Malala é um exemplo vivo de coragem, não se trata de uma personagem histórica. Ela é uma jovem real que se manifestou pelo direito de ir à escola. E manteve a campanha, apesar das ameaças de morte e do sofrimento real.
O jinriquixá — carrinho de duas
rodas puxado por um homem — parou diante do Pearl Continental Hotel, na cidade
de Peshawar, em 3 de dezembro de 2011. Vestida com o uniforme escolar, a menina
de 14 anos desembarcou, cumprimentou ativistas da organização não governamental
Aware Girls, entre elas Gulalai Ismail, e subiu ao púlpito. “Em seu discurso,
ela disse que existe uma desigualdade de poder entre homens e mulheres, e que
essa lacuna precisa ser preenchida para pôr fim à violência”, afirmou Gulalai
ao Correio. Exatamente 311 dias depois, a mesma garota foi surpreendida por um
militante do Talibã dentro do ônibus, em Mingora, no Vale do Swat (norte do
Paquistão), ao retornar da escola. “Quem é a Malala?”, questionou o extremista.
“Eu sou Malala”, respondeu. O homem disparou-lhe um tiro à queima-roupa na
cabeça. Vieram a batalha pela vida, a comoção internacional e a coragem de
seguir adiante na luta pela educação. No último dia 10, o Nobel da Paz
sacramentou o mito. Aos 17 anos, Malala Yousafzai se tornava uma estadista sem
Estado, a personificação de uma causa maior.
“Os talibãs acharam que aquelas
balas nos silenciaram. Mas falharam e, então, do silêncio vieram milhares de
vozes”, afirmou a estudante, vestida com o véu e o xale da ex-premiê
paquistanesa Benazir Bhutto, em discurso na ONU, em 12 de julho de 2013.
Gulalai não esconde o orgulho pela compatriota e colega. Ambas guardam
semelhanças: começaram no ativismo com a mesma idade, 13 anos, e foram alvo de
atentados. “O triunfo de Malala é uma vitória das meninas, das mulheres e da
educação. Malala veio do noroeste do Paquistão, onde o analfabetismo feminino
chega a 35%. Em Khyber-Pakhtunkhwa, onde ela nasceu, 65 em cada 100 garotas
estão fora da escola”, lamentou a presidente da Aware Girls. Ao menos 1.030
escolas foram destruídas pelo Talibã naquela província entre 2009 e 2013.
Política
Comparada a Benazir Bhutto,
Malala não esconde as pretensões políticas. “Eu quero me tornar a premiê do
Paquistão”, declarou. A adolescente crê que a melhor forma de combater o terror
e defender a educação seja por meio da política. “Um médico só pode ajudar uma
comunidade, um político pode auxiliar um país”, disse.
O Nobel coloca sobre Malala uma
responsabilidade vitalícia, um pacto que ela resolveu assumir. “Mas também lhe
dá uma plataforma mais sólida para seu trabalho, algo que fará com que ela
continue a ser escutada por toda a vida”, aposta Harpviken. “Malala mostrou
integridade moral e comprometimento necessários para cumprir com esse papel”,
acrescenta. Com a propriedade de quem escreveu um livro com a própria Malala,
Patricia McCormick — coautora da biografia Malala: the girl who stood up for
education and changed the world (“Malala: a garota que se levantou pela educação
e mudou o mundo”) — conta que a laureada ajudou a montar uma escola em um campo
de refugiados sírios. “As crianças costumam ficar nesses locais por sete anos,
sem educação. Malala acha que isso lhes define um futuro de desesperança e
oportunidades limitadas, o que pode levar à criação de nova geração de
terroristas.”
Exemplo de coragem
“Malala é um exemplo vivo de
coragem, não se trata de uma personagem histórica. Ela é uma jovem real que se
manifestou pelo direito de ir à escola. E manteve a campanha, apesar das
ameaças de morte e do sofrimento real. Agora ela vive no Reino Unido, onde frequenta
uma escola bem diferente daquela no Paquistão. E ainda mantém uma agenda
exigente para falar sobre os direitos das crianças — ao mesmo tempo, faz o
dever de casa como qualquer outro estudante.”
Co-autora da biografia Malala:
The girl who stood up for education and changed the world (“Malala: a garota
que se levantou pela educação e mudou o mundo”)
Um caminho para mudanças
“Por meio de seu exemplo, Malala
inspirou inúmeras garotas no Paquistão que desejam a educação e querem se
levantar por seus direitos. Ela atrai atenção internacional aos desafios, bem
como à força das garotas e mulheres paquistanesas. Se as forças domésticas se
reunirem com o apoio construtivo internacional, tomando como exemplo o
compromisso de Malala, isso terá o potencial de conduzir uma mudança
fundamental na sociedade paquistanesa.”
Presidente do Instituto de
Pesquisas da Paz (Prio), em Oslo, e ex-diretor do Comitê Norueguês do
Afeganistão, em Peshawar.
Fonte: Correio Braziliense
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