Juliane Veríssimo abraçou a
campanha #partocomrespeito (Foto: arquivo pessoal)
Desde o lançamento da campanha
#partocomrespeito, em 1º de agosto, ÉPOCA recebeu mais de 300 histórias de
mulheres que se sentiram desrespeitadas no parto. A cena mais comum nos relatos
é a falta de cuidado no trato com a paciente, seja falta de amparo,
brincadeiras em tons jocosos, discursos em tom de intimidação, ofensas verbais
etc.
A coordenadora do estudo Nascer no Brasil, Maria do Carmo Leal, diz que um
quadro semelhante apareceu na pesquisa nacional. Confira a entrevista:
ÉPOCA – Recebemos mais de 300
histórias com relatos muito parecidos: mulheres num momento de extrema
fragilidade sendo maltratadas. Em quais situações ela está mais exposta?
Maria do Carmo Leal – Mulheres
sem acompanhante têm mais chances de sofrer algum tipo de intimidação. Porque o
acompanhante, seja o companheiro ou a mãe, digamos, funciona como uma
testemunha, então acaba inibindo alguns comportamentos. Nem sempre os serviços
oferecem esse direito e, às vezes, a mulher não sabe desse direito. Quanto menos
informadas, menor o nível de instrução, mais ela sofre. Mulheres pobres e
negras estão nesse extremo. As que optam pelo parto normal também relatam mais
violência não só por ficar mais tempo dentro da maternidade, mas porque têm
dor, gritam, e tornam-se alvos, ouvem “cale a boca” e insinuações como “na hora
da fazer não gostou”. Elas “incomodam”
os profissionais de saúde.
ÉPOCA – O que poderia explicar
esse tipo de comportamento por parte dos profissionais de saúde?
Maria do Carmo – É um machismo
enorme contra as mulheres. Não é só no parto. O parto é uma expressão extrema,
mas as mulheres são desrespeitadas de um modo geral na sociedade. Essa é uma
das razões. A segunda é reflexo do atendimento acelerado em saúde em todo o
Brasil, que também chega às maternidades. O que o médico faz? E digo médico
porque 93% dos partos no Brasil são feitos por obstetras. O médico tenta
acelerar o parto. Usam ocitocina como via de regra, quando a orientação é usar
em trabalhos de parto prolongados, fazem episiotomia (corte no períneo) como
sendo regra. Acelerar um parto normal não é recomendado, a não ser que a mulher
esteja em dificuldade no trabalho de parto. E tem outra questão, que não está
em pesquisas, mas que a gente sabe que acontece. Os médicos apressam para entregar
o plantão no hospital para o próximo colega “limpo”, ou seja, sem casos em
evolução.
ÉPOCA – Como mudar esse cenário?
Maria do Carmo – Coisas grandes
precisam acontecer. À medida que mulheres aumentarem o nível de instrução, elas
vão aceitar menos. Temos um movimento grande no Brasil por partos humanizados.
Quem são as mulheres nesse movimento? Mulheres muito informadas. Mulheres de
nível médio, profissionais que foram buscar conhecimento. Um segundo item é
combater a tremenda discriminação social contra negros e pardos. Quem sofre
mais são essas pessoas. É essa mulher que tem medo do médico, que não entende o
que o médico fala. O poder institucional não olha isso. No Brasil, tudo é muito
difícil de mudar. Parece que ninguém tem interesse. Em outros países, quando se
decide uma política pública, a mudança acontece. Nós temos a lei do
acompanhante, e o estudo que fizemos mostrou que apenas 25% têm acompanhante em
tempo integral, como determina a lei. Temos um programa nacional, o Rede
Cegonha, por um parto mais humanizado. Por que não funciona? Por falta de
compromisso. Se sou um gestor hospitalar e uma pessoa que trabalha no meu
hospital trata mal uma mulher grávida, é minha obrigação saber o que aconteceu
e intervir para que isso não se repita. Mulheres, em São Paulo, se uniram e
entraram no Ministério Público (MP) contra a Agência Nacional de Saúde
Suplementar, afirmando ser obrigação da Agência os altos índices de cesárea na
rede privada. O MP foi em cima e a agência, aos poucos, está dando respostas.
Ações coletivas podem responder às demandas das mulheres. Essas vítimas
precisam se unir.
Leitoras enviaram seus relatos. Confira trechos:
“Tive meus três filhos no mesmo
hospital universitário em São Paulo. No primeiro parto, durante as contrações,
gemia com as dores e a enfermeira disse: ‘A força é lá embaixo! Não incomode os
outros’. No segundo, uma das enfermeiras que me transferiu para a cama, depois
do parto, comentou: ‘Vocês comem demais durante a gravidez e é a gente que tem
que aguentar depois’. No terceiro, demoraram tanto para me levar à sala de
parto que meu filho nasceu antes do médico conseguir vestir as luvas cirúrgicas.”
Rachel França, 47 anos
“Na sala de parto estavam uma
obstetra e uma enfermeira. Enquanto fazia força para o meu filho nascer, tive
que ouvir coisas do tipo ‘Não sabe empurrar, mãe?’ e ‘na hora de fazer tu não
pensou, não é?’. A impaciência das duas era visível.”
