Um dos maiores lançamentos de
2015, “Morri para Viver” é também um dos piores livros do ano. A biografia de
Andressa Urach reúne dezenas de fatos de difícil comprovação, emite juízos de
valor moralistas, reproduz preconceitos contra religiões afro-brasileiras e faz
proselitismo a favor da Igreja Universal. Em seu momento mais forte, a modelo
associa a vida de prostituição a um “pacto” com uma “entidade” em nome de uma
“pombagira”.
Por Mauricio Stycer
Chega a ser difícil aceitar a
classificação de “biografia” para um livro que descreve tantas situações
chocantes sem citar fontes, dar nomes, datas ou informações que ajudem a
localizar os fatos descritos. Haveria muitas maneiras de dar substância aos relatos
sem correr o risco de ter problemas legais.
andressaurachcapadolivroTemas
importantes são levantados, mas a abordagem ora é superficial, ora é
mistificadora. A questão da transformação física da modelo é um bom exemplo.
Ela revela ter se submetido a 14 cirurgias em menos de quatro anos, algumas em
clínicas clandestinas.
Fala das dores que cada cirurgia
provocou, mas não consegue tirar das experiências nada além do que observações
óbvias: “Adorava me transformar, ser quem eu quisesse ser”. Igualmente pobre é
a conclusão de que fez isso por conta de uma “doença” motivada por “sérios
problemas espirituais”.
Também é ruim o tratamento que
Andressa dá uma questão importante, a sua decisão de ganhar a vida como
prostituta. Embora reconheça que fez isso por necessidades materiais, ela
atribui tudo que aconteceu em sua vida, a partir daí, a um “pacto” com uma
“mulher mística”, que “mexia com entidades”.
Sem citar a umbanda, mas
claramente descrevendo um ritual desta religião afro-brasileira, Andressa
reproduz o que a mulher teria lhe dito: “Vou te oferecer à pombagira com um
banho de champanhe. A cada mil reais que você ganhar, você deve entregar um
champanhe de presente para a pombagira”.
“Realizava loucuras na cama
invocando o espírito da pombagira. Gritava e beijava bastante, carinho raro
entre as prostitutas”, escreve. “Cheguei a faturar mais trinta mil reais por
mês trabalhando de segunda a sábado”.
Andressa se transformou, por
culpa deste pacto, em “uma mulher desqualificada e ruim”. Mais que isso, diz,
“eu era um mulher de índole ruim. Encomendei incontáveis rituais às entidades
para fazer o mal. Paguei rituais para expulsar, roubar, provocar doenças e até
matar outras meninas, movida sempre por extremo ódio”.
A única coisa que se salva no
livro é o trecho em que Andressa mostra como usou a mídia de celebridades para
aumentar a sua clientela e valorizar o seu cachê no mundo da prostituição.
O livro torna explícito um jogo
de interesses que deixa todos os envolvidos em situação embaraçosa. Jornais,
revistas, sites e emissoras sempre souberam que os escândalos e exageros
cometidos por Andressa eram programados exatamente com esta intenção. Ganharam
audiência e retribuíram com o que a modelo mais queria – fama.
O objetivo maior da obra, porém,
não é denunciar quem explora a prostituição, ou mostrar os submundos da
cirurgia plástica ou, ainda, os negócios da indústria de celebridades no país.
O interesse é outro. “Morri para
Viver” é um livro de catequese. A autora descreve a experiência mística de,
internada em coma num hospital, se ver fora do corpo, “na fronteira da morte”,
para concluir: “Era Deus. Eu sei que era Deus. Eu vi Sua luz”. Ao sair da UTI,
conta, começou a receber visitas de pastores e bispos da Universal, além da
mulher de Edir Macedo.
As orações e o carinho recebidos,
diz, ajudaram a entender que poderia recomeçar. “Entendi que os nascidos de
Deus não são compostos por santos que nunca pecaram, mas por pecadores que pela
compaixão divina venceram seus pecados”.
Tudo isso explica a falta de
cuidado jornalístico do livro, ainda que a obra tenha como coautor Douglas
Tavolaro, vice-presidente da Rede Record, responsável pelo jornalismo da
emissora. Os fatos narrados são menos importantes que a tentativa de confortar
“sofredores” e mostrar que a igreja pode “curá-los”.
Fonte: http://mauriciostycer.blogosfera.uol.com.br/
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