Prostitutas modernas agora participam de fóruns especializados em que
postam comentários sobre clientes e fazem programas em troca de resenhas
positivas no site.
por Karin Hueck
Beijo na boca é coisa do passado. As prostitutas modernas
fazem coisas muito mais escandalosas: fofocam sobre clientes, dispensam
cafetões e topam programas em troca de resenhas positivas em fóruns virtuais. É
a prostituição nos tempos da internet.
Todos os dias, Amandinho acessa a internet. Liga o MSN e entra em seu fórum de
discussão favorito. Passa os olhos pelos tópicos mais recentes - Tati
Safadinha, Angelina Ex-Marianna, Fê Gatinha - e escolhe o que mais o atrai.
Dentro dos tópicos, ele lê relatos detalhados dos serviços que procura. Ele
está navegando em um fórum de prostituição, no qual dezenas de milhares de
homens pesquisam e comparam preços e serviços de prostitutas de todo o país.
Amandinho é o que o site chama de "graduado", um usuário frequente
que não só lê as resenhas das meninas, como também contribui com experiências
próprias (só ele já fez críticas detalhadas de 109 meninas diferentes nos
últimos três anos). Holandês de 46 anos, Amandinho (que teve seu nome trocado)
é um empresário de sucesso que contrata garotas de programa todos os dias.
"Às vezes mais de uma, às vezes duas ou três instantâneo", explica.
Para cultivar toda essa variedade diária, ele não precisa sair para a rua ou se
expor em casas de striptease - ele simplesmente liga o computador, escolhe a
prostituta que mais lhe atrai - loira? morena? jovem? -, combina o preço pelo
telefone e tem o "serviço" entregue em casa. "Nunca mais li um
anúncio de jornal", diz. Sim, não foram só as indústrias da música e do cinema
que ficaram de ponta-cabeça depois da internet. A indústria do sexo também se
reinventou. Afinal, nada melhor do que um mundo anônimo, instantâneo e
impessoal como a internet para promover uma atividade tão marginal quanto a
prostituição.
Poucas coisas se adaptam tão bem às novas tecnologias como o mercado do sexo. O
primeiro filme pornográfico foi produzido em 1895, no mesmo ano em que o cinema
foi inventado. Foi a pornografia, também, que popularizou o uso do VHS na
década de 70, pois a concorrente da VHS proibia a gravação de filmes eróticos.
Não é difícil imaginar que a prostituição tenha invadido a internet assim que
ela foi criada. O difícil é calcular o crescimento dessa indústria nos últimos
anos - afinal, blogs mudam de nome, sites são abandonados, novas e velhas
profissionais entram e saem do mercado - mas os americanos têm um número
aproximado para essa tendência. Sudhir Venkatesh é um sociólogo da Universidade
Columbia que durante 10 anos analisou a prostituição em Nova York. De acordo
com sua pesquisa, em 2003, em 83% dos casos as garotas de programa encontravam
clientes no tradicional tête-à-tête: em bares e hotéis, clubes de striptease ou
por meio de agências de prostituição intermediadas por cafetões. Em 2008, esse
número havia caído para 57%. E, pasmem, já na época, em 25% dos casos as
meninas conseguiam clientes por meio do Facebook. Hoje, Venkatesh calcula que
83% das profissionais angariem clientes pelo Facebook - e que a rede social se
transforme, ainda em 2011, no maior serviço de prostituição online do mundo.
No Brasil, não é muito diferente. Orkut, Twitter e blogs viraram o cartão de
visita das garotas de programa e deixam bem claro os serviços que cada uma
fornece ("beijo na boca: sim; oral sem camisinha: sim; anal: não").
Em termos práticos, a internet facilitou o trabalho das prostitutas. Sem
intermediários, quando elas negociam diretamente com os clientes, ficam também
com todo o dinheiro para si - cafetões e agentes costumam embolsar no mínimo
50% do cachê das meninas. Algumas aceitam até pagamento em cartão de crédito.
"Tive que me adequar à realidade. Além de dinheiro, o cliente pode pagar
com cartão na internet, podendo parcelar. Facilidade pra ele e para mim",
explica Alexia Champagne, uma acompanhante de São Paulo que cobra R$ 250 por
hora. Por não passarem mais as noites nas ruas em busca de clientes, as garotas
de programa da internet também sofrem menos agressões: 50% a menos, de acordo
com uma pesquisa americana. E, não raro, essas prostitutas free-lancer são mais
seletivas para escolher os clientes. Muitas conversam antes com o interessado
pelo MSN ou trocam gentilezas pelo Twitter.
Amanda Marques, de 33 anos, faz parte de uma geração de garotas de programa que
nunca precisou ir até a esquina para trabalhar. Desde que decidiu entrar na profissão,
há dois anos, ela vende seus serviços pela internet. Primeiro, por meio de
cafetões virtuais - agentes que atuam dentro de salas de bate-papo e agem como
olheiros, indicando as iniciantes para clientes específicos. Depois, como
"independente", com blog próprio. Hoje, ela cobra R$ 200 a hora e diz
tirar até R$ 15 mil por mês. "Vejo como um negócio próprio, um estilo de
trabalho norte-americano, onde determino metas e me organizo de modo prático e
seguro na minha casa. Eu que determino meus horários", diz Amanda. Esse
"estilo de trabalho norte-americano" só é possível graças à internet
- e nos últimos anos. É só pensar em como esse mundo mudou rapidamente. A mais
famosa expoente da prostituição na internet no Brasil é Bruna Surfistinha, que
ficou conhecida graças a um blog que descrevia o dia a dia de seu trabalho e
que virou filme este mês. Bruna se tornou garota de programa em 2001, mas teve
de começar a carreira do modo tradicional: oferecendo seus serviços a uma casa
de prostituição. Em 10 anos, muito mudou.
