Vítimas teriam ingerido sem saber bebidas alcoólicas
“batizadas” com remédios durante festas
Entre os casarões coloniais e as sinuosas montanhas de Ouro
Preto paira uma polêmica envolvendo as repúblicas estudantis. Mulheres
denunciam ter sido estupradas ou sofrido tentativa de violência sexual em casas
de estudantes da cidade e da vizinha Mariana.
Geralmente, o ambiente onde
ocorrem os crimes é o mesmo: as festas, com direito a muitas bebidas
alcoólicas. Seis entrevistados, com as identidades preservadas, relataram à
reportagem de O TEMPO situações de abuso e crime, de 2006 até 2014.
Dos casos relatados à reportagem, cinco deles citam o uso do
“batidão bolado” como facilitador do estupro. “É uma mistura de vodca com suco.
Quando está ‘bolado’, tem algum remédio. Mas não sei o que é”, diz uma das
vítimas. Ela foi abusada em um festa em 2009.
“Um dos meninos falou que ia fazer mais ‘batidão’ e outro
voltou com um copo. Tomei metade e apaguei. A ‘sorte’ é que eu era virgem.
Acordei no meio da noite, sem roupa, com muita dor, sentindo algo em cima de
mim. Era um menino tentando me estuprar”, relatou uma estudante estuprada em
2010, com 17 anos.
Outra garota conta que só percebeu que havia sido abusada
quando acordou e viu sangue em suas pernas. “Foi assim que perdi a virgindade”,
disse a universitária, vítima recente do crime. “Me gerou desconfiança, baixa
autoestima, afetou toda a minha vida sexual”.
Uma outra estudante, então com 21 anos, em 2010, disse ter
percebido “uma crosta branca no fundo do galão de ‘batidão’”. “Para não correr
risco, tomei cerveja. Mas, no terceiro copo, eu já estava muito alterada.
Percebi que serviam uma garrafa para as mulheres e outra para os homens. A partir
daí, só me lembro de flashes”, contou.
Questionado sobre a posição da república onde teriam
ocorrido alguns dos abusos relatados à reportagem, um morador da casa negou a
acusação com ironia. “Claro que repudiamos. Você não?”, retrucou.
Uma das semelhanças entre os relatos é o uso da “pílula do
dia seguinte”. “Por incrível que pareça, esses casos são comuns em Ouro Preto,
e a primeira providência das meninas é tomar a ‘pílula do dia seguinte’. No
Carnaval, teve até farmácia fazendo propaganda dessas pílulas”, conta uma
estudante da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), que pediu anonimato.
Internet. A discussão sobre os estupros em repúblicas de
Ouro Preto ganhou repercussão na internet nas últimas semanas após um blog
publicar um relato de uma mulher sobre tentativa de estupro que ela teria
sofrido na cidade histórica. No texto, a garota – que diz ser de São Paulo e
ter 26 anos – conta que, ao ficar embriagada, foi coagida por dois moradores de
uma das casas, que teriam tentado levá-la a um dos quartos para cometer estupro
coletivo. Segundo ela, um casal de amigos notou as intenções dos rapazes e
impediu o crime. A reportagem fez contato com os responsáveis pelo blog, que
não quiseram identificar a autora do texto.
Em nota, a república citada no blog negou as acusações e
disse que não recebeu nenhuma reclamação e que repudia a violência contra a
mulher. O texto afirma, ainda, que a notícia é caluniosa e que um advogado foi
acionado para tomar as medidas cabíveis contra os responsáveis pelo blog e os
que compartilharam a mensagem.
A Ufop afirmou que “repudia qualquer ato de violência ou
preconceito” e que, em nenhum momento, foi oficialmente comunicada “para que
pudesse tomar medidas preventivas, educativas ou iniciar processo administrativo”.
A Associação de Repúblicas Federais de Ouro Preto disse que “cabe às
autoridades investigar e punir os responsáveis pelos supostos casos” e que não
tem conhecimento de boletim de ocorrência feito contra morador de república
federal por violência sexual.
Fonte: O Tempo
Nota de Denúncia e Repúdio à tentativa de estupro coletivo cometida
por moradores da República Marragolo, da UFOP
O seguinte relato evidencia a tentativa de integrantes da
República Marragolo, da Universidade Federal de Ouro Preto, de estuprar coletivamente
uma companheira nossa, aproveitando-se para planejar o estupro diante do seu
então estado de vulnerabilidade, e os relatos de amig@s que estavam no local
corroboram as intenções e o plano de fazê-lo, que poderia ter se efetivado caso
ela não tivesse amparo de amig@s que perceberam a intenção violenta dos
moradores.
“Sou uma mulher, tenho 26 anos, sou feminista. Como tal,
considero que a mulher é equivalente ao homem, é ser emancipado, é dona de si e
do seu corpo, e não deve ser culpabilizada por nenhum ato ou ameaça que atente
contra sua integridade física e moral.
“Ela estava pedindo”, “ela mereceu”, “ela não se deu o
respeito”: existe uma cultura do estupro na sociedade. Estupro este, que pode
ser consolidado ou anteceder a isso, ser legitimado em juízos e rodas de
conversas misóginas. A mulher é culpada
do ponto de vista moral em praticamente todas as ocasiões, seja porque faz o
que deseja ou porque se considera que ela está incitando outros a quererem.
