Segundo a OMS [Organização
Mundial de Saúde], a taxa de cesáreas devem corresponder a, no máximo, 15% do
total dos partos no país. O Brasil é o líder mundial em cesáreas, com uma taxa
de 57%, que continua aumentando 2% ao ano.
O Brasil vive uma "epidemia
de cesáreas", que, segundo o Ministério da Saúde, está associada à
desinformação, a questões culturais e à formação dos próprios profissionais da
saúde. A opção por esse tipo de parto tem dividido a classe médica e gerado
dúvidas nas gestantes, que se veem submetidas às restrições dos planos de saúde
e da agenda do obstetra. Em busca do empoderamento do próprio corpo, muitas
dessas mulheres enfrentam uma longa trajetória até estabelecer uma relação de
confiança com o médico e suas escolhas.
Os críticos ao parto humanizado,
sobretudo do tipo domiciliar, dizem que a opção consiste em um ativismo
radical, um preconceito ideológico, que nega os avanços da Medicina e põe em
risco a vida da mãe e do bebê. Um segmento de médicos reclama que esse discurso,
supostamente "humanizador”, resulta numa banalização do parto e não
permite realizar intervenções necessárias, no tempo correto. Consideram-se
"injustiçados” por uma corrente que apresenta um viés de "puro apelo
sentimental”.
Os defensores de um parto mais
natural afirmam que é importante o empoderamento da mulher e a busca por
informações, para que ela realize suas escolhas, de forma consciente, e tenha
poder sobre o próprio corpo. Defendem uma relação mais acolhedora entre médico,
paciente e demais profissionais, e questionam procedimentos percebidos como
"desnecessários e prejudiciais”. Criticam ainda que o parto não vem sendo
percebido como um processo natural na vida das mulheres.
Alinhada à corrente humanizadora,
a Rede de Médicos e Médicas Popularesse propõe a ser uma alternativa ao que
consideram a ”mercantilização da saúde”.A proposta da Rede é fortalecer o
Sistema Único de Saúde (SUS), que estaria sendo continuamente ameaçado.
Em entrevista à Adital, Bruna
Silveira, médica de família e de comunidade, também integrante da Rede de
Médicos e Médicas Populares, enfatiza que não existe escolha sem informação. A
médica explica os "mitos da cesárea”, o que caracteriza um parto
humanizado e como proceder no caso de uma violência obstétrica. Segundo Bruna,
as mulheres são constantemente desestimuladas a terem um parto normal,
ocorrendo uma desumanização por todo o processo, incluindo as questões de
precarização do trabalho dos profissionais.
Adital: Qual a visão da Rede
Nacional de Médicos e Médicas Populares sobre o parto no Brasil?
Bruna Silveira: Nós vivemos uma
verdadeira epidemia de cesáreas, na qual o Brasil é o líder mundial. A OMS
[Organização Mundial de Saúde] preconiza que as cesáreas devam corresponder a
15% do total dos partos, no máximo. Mas nós já atingimos a taxa de 57%. Estes
dados revelam um processo muito violento de intervenção e medicalização do
parto, baseado na suposta defectividade do corpo feminino e na incapacidade da
mulher de parir de forma natural.
No caso do Brasil, é como se mais
da metade das mulheres fossem incapazes de parir e precisassem,
obrigatoriamente, da intervenção de um médico e de seus instrumentos. Tudo isso
limita e poda a singularidade e a liberdade da mulher, além de sua autonomia de
decisão e de controle sobre seu próprio corpo e parto.
Em outros países, como na
Argentina, toda essa violência obstétrica é considerada crime, cometido contra
as mulheres, que precisa ser combatido, prevenido, punido e erradicado.
Já sabemos que dos oito Objetivos
de Desenvolvimento do Milênio, estabelecidos pela ONU [Organização das Nações
Unidas], o Brasil só não cumprirá um: reduzir a mortalidade materna. Desde
1990, tivemos avanços na redução da mortalidade materna, mas ainda temos
índices muito altos. E a OMS relaciona esses altos índices a dois fatores
principais: a ilegalidade do aborto e a epidemia de cesáreas.
A Rede de Médicos e Médicas
Populares surge para fazer um contraponto a essa ofensiva conservadora da
categoria médica. A proposta da Rede é fortalecer o Sistema Único de Saúde
(SUS), público e gratuito, estruturado pela equidade, integralidade e
universalidade, e a escolha informada (porque não existe escolha sem
informação) sobre as questões da gravidez e do parto deve incluir todas as
mulheres. Todas as mulheres devem ter o poder de decidirem aonde e como querem
parir. E, para isso, se fazem necessárias novas políticas públicas de
assistência ao parto – parto domiciliar, casas de parto, etc.
