sábado, 16 de agosto de 2014

“Preciosas, bonitas e guerreiras” – empoderamento feminista das Pearls Negras

Pearls Negras (ou Pérolas Negras) são Jeniffer, Mariana e Alice, três meninas negras nascidas e criadas no Vidigal, favela do Rio de Janeiro, que se conheceram no grupo de teatro Nós do Morro, onde tiveram aulas de rima e conheceram a fundo o movimento hip hop.

 por Bianca Goncalves

Antes que se fale a respeito do fenômeno Pearls Negras, é necessário retomar a longa caminhada trilhada pelas mulheres dentro do hip hop no Brasil. “As mulheres sempre fizeram parte de todo o início do hip hop no Brasil e infelizmente não se tem dados precisos sobre suas participações, que se misturam com a história do início da carreira de muitos nomes conhecidos hoje em dia. O que temos hoje são retalhos. Pedaços de vivência que fazem parte das reportagens e de todo material bibliográfico encontrado que contam a história na visão masculina, pelo menos neste início do movimento” – é o que afirma Priscilla Vierros, jornalista e ativista da Frente Nacional de Mulheres no Hip Hop no livro Perifeminas.

De fato, a história do hip hop contou com inúmeras b girls, rappers, DJs e grafiteiras espalhadas por vários estados do país, que introduziram a linguagem do movimento em suas comunidades e consolidaram o Hip Hop no Brasil. Dina Di, Sharylaine, Lady Rap foram algumas das pioneiras do rap brasileiro e que dificilmente são lembradas no corre dessa trajetória. Isso porque a mulher que ousa cantar rap desafia a sociedade machista e acaba se deparando com o preconceito dentro do próprio movimento. Para tentar driblar o machismo e serem tratadas em pé de igualdade em relação aos homens, muitas garotas assumiram uma postura considerada masculinizada, utilizando vestimentas masculinas de modo a esconder suas formas físicas femininas.

As rappers também enfrentaram o machismo do mercado fonográfico, que exigia um rap feminino com uma batida mais “amena” e sem letra de protesto. Além disso, muitas delas precisaram interromper sua carreira por conta da maternidade, já que a música ainda não lhes garantia condição financeira compatível com suas necessidades. É por essas e outras que devemos considerar uma grande conquista o sucesso dessas três minas do Vidigal que reivindicam o “rap de saia”, falando sobre a vida na favela e reafirmando em suas letras a autoestima da quebrada e da mulher negra – e que está cada vez mais ganhando visibilidade internacionalmente.


Pearls Negras (ou Pérolas Negras) são Jeniffer, Mariana e Alice, três meninas negras nascidas e criadas no Vidigal, favela do Rio de Janeiro, que se conheceram no grupo de teatro Nós do Morro, onde tiveram aulas de rima e conheceram a fundo o movimento hip hop. Mais tarde, com o reconhecimento local, chamaram a atenção de produtores britânicos do selo independente Bolabo Records, gravando assim a primeira mixtape do conjunto, intitulada Biggie Apple. O Vidigal é ambiente constante em suas letras, que mesmo marcado pelo clima de insegurança e violência policial, é, como elas cantam em “Make it last”, o melhor lugar de se morar: apesar dos problemas que assolam as vielas, é ali que o trio encontra amor e amizade, ambiente que as constituíram artistas.

Além de conferir reconhecimento e visibilidade a sua quebrada, as Pérolas Negras também fazem referência aos protestos de 2013, politizam a temática e cobram aos (e às) governantes do país: “Mr. President” é provavelmente um dos primeiros raps em que tanto o denunciador quanto o denunciado da mensagem são mulheres: o povo protestando pelo bem desse país / por favor, sua presidenta, o que é que você diz?

A reivindicação pela autoestima periférica é também marcada pela questão feminista negra na medida em que as Pearls comemoram em suas letras o fato de serem mulheres negras da favela: “pretinha de ferro”, estilosa, sucesso na pista, que faz os meninos pirarem e as invejosas tremerem. Nesse contexto surge o tema do recalque, tão característico do rap e principalmente do funk feminino carioca.

Algumas feministas insistem em ler a ideia do recalque como perpetuação do discurso da rivalidade histórica entre mulheres, que nos coloca em posição de constante disputa e revanchismo. Porém, um ouvido mais atento consegue reconhecer que muitas vezes o recalque perpassa questões de raça e classe, pois o lado de lá da ponte têm cor e CEP: é branco e dos bairros da elite.

Historicamente, o rap sempre polarizou com aqueles que deslegitimam a poética da quebrada, aqueles que pertencem a mesma classe daqueles que os oprimem cotidianamente. Bastar ouvir, por exemplo, “Hey boy”, música dos Racionais MCs presente em seu disco de estreia “Holocausto Urbano”, em que eles mandam o papo reto para os playboys que querem colar com eles: hey boy,o que você está fazendo aqui / meu bairro não é seu lugar. E ainda demarcam o orgulho pela quebrada, assim como fazem as minas do Vidigal: (…) Não tenha dó de mim /porque esse é meu lugar/ mas eu o quero mesmo assim/ mesmo sendo o lado esquecido da cidade/ e bode expiatório de toda e qualquer mediocridade.

Na música “O futuro” das Pearls Negras, percebemos a tensão entre a mina da favela –“princesinha de aba reta” – e a recalcada faladora – “barbie falsa”. Ora, quem mais desempenha o papel dessa invejosa além da patricinha de classe média que se apropria culturalmente da estética hip hop? Sabemos que é treta demais para as classes dominantes assistir ao sucesso do rap e do funk, gêneros musicais do gueto, o que explica a predileção do mercado mainstream em lançar figuras embranquecidas, como a Anitta. Algo semelhante aconteceu na década de 1990, quando, no auge dos Racionais, a indústria fonográfica lançou Gabriel, o pensador, rosto branco e de classe média, com letras inofensivas e desprovidas da postura considerada agressiva do rap. Ainda, sobre o recalque, as Pérolas arrematam a letra com crescemos na favela e mandamos rimas concretas e sou negra, tenho beleza e mando meu flow. Empoderamento mil.

Resta-nos ainda compreender porque as Pearls Negras despertam mais o interesse do mercado gringo do que o da nossa mídia, que apesar de reconhecer e eleger boas figuras masculinas do rap que vieram da periferia, como Emicida e Criolo, é incapaz de fazer o mesmo com as minas. Felizmente a internet colaborou para transformar em parte a configuração do cenário do rap das minas, projetando vários nomes de talento do movimento que aos poucos ganham a cena do nosso mercado. Muita treta pros machistas de plantão.




Algumas fontes:


Fonte: http://blogueirasnegras.org/

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