Sou de São Paulo. Era feriado de Corpus Christi, viajei para
Ouro Preto com um grupo de pessoas do cursinho no qual faço parte, e ficamos
hospedados em uma famosa República masculina da cidade, a República Marragolo.
Houve uma festa na República, bebi, fiquei visivelmente
alterada, passei mal, meus amigos estavam me ajudando. E entre risadinhas por
uma roda de homens, foi ouvido: “Deixa que a gente põe ela na nossa cama e a
gente cura lá”, segundo o relato de duas pessoas. A seguir, uma parte do relato deles na
íntegra, que foi enviado por email:
“Dois integrantes da república começaram a conversar do meu
lado e percebi que eles estavam falando de você. Aí resolvi prestar atenção no
que eles falavam, e um deles disse com essas palavras:
- Olha para **, ela está totalmente bêbada, tá muito fácil
para a gente levar para cama e nos revezarmos e comer ela, você não acha cara?
- É mesmo, essa noite a gente se dá bem, em.
- Vamos tentar levar ela para o meu quarto para a gente se
divertri com ela enquanto ela tá ”facinha”. Distrai os caras e tenta levar ela
pra lá.
Nessa hora eu avisei minha namorada sobre o que eles queriam
fazer. Aí nos levantamos e ficamos por perto impedindo eles de chegar perto de
você enquanto os professores tentavam ajudar você a ir para o quarto dos
professores.
Mas só que eles não desistiram e ficavam toda hora querendo
ter uma oportunidade para te pegar, mas eu e a *** combinamos de ficar de olho
em quem entrava no quarto, até que chegou um deles (integrante da república) e
perguntou por que não colocavam você no quarto dele para deitar na cama em vez
do colchonete no chão. Nessa hora a *** começou a discutir com ele, falando que
eles não tinham caráter, porque queriam se aproveitar de você. Ela começou a
xingá-lo e falou que eles não teriam essa ”sorte” que eles falavam que tinham
por você estar bêbada.”
Sim, um estupro coletivo estava sendo planejado. Fico
pensando quantas vezes isso não ocorreu com mulheres que ficaram bêbadas em
festas na República, e se de fato não foi consolidado um estupro com alguma
mulher, que talvez por vergonha de ter ficado bêbada, não os denunciaram.
Depois que deitei na cama, as pessoas que estavam comigo no
quarto (que não tinha trinca) disseram que por três vezes a porta foi aberta,
verificavam que tinha gente lá e fechavam a porta. Ou seja, a probabilidade
deles estarem indo lá para consolidar o que estavam confabulando
anteriormente.”
Esta nota tem o objetivo de expor esse caso de violência e
os homens que o perpetraram, de dar voz à vítima e, assim, dar forças a todas
as mulheres que são cotidianamente violentadas, assediadas e agredidas de
diversas formas. Expor estupradores e misóginos em geral é um ato político, que
demanda consciência, apoio e coragem de todas as mulheres, pois é por sermos
mulheres que sofremos esse tipo de violência. Nós, mulheres, somos cotidiana e
sistematicamente perseguidas, atacadas, objetificadas e socializadas para que
homens tenham acesso aos nossos corpos violentamente, e isso se torna
normalizado.
As linhas que configuram uma situação de violência contra a
mulher ficam borradas, e as vítimas, silenciadas. Em muitos casos, a própria
vítima não sabe que sofreu uma violência e se sente culpada e sem forças para
denunciar o que sofreu.
Não há consentimento em situação de vulnerabilidade, e esses
homens sabiam disso e fizeram de tudo para forçar o acesso ao corpo de uma
mulher, estuprá-la, e se organizaram para isso.
Não podemos permitir que isso ocorra e que estupradores
possam continuar a tentar violentar mulheres sem que nenhuma medida seja
tomada, sem que sejam expostos e execrados por suas ações, e vimos por meio desta nota repudiar
quaisquer violências, sexual, psicológica ou quaisquer meios que os homens
utilizem para coagir e submeter mulheres e deixamos claro que ESTUPRADORES NÃO
PASSARÃO!
Contra toda forma de machismo e misoginia nos levantaremos e
apoiaremos nossas companheiras!
Assinam a nota:
- Coletiva Feminista Radical Manas Chicas
- GARRa Feminista (Grupa Ação e Resistência Radical
Feminista)
- Marcha Mundial das Mulheres – Núcleo USP
- Frente Feminista de São José dos Campos
- Frente Feminista da USP
- Feminismo Sem Demagogia
- Coletivo Feminista Lélia Gonzalez
- Coletivo Feminista Trepadeiras
- Coletivo Trans*a USP
- RUA – Juventude Anticapitalista
- Coletivo Pr’Além dos Muros
- Juntas
- Coletivo Feminista Maria Bonita
- Coletivo Feminista Comuhna
Fonte: http://independentefatecsp.wordpress.com/2014/07/23/cultura-do-estupro-e-misoginia-nas-republicas-estudantis-da-universidade-federal-de-ouro-preto/
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