Na Suécia, a tentativa também é punida, mas em 16
anos não tivemos um único caso de uma mulher presa por fazer propostas
sexuais".
O detective Simon Häggström, da
unidade de combate à prostituição, em Estocolmo
Foto: Anouk Antony
O objetivo da lei é acabar com
"o mercado da prostituição", protegendo simultaneamente as vítimas,
que na Suécia têm acesso a apoio psicológico e social.
Dezasseis anos depois, a polémica
lei conquistou um consenso político inédito no país. "Deve ser o único
assunto em que os oito partidos estão de acordo", diz o detective.
O modelo sueco fez escola e está
a alastrar-se pela Europa. Em 2014, o Parlamento Europeu aprovou um relatório
que recomenda aos Estados-membros que criminalizem os clientes da prostituição.
E até países onde o exercício da prostituição é legal e paga impostos, como na
Alemanha, querem fazer marcha-atrás.
"A visão de que a
prostituição é uma profissão como as outras era falsa: é preciso que a Alemanha
crie nova legislação para a combater", defende o chefe superintendente da
Esquadra Criminal de Augsburg, na Alemanha. "Nunca será um trabalho como
os outros: é um fenómeno onde há muita exploração e violência", aponta
Helmut Sporer.
Na Alemanha, segundo dados do
responsável, "mais de 90% das prostitutas são estrangeiras, de países como
a Roménia, Hungria e Bulgária, e muitas são vítimas de tráfico humano".
"Não percebem uma palavra de alemão e são duplamente exploradas, pelo
proxeneta e pelo cliente".
Os argumentos do superintendente
podem resumir-se ao princípio cunhado por Lacordaire: "Entre o forte e o
fraco, é a lei que liberta e a liberdade que oprime". Para o responsável
da Polícia, a permissividade da lei alemã impede a actuação da Polícia e a
protecção das vítimas, num cenário em que a conivência dos clientes é
determinante para perpetuar a exploração. "Em 2014 tivemos o caso de uma
romena vítima de tráfico e de violência. Nenhum cliente o assinalou à
Polícia", lamenta o superintendente.
PROSTITUIÇÃO CUSTA 1,6 MIL MILHÕES DE EUROS POR ANO
Em França, o debate sobre
criminalizar ou não os clientes dividiu o país, que deverá adoptar legislação
nos próximos meses inspirada no modelo nórdico. Uma opção legislativa que
poderá fazer poupar ao Estado francês 1,6 mil milhões de euros por ano,
correspondentes aos custos económicos e sociais da prostituição. Os dados são
de um relatório realizado pela associação francesa Movimento do Ninho, com o
apoio da Comissão Europeia. Nas contas entram a evasão fiscal, os custos
médicos e sociais e os custos humanos da prostituição.
"A prostituição é uma
violência extrema em si, e os números mostram-no: as pessoas que trabalham na
prostituição tomam quatro vezes mais ansiolíticos e anti-depressivos e o risco
de serem vítimas de violência é seis vezes superior", aponta Grégoire
Théry, secretário-geral do Movimento do Ninho, citando dados do relatório.
"E a taxa de suicídios entre prostitutas é doze vezes superior ao do resto
da população".
Em França, o debate pôs a nu a
fractura social em relação à prostituição. De um lado, o manifesto assinado por
personalidades polémicas da direita francesa, como Eric Zemmour, que defendia
"Touche pas à ma pute" ("Não te metas com a minha puta").
Do outro, activistas e associações como a recém-criada “Zéro Macho”, um movimento
de homens contra a prostituição. "Não somos puritanos: um dos nossos
membros fundadores é o Gérard Biard, chefe de redacção do jornal Charlie Hebdo,
conhecido pelas posições libertárias", explica Patric Jean, da associação
francesa.
Em França, "país da
libertinagem" e do valor da liberdade, a distinção entre "boa e má
prostituição" continua a polarizar os debates, mas este membro da
associação de homens contra a prostituição acredita que a questão está mal
colocada. "Por detrás desta distinção esconde-se um enorme desprezo
social. A alta burguesia, que defende a ideia de que há 'boa prostituição', não
acha mal que a prostituição seja exercida por mulheres de baixos estratos
sociais ou de países de Leste, mas nenhum gostaria de ver a irmã ou a mãe a trabalhar
como prostituta".
O governo luxemburguês vai
apresentar "nos próximos meses" um relatório nacional sobre a
prostituição, anunciou a ministra da Igualdade de Oportunidades, a abrir o
debate. Para já, Lydia Mutsch defende que o Luxemburgo "tem de encontrar o
seu próprio modelo" para "enquadrar" o fenómeno "e combater
o proxenetismo e o tráfico de seres humanos". Por outras palavras, é pouco
provável que o Grão-Ducado siga a revolução legislativa que atravessa a Europa.
Fonte: www.wort.lu
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