A situação da mulher no Brasil e no mundo esteve em debate
durante os três dias do Seminário Internacional Mulheres: Fome, Pobreza e
Tráfico Humano, em Brasília.
No último dia do evento promovido pela
Cáritas Brasileira, organização humanitária vinculada à Igreja Católica,
integrantes das regionais da entidade e dos movimentos participantes do
seminário se reuniram, em grupos, a fim de discutir como tudo que foi tratado
no encontro poderá ser levado para os estados. “A gente tem a expectativa de
que os grupos que estão trabalhando em macrorregiões do Brasil possam ser
propositivos”, disse Marcelo Lemos, assessor nacional de formação da Cáritas. Segundo
ele, é preciso unir cada vez mais os movimentos para fortalecer a agenda de
debates sobre as mulheres.
Hortência Mendes é assessora de projetos da Cáritas no Piauí
Wilson Dias/Agência Brasil
Hortência Mendes, assessora de projetos da Cáritas no Piauí,
abordou diversas questões, entre elas, a do racismo. “Como podemos pensar em
políticas para as mulheres, pensar em desenvolvimento sustentável e solidário,
em uma nova economia, se a gente não tiver resolvido, na nossa vida e no nosso
país, a questão do racismo?”, indagou.
A equidade de gênero e a participação na tomada de decisões
foram outros pontos ressaltados por Hortência, que lembrou também as
dificuldades enfrentadas pelo seu estado para lidar com o problema da violência
contra a mulher. Ela citou a falta de dados sobre a violência, a ausência de
estrutura nas delegacias, a impunidade dos agressores e a efetivação de
políticas públicas. “Esse seminário nos fortalece no sentido de que temos
muitas pessoas pensando nessas políticas. Vamos chegar lá [no Piauí] e tentar
fortalecer os grupos que já existem e criar mecanismos de lutas para defender
as mulheres da violência”, disse.
Rogenir Almeida é representante da Catholic Relief Services,
entidade norte-americana que também participou do evento Wilson Dias/Agência
Brasil
Rogenir Almeida, representante da Catholic Relief Services,
entidade norte-americana, destacou a importância do seminário na
conscientização da mulher sobre os seus direitos. “A perspectiva do seminário é
estar refletindo sobre esse potencial e a capacidade das mulheres em refletir
sobre a sua realidade e construir alternativas de enfrentamento a essa
violência por meio de várias formas de organização e de luta”, disse. Ela
lembra que as conquistas alcançadas são resultantes dessa organização e, por
isso, é preciso avançar na questão da participação das mulheres.
A Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da
República (SPM-PR) foi representada pela secretária executiva Lourdes Maria
Bandeira. A secretária destacou o problema da pobreza que ainda atinge
duramente as mulheres, impendo-as de avançar socialmente.“Infelizmente ainda,
grande parte da pobreza está relacionada com as mulheres. Não só porque muitas
delas são chefes de família, como elas tiveram menor oportunidade de acesso à
escola, de acesso a serviços, direitos. É extremamente importante que esse tema
seja pautado por uma entidade significativa como a Cáritas”, disse.
O 1º dia do evento
Não mexe comigo, que eu não ando só, eu não ando só, eu não
ando só…” Foi com um chamado ao fortalecimento das mulheres em grupo,
utilizando versos conhecidos na voz de Maria Betânia, que teve início o
Seminário Internacional Mulheres, com um momento de mística e acolhida, no
Centro Cultural de Brasília, na manhã da quarta-feira, 15 de outubro.
Participantes, mulheres e homens, de várias partes do Brasil
e de outros países, como Espanha e França, partilharam experiências de luta em
pequenos grupos e, posteriormente, com todas as pessoas no auditório.
Tiveram destaque as lutas das mulheres negras, pescadoras,
camponesas, ciganas, catadoras, nordestinas, empobrecidas, em prostituídas,
educadoras, entre tantas outras em situação de invisibilidade social.
A programação da tarde teve início com uma mesa formada com
representações da Cáritas Brasileira (Anadete Gonçalves), Cáritas Espanha
(Francisco Cristobal), CNBB (dom Leonardo Ulrich), Secretaria Nacional de
políticas para Mulher (dra. Lourdes Maria Bndeira) e Secretaria Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional (Arnoldo Anacleto de Campos).
Para a vice-presidente da Cáritas Brasileira, Anadete
Gonçalves, “não é mais possível suportar a violência gritante sofrida pelas
mulheres. Esse quadro somente poderá ser mudado com a discussão de políticas
públicas concretas para a construção de um cenário diferente, de direitos e
respeito do universo feminino”.
Na sequência, aconteceu o colóquio de abertura com o Tema
Mulheres e o Cenário da Invisibilidade da Fome, Pobreza, Exploração e Tráfico
Humano, com as professoras Maria Lúcia Leal e Márcia Maria de Oliveira.
Maria Lúcia, pós-doutora pelo Programa Pós-colonialismos e
Cidadania Global do Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da
Universidade de Coimbra/Portugal, garante que a pobreza no país tem o rosto da
mulher negra. “As relações dentro das famílias alimentam as condições
inferiores as quais as mulheres são submetidas. Violência, sexo forçado,
obrigações com trabalhos domésticos, cuidados com enfermos, idosos e crianças
como funções não remuneradas, perpetuam essa realidade”, afirma a doutora, que
destaca que 93% do trabalho doméstico no Brasil é de ocupação feminina.
Para Márcia Maria, que falou sobre o cenário mundial do
tráfico e exploração sexual, há uma feminização da migração, principalmente
para a Europa. “A indústria internacional do sexo é a que mais cresce no mundo.
No recorte do continente europeu, essa indústria tem como principal fonte na
América Latina, as mulheres brasileiras, que são levadas, estrategicamente, com
outras promessas de trabalho, sendo depois inseridas nesse mercado”. Márcia
Maria é doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia.
A pesquisadora apresentou um curta-metragem de produção
cearense, “Vida Maria”, que retrata como as informações de inferiorização do
universo e trabalhos executados pelas mulheres, passam dentro das famílias, de
mãe para filha, geração a geração.
O público participou do debate trazendo questões
relacionadas à discussão de tantos agrupamentos sociais de representação
feminina, como as mulheres presas e as de baixo índice de escolaridade. Também
foi sugerida a produção de uma carta do evento, um documento oficial do
Seminário, que deve ser direcionada à Presidência da República, para a
concretização das discussões em políticas públicas sociais.
Um momento cultural encerrou o primeiro dia de evento. A
atriz e escritora Lilia Diniz apresentou-se ao público de cerca de 120 pessoas,
com repertório carregado de histórias características do universo das mulheres,
como Maria Maria, de Milton Nacimento e Teresinha de Jesus, canção de domínio
público da cultura popular.
Fonte: Agência Brasil
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