Enquanto abundam os estudos sobre as conseqüências da
privação do cuidado materno, não é dito o bastante sobre os efeitos
devastadores da falta da figura paterna, que faz tanto ou mais vítimas que a
primeira.
Por: Maria Clara Lucchetti Bingemer
A história recente de nossa sociedade e civilização é
essencialmente a história da emancipação da humanidade, com respeito às
concepções patriarcais e autoritárias da vida e da sociedade. Nossa época é
aquela ao longo da qual acontecem batalhas por diversos tipos de libertação.
Entre estas está a libertação da autoridade paterna, considerada como opressora
e castradora.
Por outro lado, é fato que o
esquecimento dos filhos marca igualmente nossa época . Convivemos com
aumento assustador de crianças
abandonadas, meninos de rua, jovens separados dos pais. Em nossas sociedades os filhos são colocados fora de casa, longe
dos pais, apenas completados os 18 anos de idade, enquanto os pais velhos e
anciãos são abandonados em asilos ou casas de idosos. Tudo isso, a nosso ver está profundamente ligado com a crise da
imagem paterna, que tem sua raiz no afastamento de Deus-Pai, da paternidade
divina, uma vez que denuncia o enfraquecimento de nossas próprias raízes.
Enquanto abundam os estudos sobre as conseqüências da
privação do cuidado materno, não é dito o bastante sobre os efeitos
devastadores da falta da figura paterna, que faz tanto ou mais vítimas que a
primeira. Algumas doenças atuais como anorexia, bulimia, tóxico-dependência,
que dizimam as últimas gerações de
filhos, podem ser vinculadas diretamente – segundo os últimos estudos da
psicologia - ao vazio da figura paterna. Também o aprofundamento de fenômenos
tais como o neonazismo e outras formas de delinqüência juvenil reconduz à falta
de uma figura masculina positiva, ligada a uma paternidade forte. Pois estar
privado do pai – desde um ponto de vista humano e profundo - equivale a estar privado da espinha dorsal.
Nossa geração, portanto, a geração da emancipação sob todas
as formas, é ao mesmo tempo uma geração de filhos sem pai . Há ausência de pai
em termos terrenos e celestes, ou , em outras palavras, sociais e religiosos. O
vazio da figura paterna deixou caminho livre nas sociedades mais avançadas ao
crescimento deste subproduto que são as
seitas, substituindo as religiões tradicionais. A falta do pai nas instituições
de base, como a família, repercute na estrutura política, através do avanço dos
sistemas totalitários e de conexas figuras carismáticas, nas quais é legível, a
nível simbólico, a busca daqueles atributos paternos que são o ser juiz,
protetor, etc.
Três
metáforas descrevem com clareza a
ideologia da morte do pai, presente em nossa civilização: a) a metáfora da mão:
o trabalho, o provedor, o sustento; b) a metáfora da palavra: a narrativa, a
tradição, a verdade; c) a metáfora do lugar: o enraizamento no solo, a
identificação com a terra, com a paisagem, com a comunidade. Foi baseada nessas
três metáforas que a figura do pai educou tantas gerações de filhos
transmitindo a própria cultura. Era em nome do pai que se estabilizava a
continuidade da história. O fim da credibilidade do pai é visível na grande
incerteza do futuro e do passado que caracteriza nossa época. O enfraquecimento
das três palavras de ordem das metáforas paternas (o trabalho, o sentido de
identidade pessoal da descendência, o enraizamento num lugar específico) rompeu
a base que suportava as angústias existenciais das perguntas de onde viemos e
para onde vamos?
Se, por um lado, a crítica moderna à paternidade como
autoridade opressiva pode ter sua pertinência, por outro, certamente a
desaparição do pai deixa um vazio impreenchível na mente e no coração de nossos
contemporâneos. Superar a autoridade de um pai opressor hoje deveria ser,
então, em termos teológicos, recuperar o sentido e o significado mais autêntico
da paternidade de Deus, para além de todas as debilidades referentes,
simbólicas e litúrgicas. Para superar o mal-estar geral de uma cultura que vive
em curto circuito com os seus próprios fundamentos radicais, importa resgatar
as raízes bíblicas da revelação de Deus como Pai que se manifesta luminosamente
no Filho de Deus, Jesus Cristo.
Na verdade, enquanto celebramos o Dia dos Pais com mais um
frenesi de consumo estéril, seria talvez tempo de nos perguntarmos se a
verdadeira emancipação que nos deixará livres não será aquela que o Filho
pródigo descobriu quando voltou à casa do Pai, ao lar onde, por causa do amor
que aí reinava, a ordem não era nem de dominação, nem de liberdade anárquica,
mas somente de comunhão.
Fonte: Jornal do Brasil
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