Dois terços dos inquéritos abertos pela Polícia Federal são
relacionados à exploração de pessoas. Lei brasileira, porém, não contempla uma
série de modalidades do crime, que acaba muitas vezes impune.
Dois terços dos inquéritos instaurados pela Polícia Federal
são relacionados ao tráfico de pessoas. Apesar disso, as punições são brandas
quando não inexistentes por falta de uma legislação completa e rigorosa. A
avaliação é resultado do trabalho de quase dois anos da CPI do Tráfico de
Pessoas da Câmara dos Deputados, que apresentou o relatório final na última
semana. A inadequação legal leva à falta de punição severa, e a sensação de
impunidade acaba prevalecendo.
De acordo com o Código Penal atual, o tráfico de pessoas é
punido com penas menos graves, por exemplo, que o tráfico de drogas, como se a
droga fosse mais valorizada que a pessoa, e isso deve ser revertido, alerta o
conselheiro Guilherme Calmon, presidente do Grupo de Trabalho da Cooperação
Jurídica Internacional do Conselho Nacional de Justiça, em entrevista à DW.
Nacionalmente, o estado de Goiás lidera o ranking desse
crime, com 18,6% dos casos nos últimos dez anos. São Paulo é o segundo
colocado, com 12,8% dos casos. Os casos mais frequentes são tráfico para fins
de exploração sexual (79%), seguida do trabalho forçado (18%), sendo as
mulheres as maiores vítimas.
Leis mais rigorosas
Após depoimentos, análise de casos e da legislação, a CPI
identificou que apenas as modalidades de tráfico para fins de prostituição e de
crianças e adolescentes estão de acordo com o padrão internacional definido
pelo Protocolo de Palermo (convenção internacional assinada pelo Brasil que dá
diretrizes para enfrentamento do problema).
Para adequar as leis nacionais ao que define a Convenção,
foi instalada na Câmara uma comissão especial que vai sistematizar as propostas
do projeto de lei já em tramitação que pretende deixar mais severas as
punições. Entre as leis que deverão sofrer alterações estão o Estatuto da
Criança e do Adolescente, e a Lei de Crimes Hediondos.
Vários textos serão alterados, dando uma abrangência maior
para o conceito, reconhecendo as outras modalidades do tráfico de pessoas, que
até então não são reconhecidas pela nossa legislação, e também aumentando as
penas, dando a ele [a esse conceito] a gravidade que ele merece ter, explicou a
relatora da CPI, deputada Flávia Morais, em entrevista à DW.
Segundo a deputada, entre os crimes que não estão
tipificados corretamente estão adoção clandestina, tráfico de órgãos e tráfico
para trabalhos forçados ou em condições análogas à escravidão. Modalidades mais
recentes também causam preocupação, como a situação de meninos que saem do país
com promessas falsas de contratos em times de futebol no exterior.
Impunidade
Sem as leis adequadas, muitos casos caem em um vácuo de
impunidade quando chegam ao Judiciário. A legislação brasileira está
desatualizada: seja em relação a modalidades do tráfico de pessoas que hoje já
são praticadas e foram identificadas e não recebem ainda um tratamento adequado
na legislação; seja em relação à própria penalização, comenta Guilherme Calmon.
O conselheiro do Conselho Nacional de Justiça diz que os
crimes não se enquadram no direito penal e, portanto, não são tratados como
crime ou são enquadrados em tipos mais brandos, com penas muito baixas. Isso
acaba gerando sensação de impunidade.
Como resultado, o país se torna um local propício à prática
do crime. É necessário um aumento razoável das penas do tráfico de pessoas para
valorizar o que é mais importante na nossa sociedade, que é a pessoa humana.
Prevenção e
assistência
Além da atualização legislativa, as atualizações também
devem ocorrer nas redes de assistência às vítimas. Atualmente, o Ministério da
Justiça coordena o plano nacional de enfrentamento ao tráfico de pessoas que,
entre outras atividades, supervisiona a atuação de núcleos de prevenção e
atendimento estaduais e municipais.
A política [de enfrentamento a esse crime] teve uma forte
ênfase na estruturação de um aparato administrativo que desse conta de um
serviço público novo, que até então não existia, explicou à DW o secretário
Nacional de Justiça, Paulo Abrão, ao comentar as ações implementadas desde
2013, quando o Plano Nacional iniciou a segunda fase.
Ele menciona parcerias com meios de comunicação e entidades
como a CNBB que lançou campanhas contra essa modalidade de crime este ano como
importantes ferramentas de prevenção e conscientização. No âmbito da cooperação
internacional, o Brasil está em negociação com outros membros do Mercosul para
nortear as políticas regionais comuns sobre o tema.
Trabalho escravo:
mais rigidez
Aprovada no Senado na quarta-feira passada (27/05), a
Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Trabalho Escravo determina a
expropriação de imóveis onde se identifique a presença desse crime.
Segundo a lei, os terrenos ou imóveis rurais e urbanos serão
expropriados e destinados à reforma agrária e a programas de habitação popular,
sem qualquer indenização ao proprietário que foi condenado, em sentença
transitada em julgado, ou seja, quando não houver mais possibilidade de
recurso.
A possibilidade de decretar a pena da perda de bem é mais
uma ferramenta [para combater o trabalho escravo], avaliou o procurador -geral
do Trabalho, Luís Camargo, em entrevista à DW no ano passado, quando a proposta
voltou à pauta do Congresso.
Alguns parlamentares, entretanto, têm demonstrado o medo de
a medida ser recebida com alarde pelos setores produtivos do país. Por isso,
outra lei está em processo de votação no Senado para definir o procedimento de
expropriação e a definição de trabalho escravo que será usada nessas
condenações.
Fonte: www.opovo.com.br
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