segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Prostituição: proibir ou legalizar?



É um tema fracturante que divide feministas, militantes do mesmo partido, organizações e países. De um lado estão os que defendem a criminalização dos clientes da prostituição, mas não as prostitutas – o chamado modelo nórdico, de que a Suécia foi pioneira. Do outro estão os defensores da legalização da “profissão mais velha do mundo” (caso da Holanda e Alemanha). O Luxemburgo ainda não tomou posição, mas a questão, uma das mais polêmicas da atualidade, foi debatida por especialistas e ativistas europeus.

Por Paula Telo Alves

 Rachel Moran tinha 15 anos quando começou a prostituir-se nas ruas de Dublin, na Irlanda. Uma descida aos infernos que descreve na autobiografia "Paid For" ("Paga") e que durou sete anos, "seis a sete dias por semana, dez ou mais clientes por dia".

 Tinham passado apenas quatro dias quando a adolescente percebeu que era vantajoso dizer aos clientes que ainda era menor. "Percebi que os excitava, e quanto mais excitados estivessem, mais depressa acabavam e mais depressa eu saía dali para fora", conta Rachel Moran. Nesse dia, entre as quase duas dezenas de homens que a abordaram, só um fez "the right thing" (a coisa certa) quando Rachel lhe disse que era menor. "Pôs-me fora do carro, horrorizado". Um ano depois, quando a jovem fez 16 anos e atingiu a idade legal para o consentimento sexual, o mesmo cliente voltou ao local onde Rachel vendia o corpo, desta vez para ter sexo com ela. "O que o preocupava não era a minha situação ou ter sexo com uma menor, o que o preocupava era ser preso. Aquele homem roubou-me mais do que os outros: roubou-me a fantasia do 'homem bom'".

Rachel Moran é uma das mais conhecidas activistas pela abolição da prostituição na Irlanda, e para ela a distinção entre boa e má prostituição, entre prostituição livre e forçada, também não passa de uma fantasia. "Durante aqueles sete anos, não conheci uma única mulher que não tivesse sido forçada pelas circunstâncias a tornar-se prostituta", diz.

Depois de se ter prostituído nas ruas de Dublin, Rachel Moran milita pela penalização dos clientes
Foto: Anouk Antony
A activista, que participou numa conferência sobre prostituição organizada pelo Conselho Nacional das Mulheres do Luxemburgo, contribuiu para que a Irlanda aprovasse uma lei inspirada no modelo nórdico, de que a Suécia foi pioneira. A lei criminaliza os clientes, mas não penaliza as vítimas, os homens e mulheres que se prostituem. Trocado em miúdos, na Suécia "é ilegal comprar, mas não é ilegal vender".

Para o responsável da Unidade de Luta contra a Prostituição de Estocolmo, esta é a melhor forma de proteger as vítimas. "Desde que a lei foi aprovada, há 16 anos, a Suécia não registou um único homicídio relacionado com a prostituição”, explica o detective Simon Häggstrom. A França, que este ano deverá aprovar uma lei inspirada no modelo nórdico, mas onde ainda vigora o "laissez-faire, laissez-passer", regista em média sete homicídios de prostitutas por ano, segundo dados da associação Mouvement du Nid.

SUÉCIA LIDERA REVOLUÇÃO DE COSTUMES

A Suécia foi pioneira do que muitos consideram uma revolução copernicana nos costumes e no tratamento jurídico-social da prostituição. Na base da legislação sueca está a convicção de que a prostituição é uma forma de violência contra as mulheres e viola os valores de uma sociedade democrática.

"Não é aceitável que mulheres e crianças sejam compradas e vendidas numa sociedade moderna. É uma violência, quer o façam de forma voluntária ou sejam vítimas de tráfico, porque converte as mulheres em objectos, e isso é inaceitável", defende o responsável da unidade criminal da Suécia.

Para o legislador sueco, a distinção entre os profissionais que invocam a liberdade de exercer a profissão ou as vítimas de tráfico é irrelevante. "Não afirmamos que todos são vítimas, porque temos homens e mulheres que afirmam que o fazem de forma voluntária. Mas a maioria, mais de 90%, são forçados pelas circunstâncias ou explorados de uma forma ou de outra, e esses não têm voz", explica o detective. "Escolhemos dar ouvidos a quem não tem voz".

O detective sublinha que a generalidade dos clientes da prostituição são homens, um sinal forte da desigualdade de género. "Na Suécia, a tentativa também é punida, mas em 16 anos não tivemos um único caso de uma mulher presa por fazer propostas sexuais".

