Até seu filho completar seis meses, Shirley Hilgert, 35,
tinha vergonha de dar mamadeira para ele em público. “Se alguém visse, já
perguntava: Por que você não dá o peito?’. Ele tem alergia alimentar e optei
pela fórmula de leite em pó, mas não adiantava explicar. Eu ficava péssima,
pensava que não era mãe o suficiente porque não amamentava meu filho.”
Juliana Freire Silveira, 34, pensou durante a gravidez toda
que teria um parto normal, mas na hora H teve uma complicação e acabou
decidindo por fazer cesariana. “Fiquei superchateada. Pensava: Por que não
consegui?”.
As duas histórias, além de ilustrar as muitas culpas da
maternidade, podem ser vistas como efeitos de um cenário mais amplo, em que a
concorrência entre mães e a pressão para ser “a mãe perfeita” criam uma lista
de exigências, a começar pela amamentação e o parto normal.
“A maternidade é muito idealizada. Há um discurso, que a
gente vê nos comerciais e na internet, de que é tudo lindo e fácil. A realidade
não é bem assim, tem muitas dificuldades”, afirma Juliana.
Ela criou, com a melhor amiga, Renata Calazans Pires, 34, o
blog “Just Real Moms” (apenas mães reais), que vai na direção oposta dos blogs
que retratam a maternidade cor-de-rosa.
Em um dos posts, chamado “10 Confissões de uma Mãe Real”,
elas contam que já deixaram os filhos sem tomar banho e sem escovar os dentes;
em outro texto, admitem que amamentar dói muito no começo.
“Recebemos comentários dizendo: Ufa, que alívio, não sou a
única a pensar/fazer isso’. Parece que as mães estão esperando que alguém diga
que a maternidade tem dificuldades. Quando enfrentam problemas, elas se culpam
e sentem vergonha de falar”, diz Renata.
LADO B
A pedagoga Nathália Nunes Cantanhede, 31, ficou surpresa ao
descobrir que amamentar era muito mais difícil do que ela pensava. “Achava que
era natural. Na TV tem aquelas propagandas lindas de artistas amamentando com
cara de rica.”
Não foi bem assim. Apesar de conseguir dar de mamar, seu
filho não ganhava muito peso. “Um pediatra disse que eu tinha 15 dias para
engordar meu filho, senão teríamos que dar fórmula. Isso me bloqueou. As
pessoas falavam: Nossa, ele está magrinho’. É pressão de todo lado. E quanto
mais pressionada eu era, mais tinha dificuldade.”
De fato, a ansiedade e o medo de não conseguir amamentar
podem barrar a produção de leite, segundo o pediatra Leonardo Posternak, do
Instituto da Família. Para ele, o estímulo à amamentação corre o risco de cair
no radicalismo e, em vez de incentivar, atrapalhar.
“Anos atrás vi uma propaganda que passava a seguinte ideia:
Ame seu filho oferecendo seu leite’. Muitas mulheres ficaram deprimidas, as
grávidas tinham medo de não conseguir amamentar. É evidente que o aleitamento
materno tem de ser estimulado, mas isso não pode oprimir as mulheres”, afirma.
Para o pediatra Luciano Borges Santiago, da Sociedade
Brasileira de Pediatra, o problema não são as campanhas, mas a patrulha. “Não
podemos ser os xiitas da amamentação e penalizar a mãe. Isso acontece às vezes.
Mas para mim o principal problema ainda é o inverso: a pressão para usar
fórmula, dar mamadeira e chupeta. Muitos médicos receitam fórmula
desnecessariamente.”
O mesmo pensa a pedagoga Simone de Carvalho, fundadora do
grupo de apoio Aleitamento Materno Solidário. Segundo ela, as campanhas ou o
ativismo pró-amamentação não podem ser responsabilizados por criar uma pressão
sobre as mães.
“Os grupos estão do lado das mães, fornecendo apoio e
informação com embasamento científico”, diz.
Para Antonio Fernandes Lages, da Febrasgo (Federação
Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), o problema é o
incentivo sem apoio.
“Nossa sociedade faz campanhas, mas, muitas vezes, não dá o
apoio necessário quando as dificuldades surgem. Pelo menos 10% das mulheres não
vão conseguir amamentar. E de 15% a 20% dos partos serão cesariana.”
Nada pode mudar isso. Mas a forma como isso vai ser
encarado, sim. “A mãe não pode ser a única responsabilizada. Ela precisa ser
respeitada e respaldada”, diz.
Fonte: Folha de São Paulo
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