"Com certeza, Fortaleza é conhecida pelas belas praias,
sol o ano todo e, infelizmente, pelo turismo sexual que propaga para o resto do
mundo. E, por conta desses megaeventos, que muitos turistas chegam a cidade,
não se pode negar que se vende além das passagens e das hospedagens, dos
passeios, os corpos das mulheres e das meninas", diz a advogada Daniella
Alencar.
Segundo ela, "a preocupação do Poder Público hoje é
enfeitar a cidade e tentar concluir o que não foi concluído no que diz respeito
às obras físicas. (...) Não se vê na cidade uma campanha institucional para o
enfrentamento da exploração sexual ou aliciamento de mulheres durante o período
da copa".
Ela acentua que apesar de não haver uma prevenção em relação
ao tráfico de mulheres, há uma preocupação social em torno da questão,
"tendo em vista que o grande público que virá para assistir aos jogos da
copa do mundo são homens. E aquele tripé desastroso que coloca a mulher como
sendo meramente integrante dos desejos lascivos do homem (mulher, cerveja e
futebol) passa a ser uma realidade". E acrescenta: "Além disso, as
cidades-sede passam por uma experiência de estado de exceção... Alguns regramentos
sociais ficarão suspensos nesse período, basta perceber que foi decretado
feriado nas cidades em dias de jogos".
Daniella Alencar é bacharel em Ciências Jurídicas pela
Universidade de Fortaleza e militante feminista da Associação Frida Kahlo do
Ceará.
IHU On-Line - Qual é a situação do tráfico de mulheres no
Brasil? Quais são as rotas em que o tráfico é recorrente?
Daniella Alencar - O Tráfico de mulheres no Brasil é um
crime cometido rotineiramente nos grandes centros, no entanto a apuração da
responsabilização ainda não conseguiu ser efetiva. O Brasil é signatário do
Protocolo de Palermo de 2003, porém a nossa legislação penal somente considera
o Tráfico para fins de exploração sexual, desconsiderando a outras modalidades.
As rotas de destino mais recorrentes são das da Europa (Itália, Espanha,
Holanda, Portugal).
IHU On-Line - Qual é o perfil das mulheres traficadas e
sexualmente exploradas no Ceará e dos abusadores?
Daniella Alencar - Não existe um “perfil” de mulher que pode
ser vítima de tráfico, isto porque, muitas vezes as mulheres “compram” o sonho
de uma vida melhor e caem na rede de exploração e do tráfico. Entretanto,
podemos dizer que, na maioria das vezes, as mulheres que se encontram em
situação de tráfico são as que tem menor poder aquisitivo, sobretudo as
mulheres negras e as que já trabalham no mercado do sexo. Os abusadores,
aliciadores, exploradores, também não se apresentam com um perfil fechado, pode
ser o estrangeiro, o motorista de táxi, o segurança do hotel ou mesmo outra
mulher que passou por uma situação de tráfico. É cruel dizer, mas, muitas
vezes, a mulher vítima de tráfico, por naturalizar a violência que sofreu, se
ilude em pensar que a situação que passou enquanto traficada era melhor do que
a realidade que vivia no seu país.
IHU On-Line - Houve exploração sexual de mulheres e tráfico
durante o processo de preparação da Copa, próximo às obras da Copa e durante a
Copa das Confederações, nos estádios?
Daniella Alencar - Ainda não temos dados/números de quantas
mulheres entraram ou foram aliciadas nesses períodos, porém, tendo em vista a
visão mercantilista do corpo das mulheres, que só aumenta e é reproduzida,
diariamente, com certeza esse “legado” da copa nós já garantimos. Nas Copas da
Alemanha e da África do Sul, algumas ONGs realizaram estudos que identificaram
crescimento na exploração sexual e tráfico de mulheres.
IHU On-Line - Há uma preocupação de que o tráfico de
mulheres possa aumentar durante o mês da Copa do Mundo. Quais são as
implicações da Copa para o tráfico e exploração de mulheres?
Daniella Alencar - Há sim uma preocupação, tendo em vista
que o grande público que virá para assistir aos jogos da copa do mundo são
homens. E aquele tripé desastroso que coloca a mulher como sendo meramente
integrante dos desejos lascivos do homem (mulher, cerveja e futebol) passa a
ser uma realidade. Além disso, as cidades-sede passam por uma experiência de
estado de exceção. Alguns regramentos sociais ficarão suspensos nesse período,
basta perceber que foi decretado feriado nas cidades em dias de jogos.
IHU On-Line - Em recente entrevista à IHU On-Line, a
professora Magnólia Said comentou que há diversas casas de prostituição em
áreas nobres de Fortaleza. Percebe, nesse sentido, uma indução à exploração
sexual na cidade e, especialmente, durante a Copa?
Daniella Alencar - Com certeza, Fortaleza é conhecida pelas
belas praias, sol o ano todo e, infelizmente, pelo turismo sexual que propaga
para o resto do mundo. E, por conta desses megaeventos, que muitos turistas
chegam a cidade, não se pode negar que se vende além das passagens e das
hospedagens, dos passeios, os corpos das mulheres e das meninas.
IHU On-Line - Fortaleza é uma das 241 rotas de tráfico
interno e internacional para fins de exploração sexual. Há uma tensão na cidade
por conta da possibilidade de aumentar o tráfico de mulheres? Como essa questão
tem sido tratada na cidade e no estado de modo geral?
Daniella Alencar - Bom, existem dois lados nesse
questionamento. O Poder Público, tem tido uma postura tímida para o
enfrentamento ao tráfico, especificamente no período da Copa. Não se vê na
cidade uma campanha institucional para o enfrentamento da exploração sexual ou
aliciamento de mulheres durante o período da copa. De outra parte, os
movimentos de mulheres têm se empenhado em realizar debates, campanhas, vídeos,
rodas de conversa com as mulheres no sentido de conscientização sobre a questão
do tráfico e a exploração sexual.
IHU On-Line - Existem campanhas no Norte e Nordeste do país
no sentido de chamar a atenção para os crimes de tráfico de mulheres e turismo
sexual? Como o Estado do Ceará tem se organizado tendo em vista o fato de o tráfico
e a exploração sexual poderem aumentar durante o período da Copa?
Daniella Alencar - Não se vê por parte do Poder Público
nenhuma força tarefa que seja para o enfrentamento a essa questão e isso é
muito cruel. A preocupação do Poder Público hoje é enfeitar a cidade e tentar
concluir o que não foi concluído no que diz respeito às obras físicas.
Fonte: Ihu
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