O despreparo dos profissionais da linha de frente do
atendimento às vítimas ainda é agravado pelo número deficiente de unidades
especializadas. Em Minas, existem apenas 65 delegacias de mulher para atender
aos 853 municípios. Em Belo Horizonte, apenas uma, segundo a Polícia Civil. Em
contrapartida, o número de ocorrências registradas na capital chegou a 10.888
no ano passado, o segundo maior balanço dos últimos cinco anos.
Ameaça contra a própria vida, terrorismo psicológico e
agressão física, muitas vezes, são apenas a primeira etapa do problema
enfrentado por mulheres vítimas do machismo, do ciúme e/ou do inconformismo dos
parceiros. Após os episódios de violência doméstica, a saga continua nas
delegacias especializadas.
Em busca de ajuda e de um mínimo de conforto, o que muitas
vítimas encontram é hostilidade e apatia da parte de quem deveria oferecer
amparo legal, fatores que, não raramente, resultam em desistência dos processos
de agressão.
“O primeiro choque foi ser atendida por um homem. Além de
sequer levantar a cabeça e olhar para mim enquanto fazia perguntas, a sensação
que me deu foi de que ele me responsabilizava pelo que estava acontecendo
comigo”, afirma Giovana*.
Bola de neve
O despreparo dos profissionais da linha de frente do
atendimento às vítimas ainda é agravado pelo número deficiente de unidades
especializadas. Em Minas, existem apenas 65 delegacias de mulher para atender
aos 853 municípios. Em Belo Horizonte, apenas uma, segundo a Polícia Civil.
Em contrapartida, o número de ocorrências registradas na
capital chegou a 10.888 no ano passado, o segundo maior balanço dos últimos
cinco anos. Somente nos primeiros sete meses de 2014, cerca de 5 mil inquéritos
policiais foram instaurados.
O resultado dessa desproporção é a morosidade. No início
deste ano, Giovana teve o chip e o celular apreendidos para serem periciados,
procedimento que deveria levar de 15 a 30 dias para ser concluído.
“Mas só recebi minhas coisas de volta três meses depois,
após muita insistência. Acho isso um absurdo, porque eu sou a vítima da
história, mas parece que fui a única penalizada até agora”, desabafa.
Justiça tardia
Na esfera judicial, o problema se repete. Conseguir uma
medida protetiva que determine o afastamento do agressor e a prisão dele em
caso de descumprimento é simples, na maior parte das vezes – acontece, em
média, 15 dias após a denúncia –, mas avançar no processo e chegar ao
julgamento, não.
De acordo com o último balanço divulgado pelo Tribunal de
Justiça de Minas Gerais, dos 22.448 processos relacionados à Lei Maria da Penha
distribuídos em 2012, em Belo Horizonte, menos da metade foi julgada (10.465).
Até junho deste ano, o volume total de processos chegava a
161.509, a serem analisados por três juízes, em quatro varas criminais
especializadas (a quarta vaga de magistrado só poderá ser preenchida a partir
de 11 de novembro, após o período eleitoral).
Especialista aponta
disposição para mudanças na estrutura oferecida
Para a coordenadora Especial de Políticas Públicas para
Mulheres da Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social, Rebeca
Rohlfs, o despreparo das equipes nas delegacias é inadmissível, principalmente,
em função do risco de o agressor ser tratado como vítima.
“Se a pessoa não tiver preparo para atender, ela pode
subjugar a violência e inverter o caso”, observa, acrescentando, porém, que vem
percebendo melhoras no quadro. “Tenho visto que a Polícia Civil está muito aberta
a melhorias e capacitação. Acredito que ainda vamos ter muitos avanços nesse
sentido”.
Segundo ela, outro aspecto importante para a mudança é a
articulação das ações. “Criamos uma rede de enfrentamento muito grande em
Minas. No ano passado, 1.387 pessoas foram capacitadas e, neste ano, 1.654,
tanto no interior quanto em BH”, ressalta.
Mudanças
A concentração de esforços surtiu efeito para Marina*, que
procurou atendimento especializado no início do mês passado para denunciar o
ex-namorado.
“Quando cheguei lá, fui encaminhada a duas assistentes
sociais, que procuraram saber o que estava acontecendo, e até me esclareceram
coisas que eu desconhecia sobre a violência psicológica”, diz.
De acordo com a titular da Delegacia Especializada de
Atendimento à Mulher de Belo Horizonte, Silvana Fiorillo, os profissionais que
não se adequarem às novas propostas – de atendimento humanitário e orientações
adequadas – não serão aceitos.
“A mulher precisa não somente de uma medida protetiva ou de
um inquérito que resulte em uma possível condenação, mas, sim, de um
acolhimento diferenciado. Ela tem que ter suporte e o primeiro contato é
fundamental para isso”, diz.
Casos marcantes
Ago/2014 – Estudante de medicina é esfaqueada pelo
ex-namorado em Montes Claros
Fev/2012 – Procuradora federal é assassinada pelo ex-marido
em condomínio de luxo de Nova Lima
Jan/2010 – Cabeleireira é morta a tiros pelo ex-marido
dentro do próprio salão de beleza
Todas as vítimas haviam denunciado ameaças dos
ex-companheiros e possuíam medida protetiva.
Fonte: Hoje em dia
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