Em pleno século XXI, muitas
mulheres (jovens e também adultas) insistem em acreditar nos ‘príncipes
encantados’, por quê?
Vou ‘tentar’ explicar essa
pergunta, mas antes gostaria de mencionar uma frase que vi, não faz muito
tempo, em um site. A pergunta era mais ou menos assim: “Que mulher não sonha
com um homem rico, lindo, gentil e educado?”. Faltou sarado, né? E, no mesmo
site, dizia-se que “esse mocinho mexe com o imaginário das mulheres,
principalmente as mulheres de hoje, que tem vários papéis a desempenhar em um
mundo que cobra cada vez mais por resultados…” (!) Não entendi exatamente o que
uma coisa tem a ver com a outra, mas, deixa pra lá! Não vem ao caso.
Simone de Beauvoir afirmava que:
“tudo encoraja ainda a jovem a
esperar do ‘príncipe encantado’ fortuna e felicidade de preferência a tentar
sozinha uma difícil e incerta conquista… Os pais ainda educam suas filhas antes
com vista ao casamento do que favorecendo seu desenvolvimento pessoal. E elas
veem nisso tais vantagens, que o desejam elas próprias; e desse estado de
espírito resulta serem elas o mais das vezes menos especializadas, menos
solidamente formadas do que seus irmãos, e não se empenham integralmente em
suas profissões; desse modo, destinam-se a permanecer inferiores e o círculo
vicioso fecha-se… o trabalho é hoje uma corveia ingrata; para a mulher não é
essa tarefa compensada por uma conquista concreta de sua dignidade social, de
sua liberdade de costumes, de sua autonomia econômica; é natural que numerosas
operárias e empregadas só vejam no direito ao trabalho uma obrigação de que o
casamento as libertaria…” (BEAUVOIR, 1970, p.176)¹.
É difícil encontrar uma menina
que nunca tenha se maravilhado e brincado de princesa, que não tenha sonhado
com um príncipe encantado e um lindo castelo, que não tenha se fantasiado de
princesinha. Isso faz parte do imaginário infantil. O problema é quando isso
avança na idade… E as garotas continuam atrelando o feminino à docilidade, à
submissão e ainda se expondo a um ideal de beleza (da princesa) que, na grande
maioria das vezes, é impossível conseguir.
Naomi Wolf, em seu livro ‘O mito
da Beleza’, afirma que: “quanto mais numerosos foram os obstáculos legais e
materiais vencidos pelas mulheres, mais rígidas, pesadas e cruéis foram as
imagens da beleza feminina a nós impostas” (WOLF, 1992, p.11)². Ela afirma
ainda que a maioria das mulheres, mesmo trabalhando e sendo bem sucedidas, é
imersa em conceitos de beleza que promovem o ódio a si mesmas, obsessão com o
físico e pânico de envelhecer, através da reprodução de milhões de imagens do
que seria considerado ideal.
Além de tudo isso, penso que a
perpetuação da ‘princesa que espera pelo seu príncipe encantado’ é um método
cruel de apresentar o conservadorismo machista com uma ‘roupagem de encanto e
beleza’. É uma forma “astuciosa” (nem um pouco inocente) de retroceder no
tempo, onde a mulher, aquele ser submisso, ficava aguardando o seu
“super-herói”, o seu “príncipe” vir salvá-la da solidão, dos desencantos da
vida. Nada mais distante da realidade de outrora e do mundo moderno.
Fico até constrangida em ver
tanta gente “intelectual” pregando essa ideia de príncipes e princesas. Até
porque isso não existe na vida real. E parece até um contrassenso pensar que,
hoje em dia, a mulher que trabalha, estuda, dirige, faz tantas outras coisas e
que busca sua autonomia, está de alguma forma “aguardando por um príncipe”!
Também fico constrangida com
tantos pais “criando/tratando” suas filhas (sobretudo adolescentes) como
“princesas”, e em vez de educar, instruir essas garotas para que desenvolvam
seus próprios potenciais e consigam obter autonomia financeira e emocional, reforçam
a ideia de dependência que só as prejudicará no futuro, incentivam suas filhas
a buscarem um “príncipe encantado”, um “salvador”, que jamais existiu e nem
existirá.
É até compreensível que muitas
mulheres, independentemente da idade, associem a felicidade ao amor, mas é
imprescindível entender que para ser feliz não é necessário abrir mão dos seus
objetivos, da sua independência. Muito pelo contrário!
“Elas [as princesas] também
tinham lindos cabelos dourados, e Tiffany não. Seu cabelo era marrom,
simplesmente marrom. Sua mãe dizia que era castanho ou, às vezes, castanho
acobreado, mas Tiffany sabia que era marrom, marrom, marrom igual aos seus
olhos. Marrom como a terra. E o livro trazia alguma aventura pra quem tinha
olhos marrons e cabelo marrom? Não, não, não… só os loiros de olhos azuis e
ruivos de olhos verdes ficavam com as histórias. Quem tivesse cabelo marrom
provavelmente era um criado, lenhador ou algo assim. (…) Não poderia ser o
príncipe e nunca seria a princesa. Ela não queria ser o lenhador, então seria a
bruxa e saberia das coisas.” (PRATCHETT, 2010)³.
Referências:
¹ BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo – Fatos e Mitos. São
Paulo, Difusão Européia do Livro, 1970.
² WOLF, Naomi. O mito da beleza. como as imagens de beleza
são usadas contra as mulheres. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.
³ PRATCHETT, Terry. Os pequenos homens livres. Conrad do
Brasil, 2010.
+ Sobre o assunto:
[+] Reflexões de uma mãe feminista sobre a cultura das
princesas por Ludmila Pizarro.
[+] Feminismo e príncipes encantados: a representação
feminina nos filmes de princesa da Disney (.pdf) por Fernanda Cabanez Breder.
Autora
Janethe Fontes é escritora e tem, atualmente, 4 livros
publicados: Vítimas do Silêncio, Sentimento Fatal, Doce Perseguição e O Voo da
Fênix.
Fonte: Blogueiras Feministas
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