Mariangela Zapelini, 34 anos
“Passados quatro anos, ainda
sinto os reflexos das sequelas dentro de mim. Era mãe de primeira viagem em uma
gestação de alto risco. Internada no hospital, num eminente parto prematuro
extremo, ouvi: ‘Pacientes no seu caso não aguentam mais que cinco dias. Por
mim, o repouso está suspenso. Levanta e vai ao banheiro. A bebê não vai
sobreviver’. Minha filha, Isabela, nasceu com 752 gramas e não sobreviveu.”
Eliane Sopran, 28 anos
"Ouvi: 'Mãe, como você fica com
um bebê morto há 15 dias na sua barriga?' Foi assim que uma médica do hospital
me recebeu, durante um exame de rotina no fim da gravidez. Falei: ‘Meu filho
não está morto’, no que a médica respondeu: ‘Está morto sim. Vou comprovar o
que a enfermeira disse’. Meu filho realmente não sobreviveu. Mas foi aquela
médica que me matou.”
Jessica Karina Gregorio de
Oliveira, 26 anos
“Desenvolvi, durante a gravidez,
hipertensão. Por causa da doença, fiquei muito inchada. Ganhava cerca de 1,5 kg
por semana. No dia do nascimento do meu filho, estava com 97 quilos. O médico
do plantão disse: ‘Você é muito obesa e sua pressão está alta, vai morrer no
parto’. O segundo profissional que me examinou falou: ‘Você sabe por que você
está assim (gorda)? Porque não pode ver uma panela destampada.’ Fiquei calada.”
Sâmia Siqueira, 33 anos
"Durante alguns anos pensei
que tinha tido sorte na maternidade. Com a reportagem de ÉPOCA, descobri que
fui desrespeitada. Não permitiram que meu marido ficasse comigo durante o
trabalho de parto. Não pude levantar da cama para ir ao banheiro porque as enfermeiras
diziam que meu filho cairia no vaso sanitário. Eu era invisível naquela
maternidade. Ninguém falou comigo, nem durante o parto. Não pude ver meu filho
direito. Na hora da sutura, ligaram uma música e falaram de banalidades.”
Jenifer Lima, 27 anos
“Lembro como se fosse hoje o que
o médico disse, na sala de parto, quando gritei por conta das dores das
contrações: ‘Se você calar a boca e gritar menos, seu filho nasce mais rápido e
a gente acaba com isso logo!". Eu tinha 19 anos, achei que todo parto
fosse assim.”
Célia Regina da Silva, 35 anos
“No nascimento de minha segunda
filha, me senti ultrajada, abusada, maltratada. Em um momento de extrema
delicadeza profissionais da saúde tiveram atitudes inconcebíveis. Uma
enfermeira disse: ‘Gostou de fazer? Para entrar não doeu’ e logo depois me
mandou calar a boca. Quando disse à médica que ia desmaiar de dor, ela falou:
‘Amarelou?’”
Cristiane Galu, 35 anos
“Não sei o que é ficar feliz com
o nascimento de um filho. Na minha segunda gravidez, durante o trabalho de
parto, uma enfermeira tentou apressar a outra dizendo que meu filho ia nascer
antes de chegar à sala de parto. Então ela olhou fixamente nos meus olhos e,
com desprezo, respondeu: ‘Ela não vai morrer se esperar!’ Desabei a chorar.”
Alessandra Fonseca Ribeiro, 35
anos
“Na maternidade, fui orientada
pelas minhas ‘colegas de enfermaria’ a não gritar em hipótese alguma. Caso
contrário, as enfermeiras me deixariam ali sentindo dores. Fiquei recolhida,
aliviando a dor mordendo uma toalha de mão.”
Aloyana de Oliveira Rodrigues, 32
anos
“A médica falou que eu estava com
frescura, que já era minha terceira gestação e eu ainda não sabia o que eram as
contrações. Pedi para ela me ajudar com as dores, insuportáveis. Depois de me
ver chorar e implorar, ela me levantou da maca. Nessa hora, a minha filha
nasceu e foi direto para o chão.”
Luciana Moura, 38 anos
“O enfermeiro perguntou para o
médico o que iriam fazer comigo, em trabalho de parto prematuro. E ele apenas
dizia: ‘Hoje não estou bom para (fazer) parto normal’. Ouvir isso doía
demais."
Mirlene Lima, 22 anos
“Na entrada do hospital, escutei
uma frase que me faz querer sumir até hoje: ‘Não acredito que no final de um
plantão ainda vou ter que fazer parto em uma baleia’. Sempre fui obesa e, por
incrível que pareça, naquela gestação emagreci 12 quilos. Fiquei chocada e
indignada. Gritei: 'Vim ganhar um filho, e não ser insultada e despeitada desse
jeito!’ Chorei muito. Queria sair dali. Mas onde teria meu filho?”
Rosangela Silverio, 42 anos
“Com dois meses de gestação
precisei ficar de repouso. A médica disse: ‘Se precisar tomar remédio para
segurar (o bebê), não tome. Tudo que é imundo a natureza expulsa.’ Tomei a
medicação para segurar meu filho. Em outubro ele completa 10 anos.”
Cristiane Galu, 35 anos
Fonte: Revista Epoca
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