O detective Simon Häggström, da unidade de combate à prostituição, em Estocolmo
Foto: Anouk Antony

O objetivo da lei é acabar com "o mercado da prostituição", protegendo simultaneamente as vítimas, que na Suécia têm acesso a apoio psicológico e social.

Dezasseis anos depois, a polémica lei conquistou um consenso político inédito no país. "Deve ser o único assunto em que os oito partidos estão de acordo", diz o detective.

O modelo sueco fez escola e está a alastrar-se pela Europa. Em 2014, o Parlamento Europeu aprovou um relatório que recomenda aos Estados-membros que criminalizem os clientes da prostituição. E até países onde o exercício da prostituição é legal e paga impostos, como na Alemanha, querem fazer marcha-atrás.

"A visão de que a prostituição é uma profissão como as outras era falsa: é preciso que a Alemanha crie nova legislação para a combater", defende o chefe superintendente da Esquadra Criminal de Augsburg, na Alemanha. "Nunca será um trabalho como os outros: é um fenómeno onde há muita exploração e violência", aponta Helmut Sporer.

Na Alemanha, segundo dados do responsável, "mais de 90% das prostitutas são estrangeiras, de países como a Roménia, Hungria e Bulgária, e muitas são vítimas de tráfico humano". "Não percebem uma palavra de alemão e são duplamente exploradas, pelo proxeneta e pelo cliente".

Os argumentos do superintendente podem resumir-se ao princípio cunhado por Lacordaire: "Entre o forte e o fraco, é a lei que liberta e a liberdade que oprime". Para o responsável da Polícia, a permissividade da lei alemã impede a actuação da Polícia e a protecção das vítimas, num cenário em que a conivência dos clientes é determinante para perpetuar a exploração. "Em 2014 tivemos o caso de uma romena vítima de tráfico e de violência. Nenhum cliente o assinalou à Polícia", lamenta o superintendente.

PROSTITUIÇÃO CUSTA 1,6 MIL MILHÕES DE EUROS POR ANO

Em França, o debate sobre criminalizar ou não os clientes dividiu o país, que deverá adoptar legislação nos próximos meses inspirada no modelo nórdico. Uma opção legislativa que poderá fazer poupar ao Estado francês 1,6 mil milhões de euros por ano, correspondentes aos custos económicos e sociais da prostituição. Os dados são de um relatório realizado pela associação francesa Movimento do Ninho, com o apoio da Comissão Europeia. Nas contas entram a evasão fiscal, os custos médicos e sociais e os custos humanos da prostituição.

"A prostituição é uma violência extrema em si, e os números mostram-no: as pessoas que trabalham na prostituição tomam quatro vezes mais ansiolíticos e anti-depressivos e o risco de serem vítimas de violência é seis vezes superior", aponta Grégoire Théry, secretário-geral do Movimento do Ninho, citando dados do relatório. "E a taxa de suicídios entre prostitutas é doze vezes superior ao do resto da população".

Em França, o debate pôs a nu a fractura social em relação à prostituição. De um lado, o manifesto assinado por personalidades polémicas da direita francesa, como Eric Zemmour, que defendia "Touche pas à ma pute" ("Não te metas com a minha puta"). Do outro, activistas e associações como a recém-criada “Zéro Macho”, um movimento de homens contra a prostituição. "Não somos puritanos: um dos nossos membros fundadores é o Gérard Biard, chefe de redacção do jornal Charlie Hebdo, conhecido pelas posições libertárias", explica Patric Jean, da associação francesa.

Em França, "país da libertinagem" e do valor da liberdade, a distinção entre "boa e má prostituição" continua a polarizar os debates, mas este membro da associação de homens contra a prostituição acredita que a questão está mal colocada. "Por detrás desta distinção esconde-se um enorme desprezo social. A alta burguesia, que defende a ideia de que há 'boa prostituição', não acha mal que a prostituição seja exercida por mulheres de baixos estratos sociais ou de países de Leste, mas nenhum gostaria de ver a irmã ou a mãe a trabalhar como prostituta".

O governo luxemburguês vai apresentar "nos próximos meses" um relatório nacional sobre a prostituição, anunciou a ministra da Igualdade de Oportunidades, a abrir o debate. Para já, Lydia Mutsch defende que o Luxemburgo "tem de encontrar o seu próprio modelo" para "enquadrar" o fenómeno "e combater o proxenetismo e o tráfico de seres humanos". Por outras palavras, é pouco provável que o Grão-Ducado siga a revolução legislativa que atravessa a Europa.

Fonte: www.wort.lu



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