Adital: Como avalia as políticas
públicas de atendimento a mulheres grávidas no Brasil? Houve avanços nos
últimos anos?
BS: Certamente, houve avanços.
Por exemplo, a transmissão vertical de Aids (transmissão de mãe para filho)
caiu em 50% no Brasil e isto se deve ao avanço da assistência pré-natal.
Segundo o relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a Rede
Cegonha, implantada em 2011 pelo governo, tem melhorado a assistência às
gestantes e aos recém-nascidos. Mas, por exemplo, o aumento dos números
relacionados à sífilis congênita, de 1998 a 2013, mostra que os cuidados ainda
precisam ser fortalecidos.
Com o Programa Mais Médicos,
criado em 2013, já avançamos muito nessa assistência básica e os municípios
apresentam dados de queda de mortalidade materno-infantil muito otimistas.
Porém, ainda temos muito a avançar. Por exemplo, no que diz respeito à
assistência às mulheres negras: as mulheres negras recebem menos tempo de
atendimento médico que as mulheres brancas e são as maiores vítimas da
mortalidade materna, no Brasil. Em relação ao parto, somente 27% das negras tiveram
acompanhamento, ao contrário das brancas, que somam 46,2%, além de outras
diferenças, quando se trata anestesias, tempo de espera e informações
pós-parto, como aleitamento materno.
A Rede de Médicos e Médicas
Populares entende que todas as mulheres devem ter o poder de decidirem aonde e
como querem parir. E, para isso, são necessárias novas políticas públicas de
assistência ao parto – parto domiciliar, casas de parto, etc.
Adital: Por que o Brasil
apresenta um alto índice de cesáreas? O que estaria por trás desses números?
BS: Na verdade, fora do SUS, os
índices são ainda mais assustadores. Dados do Sinasc (Sistema de Informações
sobre Nascidos Vivos) mostram as instituições campeãs de cesárea em São Paulo.
Nos hospitais campeões, as cesáreas correspondem a 96%-93%-91% do total de
partos. Isto não só não é normal, como é um verdadeiro atentado contra as
mulheres, contra os bebês e contra o direito do bem-nascer.
E é por isso que partos normais,
naturais, humanizados, domiciliares, são vistos com maus olhos, e os
profissionais que tentam remar contra essa maré são até perseguidos. As causas
são múltiplas e passam pela falta de informação e/ou desinformação, mas há, de
fato, a questão de conveniência para os hospitais e planos de saúde. É a lógica
da mercantilizarão da saúde que impera.
Um único trabalho de parto
fisiológico, com parâmetros clínicos materno-fetais normais, pode ocupar uma
sala de parto por todo um período de plantão, por exemplo. Enquanto a operação
cesariana é muito mais simples em termos de tempo, dedicação e custos. E na
mesma sala cirúrgica, é possível ter várias operações em um mesmo dia. Além
disso, profissionais que se propõem a atender a trabalhos de parto fisiológicos
devem se programar para estarem disponíveis para as mulheres por cinco semanas
e não podem agendar muitas pacientes num mesmo período, ou elas podem entrar em
trabalho de parto juntas. E isto acaba contaminando até o sistema público, por muitas
razões.
Também passa por "esvaziar
os leitos”, já que as demandas podem ser muito altas, e pela educação médica
que, seguindo a lógica mercantil, vai deixando o parto normal em segundo plano,
ao ponto de muitos profissionais especialistas se formarem sem nunca terem
acompanhado um trabalho de parto fisiológico completo e livre de intervenções.
Mas, aqui, é claro, entram também as questões de precarização do trabalho dos
profissionais. Há desumanização por todo o processo e, se queremos combater a violência
contra as mulheres, também temos que olhar para isso.
As excessivas e desgastantes
rotinas de trabalho e a escassez de profissionais por plantão, que dificultam a
assistência atenta e individualizada das mulheres, também devem ser
consideradas. Para mudar esse cenário, muita coisa dentro do hospital precisa
mudar junto. E fora dele também. Precisamos de mais e mais casas de parto,
precisamos integrar o parto domiciliar ao SUS, precisamos de mais obstetrizes.