No boca a boca
29/07 - 15:04 Assunto: Bruna Ninfeta
Alguém tem informações sobre a menina? Preço, tempo e TDs
anteriores?
20/08 - 13:51 RE: Bruna Ninfeta
Voltou a fazer programa esta semana. Cachê de R$ 300,00. Tel segue.
14/11 - 09:07 RE: Bruna Ninfeta
Comparsas, tive a oportunidade de estar com essa menina faz uns 3 meses. Achei
que ela tá caidaça, ou seja, gorda mesmo, mas trabalha muito bem. Aí é vocês
que sabem o que fazer.
27/01 - 11:31 RE: Bruna Ninfeta
Alguém conseguiu falar com ela? Ligo e cai na caixa postal. Se ela for
realmente do jeito que falam, vou realizar meu maior sonho de consumo!
É assim, analisando a mercadoria, que os usuários dos fóruns de discussão de
prostituição discutem os detalhes (tamanho, cheiro, cor) das meninas e dão
dicas e pechinchas das mais indicadas. Só assim, dizem eles, é possível ter
certeza de que estão contratando as garotas que mais combinam com seus gostos.
A lógica é a mesma dos sites de compra online: o interessado tem à disposição
dezenas de resenhas para comparar preços, serviços e ofertas. E, caso a menina
seja "mau negócio", já evita o contato.
"Tem que ter uma certa malícia, não dá pra acreditar em tudo que está
postado", diz o bancário de Campinas Márcio, que há 3 anos frequenta os
fóruns. Ele, Amandinho, do começo desta reportagem, e muitos outros dizem já
terem sido enganados por TDs (test
drives, primeiro programa com uma garota) falsos. Geralmente, são resenhas escritas pelas próprias
meninas para se promover, ou fotos que não correspondem à realidade. De acordo
com um estudo americano, 22,4% das fotos de prostitutas online não retratam as
meninas de verdade.
As enganações, no entanto, também acontecem para o lado das garotas de
programa: muitas vezes, elas são abordadas por homens que não pagam pelo
programa, que aparecem drogados ou, pior, que são violentos. Em um dos casos
mais famosos, Dave Elms, fundador do site The Erotic Review, o maior fórum de
prostituição americano, foi pego extorquindo sexo de prostitutas para evitar a
publicação de críticas ruins em seu site. Elms acabou preso. Por isso, é comum
também que as garotas de programa troquem informações sobre clientes
indesejados em tópicos voltados especialmente para elas e aos quais só elas têm
acesso. Às vezes, a queimação é mais pública e elas colocam nome, telefone e
e-mail dos homens caloteiros em seus sites e blogs. Mas, de um modo geral, as
resenhas nos sites são aprovadas pelas garotas de programa: quanto mais
críticas positivas recebem, mais trabalho elas conseguem. Algumas organizam até
mesmo promoções - dão desconto para o cliente que prometer fazer um comentário
elogioso na internet. O tradicional boca a boca (sem trocadilhos) continua
imbatível, só que agora está na internet. A prostituição, na verdade, se
apropriou de todas as vantagens da internet (troca de informações, sites
colaborativos) para lucrar.
Luis Rocha é um físico brasileiro da Universidade Umea, no norte da Suécia. Ele
queria entender o padrão de propagação de doenças sexualmente transmissíveis e,
para tanto, resolveu estudar os comentários de usuários de um fórum de
prostituição brasileiro (embora ele não revele qual). O fórum é o campo de
estudo ideal para isso: é o único lugar público no qual pessoas voluntariamente
descrevem com detalhes seus hábitos sexuais, o que, em qualquer outro ambiente,
seria considerado constrangedor.
Primeiro, o físico confirmou, com estatísticas, o efeito "bola de
neve" dos fóruns: quanto mais bem avaliada é a menina, mais clientes ela
consegue angariar. "Observamos também que as garotas de mais sucesso no
site oferecem uma maior diversidade de serviços sexuais", conclui Rocha.
Acontece que os serviços mais procurados na prostituição (sexo oral sem
camisinha, sexo anal) são justamente os hábitos sexuais mais arriscados. Ou seja,
as prostitutas mais bem avaliadas - e, por consequência, com mais clientes -
são as que arriscam mais a sua saúde. E é aí que mora o perigo. A descoberta do
brasileiro é assustadora. "Embora a rede sexual tenha mais de 16 000
pessoas espalhadas por todo Brasil, em média, é necessária apenas uma sequência
de 6 pessoas para conectar quaisquer dois indivíduos na rede", diz Luis
Rocha. Em outras palavras, se uma garota de programa com vasta clientela em
Recife tiver uma DST, são poucos os graus que separam um homem do Rio Grande do
Sul de se contaminar com a mesma doença.
Ainda assim, a internet trouxe mais vantagens do que desvantagens para as
garotas de programa que se sustentam online. Até mesmo um relatório de uma
empresa de consultoria americana, a Compass Lexecon, concluiu que a internet
acarretou mais segurança e prosperidade para as prostitutas - isso em um país
onde a compra e venda de sexo é proibida por lei! E foi a internet, aliás, que
permitiu também que essa reportagem existisse. Foi só por meio do MSN, dos
e-mails e de mensagens de fórum que as garotas de programa e os clientes
toparam conversar com a SUPER. Não vai ter o que as faça voltar para as ruas.
Fonte: super.abril.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário