Ela entra na escola e suscita a inquietação de muitos
cristãos: o que devemos pensar da teoria de gênero?
La Vie dá a palavra
ao historiador Anthony Favier e ao filósofo Michel Boyancé, cujas opiniões são
divergentes. A reportagem é de Joséphine Bataille e publicada no sítio da
revista francesa La Vie, 23-03-2014. A tradução é de André Langer.
Anthony Favier: “Ter um corpo tem um significado”
É possível repensar o gênero numa perspectiva cristã? Esta é
a convicção do historiador Anthony Favier, que é historiador e estuda as noções
de gênero no blog penser-le-genre-catholique.over-blog.com Ele também colaborou
no n. 29 da revista Réseaux des Parvis intitulada 'O gênero em todos os seus
estados – cristãs e cristãos se interrogam' (coletiva).
Eis a entrevista.
A perspectiva de gênero vai contra a antropologia cristã?
Os católicos tendem a defender o caráter natural das
relações sociais, porque, para eles, a ideia de natureza ainda é um princípio
estruturante. Portanto, entre os cristãos, estamos longe de ter a relação com o
gênero mais naturalista que seja. Os homens que se tornam padres não cumprem
sua vocação biológica de serem pais; e a castidade e a continência sempre foram
valorizadas, às vezes mais do que o casamento. Os católicos acreditam na
superioridade da graça, poderosa transformadora de Deus, sobre a natureza e que
tudo está dado de início (o homem tem uma história com Deus). Como as ideias de
democracia ou de evolucionismo foram aculturadas à tradição cristã, o
catolicismo aguarda hoje pelas teologias que lhe permitirão aculturar os
conceitos de gênero a partir da sua própria tradição. Como está acontecendo nos
países anglo-saxões com Elizabeth Stuart ou Gerard Loughlin...
Por que a Igreja católica deveria se interessar pela questão
de gênero?
O corpo de Cristo ressuscitado carrega em si mesmo o
masculino e o feminino. Parece-me que uma religião que convida para caminhar
para o horizonte da ressurreição, onde seremos de alguma maneira além do homem
e da mulher, deve se interrogar sobre o gênero. Ora, avançou-se nesse terreno e
a Igreja católica encontra-se diante de linhas de fratura quando continua a ser
um dos raros grupos em que o sexo entranha fortes consequências sociais: o
catolicismo aborda a questão dos ministérios em linha com o sexo biológico e
recusa a homossexualidade. Não se deve ter medo das ciências humanas, nem de
reler sua própria tradição à luz dos sinais dos tempos aos quais remetem, sem
dúvida, hoje, as pessoas homossexuais ou transgêneros. Sem tomar partido, à luz
do Evangelho.
Michel Boyancé: “Ter um corpo tem um significado”
Segundo o filósofo Michel Boyancé, não pode haver igualdade
sem diferença sexual. Michel Boyancé é o decano das Faculdades Livres de
Filosofia e de Psicologia, de Paris. É um dos autores da obra coletiva
Éducation à l’âge du ‘gender’, Salvator.
“Nós estamos nos albores de algo novo. Não se trata de ter
medo, mas de colocar os desafios, porque, a partir desta distinção entre sexo e
identidade sexual (o gênero), há uma escolha de sociedade a fazer. O pensamento
queer, interpretação radical da desconstrução da identidade sexual, promete uma
indiferenciação sexual radical. Certamente, há nesses jogos de papéis uma parte
de teatralidade. Mas por trás disso, há uma questão de fundo: o sentido dado à
igualdade. No século XIX, fundou-se o código jurídico sobre a biologia; hoje,
por um retorno do pêndulo, procura-se suprimir qualquer referência ao corpo, a
fim de satisfazer as demandas em matéria de igualdade. Não passamos de um
cientismo a outro! A identidade nunca é desencarnada. As relações de dominação
desaparecerão quando formos educados para a diferença ou quando tivermos
suprimido a diferença? Não há igualdade sem diferença sexual, feminismo sem
mulheres.
Eu me situo na tradição filosófica do personalismo cristão,
que busca um caminho de equilíbrio entre espiritualidade e corporalidade,
pensando sua unidade profunda. Nossa época não reduz mais o homem ao seu corpo;
o que não quer dizer que os processos biológicos sejam indiferentes na
construção da identidade simbólica. Esta se baseia sobre um dado que tem
sentido – o corpo –, deixa aquilo que em seguida se afasta de seu significado
para viver de outra forma. Os corpos do homem e da mulher são significativos em
sua capacidade de gerar uma criança; o fato de que a mulher carrega em si esta
capacidade tem sentido para ela, para a criança e para o homem. Se muitos
papéis sociais são intercambiáveis, na procriação são diferentes. É esta
questão que permanece central, e, com ela, a questão da filiação. A filiação a
partir de um homem e uma mulher não tem o mesmo sentido que uma filiação
indiferenciada. Os desafios do debate são muito importantes em matéria de
educação. O que diremos às crianças sobre o corpo? Não as ensinaremos em
primeiro lugar a entender o que lhes é dado, antes de procurar seu próprio
caminho de liberdade?”
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