Em São Paulo, temos a casa de
parto de Sapopemba, que é SUS, e a Casa Angela, que ainda não é SUS (está
tentando virar), mas é, sem dúvida, um dos maiores exemplos de assistência
integrada e humanizada ao parto. Em Belo Horizonte [Estado de Minas Gerais],
por exemplo, o Hospital Sofia Feldman desenvolveu uma iniciativa pioneira de
assistência aos partos domiciliares, com 100% de cobertura pelo SUS.
Se temos evidências científicas
suficientes para provar que o parto normal é a melhor via de nascimento para a
mãe e o bebê, e isso, ainda por cima, barateia os custos nacionais, qual seria
o mal nisso? Sem indicação clínica explícita, não há justificativa para se
realizar cesáreas ao invés de partos normais.
Adital: O que caracteriza uma
violência obstétrica e quais os tipos mais frequentes no Brasil?
BS: Muitas pessoas já se
"acostumaram” com a violência cotidiana dos serviços de saúde brasileiros.
A violência obstétrica pode ser de vários níveis: negar atendimento ou impor
dificuldades ao atendimento à mulher; impedir a entrada do acompanhante escolhido
pela mulher; comentários constrangedores ou ofensas às mulheres; desinformação;
impedir ou retardar o contato com o bebê, ou impedir o aleitamento materno na
primeira hora de vida, sem necessidade médica explícita; e até o agendamento de
cesáreas sem indicação clínica, sem recomendação baseada em evidências
científicas, apenas para atender aos interesses e conveniências do médico ou
instituição.
Os profissionais parecem ter se
esquecido do quão fundamental é uma mulher saber que, dentro do "sorinho”
que está recebendo na veia, há ocitocina, que a fará entrar em um processo
doloroso de contrações não fisiológicas. Esqueceram de perguntar a ela se ela
concorda. Simplesmente, esqueceram de perguntar se tudo bem fazer sucessivos e
dolorosos toques vaginais, se tudo bem romper sua bolsa e quais as possíveis
consequências disso, se tudo bem cortar o seu períneo na desnecessária, mas
rotineira episiotomia, se tudo bem amarrá-la na maca. O que está havendo é uma
extrema banalizaçao da violência.
Somos o país campeão de cesáreas
do mundo, então, certamente, o agendamento de cesáreas sem real indicação é uma
das violências obstétricas mais frequentes no Brasil. E sempre com base nos
"mitos da cesárea” e na desinformação das mulheres, como, por exemplo: falta
de dilatação, circular de cordão umbilical, placenta envelhecida, "não
entrou em trabalho de parto” e muitas outras. Nada disso é indicação real de
cesárea. A qualidade da placenta isolada de outros achados clínicos não tem
significado. A circular de cordão ocorre em 40% dos partos. O cordão é elástico
e não será, facilmente, ocluído em circulares, se for o único achado,
definitivamente, não justifica cesárea - e a circular de cordão deve ser
desfeita após o nascimento, em qualquer via de parto, normal ou cesárea.
A falta de dilatação e "não
entrou em trabalho de parto”, tecnicamente, não ocorrem em mulheres normais, só
ocorrem quando o médico não espera o tempo suficiente. Muitos protocolos
brasileiros se baseiam nos conceitos de Friedman e de Philpott e Castle, para o
registro do partograma, determinar a evolução "normal” do parto, e os
"momentos de alerta” e "ação” dos médicos. Mas, além desses estudos
serem antigos e relativamente pequenos, eles não contribuíram para atingir os
objetivos preconizados pela OMS: redução das taxas de cesáreas e diminuição da
mortalidade materno-fetal.
Falamos, sempre, de Medicina
baseada em evidências, mas, principalmente na obstetrícia, continuamos seguindo
dogmas que só violentam as mulheres, sem nenhuma ciência que respalde. A
benefício de quem?
Segundo a médica Bruna Silveira,
as mulheres negras recebem menos tempo de atendimento médico do que as mulheres
brancas e são as maiores vítimas da mortalidade materna no Brasil. Em relação
ao parto, somente 27% das negras tiveram acompanhamento, ao contrário das
brancas (46,2%).
Adital: Como a mulher deve
proceder caso ocorra violência com ela?
BS: A pesquisa "Mulheres
brasileiras e gênero nos espaços público e privado”, de 2010, da Fundação
Perseu Abramo, mostra que uma em cada quatro mulheres brasileiras já foi vítima
de violência obstétrica. No Brasil, a violência obstétrica não é crime, como
ocorre na Argentina e na Venezuela. Mas as mulheres vítimas de violência
obstétrica, se assim desejarem, podem buscar as medidas judiciais e denunciar o
caso.
A Defensoria Pública de São Paulo
tem feito um ótimo trabalho no combate à violência obstétrica. A orientação é
que a mulher exija cópia do seu prontuário junto à instituição de saúde onde
foi atendida (documentação que pertence à paciente, podendo ser cobrado apenas
o valor referente aos custos das cópias). Procure a Defensoria Pública,
independentemente se o caso ocorreu em serviço público ou privado, e/ou ligue
para o 180 (Violência contra a Mulher) ou para o 136 (Disque Saúde).
Muitas iniciativas surgem por
todo o Brasil para defenderem e darem apoio às mulheres vítimas dessa
violência. A ONG Artemis criou um "mapa colaborativo” de violência
obstétrica para que as brasileiras registrem casos de desrespeito.
Adital: O que caracteriza um
parto humanizado e por que ele sofre preconceito por algumas vertentes, que, em
geral, culpabilizam a mulher pela escolha?
BS: A humanização não se trata de
abraço, paredes coloridas, cartões de pré-natal com desenhos ou a
infantilização das mulheres ("mãezinhas”). A humanização é o respeito
profundo à autonomia das mulheres, o que também envolve transparência e
honestidade das ações, com informações adequadas, atualizadas e baseadas em
evidências.
No parto humanizado, nenhum
procedimento é rotineiro: as intervenções são feitas de forma criteriosa e
apenas quando realmente necessárias. Em geral, o médico é a autoridade no
parto, pois "estudou para isso”. E a mulher é a figura passiva. No
movimento de humanização do parto, a mulher é protagonista do próprio parto e
deve participar, ativamente, das decisões, em parceria com os profissionais que
lhe dão assistência. No parto humanizado, a mulher é incentivada a se informar
e a fazer suas próprias escolhas. Seus desejos são acolhidos e respeitados.
E, sobre essa culpabilização, que
mais me parece mais uma desculpa para seguir nessa lógica, temos pesquisas
demonstrando que a grande maioria das mulheres inicia o acompanhamento da
gestação querendo parto normal, e esse número, realmente, é modificado durante
o processo pela verdadeira cultura de medo que há sobre o parto. As mulheres
são constantemente desestimuladas a terem um parto normal: "nossa, como
você é corajosa”, "tem certeza?”, "apenas se estiver tudo bem será
parto normal”. E o mesmo não ocorre com as cesáreas. Essa realidade precisa ser
invertida: "apenas em último caso, se tivermos alguma intercorrência, o
que não é o mais comum, você terá uma cesárea”. Essa cultura precisa ser
transformada.
No caso de violência obstétrica, a orientação é que a mulher exija cópia do seu prontuário junto à instituição de saúde onde foi atendida, procure a Defensoria Pública independentemente se o caso ocorreu em serviço público ou privado e/ou ligue para o 180 (Violência contra a Mulher) ou para o 136 (Disque Saúde).
Adital: Fora do Brasil, existem
experiências positivas que podem funcionar como referência de políticas
públicas para uma orientação mais humanizada do parto?
BS: Sim, muitas! O Canadá, a Nova
Zelândia, a Inglaterra, a Holanda... Muitos países podem nos servir de
referência. Na Holanda, cerca de 35% dos nascimentos ocorrem em casa. A taxa de
cesárea é menor do que 10% e a gravidez não é patologizada, tende a ser vista
como uma fase especial na vida de uma mulher, assim como o parto, visto como um
processo normal. Os partos de baixo risco são acompanhados por obstetrizes, em
domicílio ou no hospital. Os cirurgiões-obstetras acompanham apenas os partos
de maior risco ou complicados. Lá e em muitos outros países, o sistema de saúde
é realmente estruturado de acordo com os riscos e complexidade. Obstetrizes e médicos
de família acompanham gestações de risco habitual, com o parto ocorrendo no
local que as mulheres desejarem (domicílio, casas de parto ou hospitais),
enquanto os cirurgiões-obstetras acompanham as gestações e os partos de alto
risco dentro do hospital.
Adital: Quais são os
profissionais legitimamente amparados e tecnicamente habilitados para o
exercício da assistência ao parto no Brasil? As doulas e parteiras são
reconhecidas?
BS: Estão legalmente amparados
para a assistência ao parto no Brasil médicos, enfermeiros obstetras e as
obstetrizes. Os médicos obstetras são os únicos habilitados para os partos
cirúrgicos. O problema é que, em geral, a formação dos mesmos os habilita
plenamente apenas para essa assistência intervencionista e os partos cirúrgicos.
Então, os obstetras que se propõem a acompanharem partos fisiológicos livres de
intervenção, precisam se capacitar e se atualizar de outras formas. E isso
precisa mudar desde o currículo da graduação de Medicina e Enfermagem.
Doulas não estão habilitadas a
darem assistência ao parto. A doula não executa qualquer procedimento técnico,
não faz exames, não cuida da saúde da mãe ou do recém-nascido, e não substitui
os outros profissionais. A doula cuida, especificamente, do bem estar físico e
emocional da mulher durante a gestação e o trabalho de parto. Apesar disso, a
atuação das doulas é de extrema importância, e as pesquisas têm mostrado que
pode reduzir as taxas de cesárea, a duração do trabalho de parto, os pedidos de
anestesia, o uso da ocitocina e fórceps.
As obstetrizes também são
chamadas, muitas vezes, de parteiras. Mas, em relação às parteiras
tradicionais, sinceramente, eu não sei como isso se dá legalmente. Sei que, se
não há lei que proíba, não é crime. E sei que elas cumprem um papel fundamental
nesse nosso país continental. Segundo o Datasus [Sistema de Informação do
Ministério da Saúde], são realizados, anualmente, no Brasil, em média, 41 mil
partos domiciliares, e desses a maioria é assistido por parteiras tradicionais.
A médica Bruna Silveira explica
que a humanização no parto não se trata de abraço, paredes coloridas ou a
infantilização das mulheres ("mãezinhas”). A humanização seria o respeito
profundo à autonomia das mulheres, o que também envolve transparência e
honestidade das ações.
Adital: Como avalia a relação da
grávida com o médico na construção de confiança para escolher o método mais
adequado de parto, de acordo com suas próprias condições (econômica, cultural,
de saúde, psicológica)?
BS: A relação da mulher com todos
os profissionais (médico, obstetriz ou doula) envolvidos é de extrema
importância nesse processo de escolhas. Se a gestante é vista como passiva
diante do processo do parto, é considerada uma "paciente” e, como tal, é esperado
que aceite as decisões impostas por quem estiver no comando da situação. Mas,
se é vista como sujeita ativa do processo, compartilha todas as decisões com a
equipe, com respeito, autonomia e transparência. Como deve ser.
O que, infelizmente, acontece no
SUS é que, em geral, os profissionais que acompanham o pré-natal nas Unidades
Básicas de Saúde não estarão presentes na assistência ao parto, que são, muitas
vezes, hospitalares. E é, principalmente por isso, que o papel dos
profissionais da assistência pré-natal de baixo risco (médicos de família e
comunidade e enfermagem) é tão fundamental.
As mulheres podem e devem
escrever um plano de parto, mesmo para o hospital, e exigir que sejam
respeitadas. Quanto mais as mulheres tiverem acesso às informações, mais
estarão apropriadas sobre o assunto, serão sujeitas ativas do próprio parto e
estarão mais preparadas para saberem o momento certo de ir ao hospital e com
mais propriedade para evitarem intervenções desnecessárias. O ideal seria,
claro, que ninguém precisasse "lutar” para não ser violentada. Mas,
infelizmente, isso faz parte desse processo de mudança cultural.
Legenda 6: Segundo o Datasus
[Sistema de Informação do Ministério da Saúde], são realizados, anualmente, no
Brasil, em média, 41 mil partos domiciliares, e desses a maioria é assistido
por parteiras tradicionais.
Adital: Movimentos como o Sagrado
Feminino visam a recuperar o empoderamento da mulher como protagonista do
próprio parto. Você avalia que esse tipo de ideia tem espaço para se ampliar no
atual sistema médico?
BS: Pessoalmente, eu gosto
bastante dos movimentos de Sagrado Feminino. Mas entendo que não se trata de um
conhecimento baseado em evidências, e nem tem a pretensão de ser. De qualquer
forma, acho que cabe a cada mulher dizer se isso faz sentido para ela ou não.
Para essa decisão, ela precisa ter informação e, inclusive, saber que não há
base científica nesse conhecimento. Assim como ainda não há base científica, ao
contrário do que muitos pensam, em muito do que a Medicina ainda faz e diz. E,
se for de sua escolha seguir essa ou qualquer outra ideia, por que não?
De qualquer modo, a própria
ciência já começa a se voltar para as questões de vivências, experiências e
emoções na determinação dos processos de saúde-doença. Tenho plena convicção de
que o empoderamento da mulher como protagonista e essa reconexão são
fundamentais para o processo da gestação e parto. Mais do que isso: para todas
as questões de saúde e autocuidado.
Fonte: Adital
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