Especialista relaciona cultura do país com violação de
direitos de crianças e adolescentes
Os dados são chocantes: o Brasil é o 10º país no
fornecimento de pessoas para o tráfico humano. 90% de quem responde por abuso
sexual são conhecidos das vítimas. Em primeiro lugar na lista dos abusadores,
está o pai. Também é a família quem mais incentiva o trabalho infantil, pois
pode ter um retorno financeiro com a exploração ilegal.
Apesar da boa notícia da redução das taxas de trabalho
infantil no Brasil, a integrante da coordenação colegiada do Programa de Ações
Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil
no Território Brasileiro (PAIR), no qual atua desde o começo, Beth Campos chama
a atenção para a necessidade de a sociedade conhecer o tema e enfrentá-lo.
Brasil de Fato - Como é o contexto hoje do trabalho infantil no país e
como ele é enfrentado?
Beth Campos - O trabalho infantil é proibido no Brasil. É
permitido para os maiores de 16 anos e
para os maiores de 14 apenas como trabalho protegido, mas poucas empresas estão
capacitadas para isso. A prostituição, apesar de não ser proibida no Brasil,
não é permitida para menores de 18 anos, porque se considera que o jovem não
tem capacidade de escolher essa profissão. A boa notícia é que o trabalho
infantil vem sendo erradicado no Brasil. O país é signatário do Pacto 182, que
se compromete a erradicar todas as piores formas de trabalho infantil, que são
os insalubres, noturnos e perigosos, entre os quais está a exploração sexual.
Na América do Sul, foi o país que mais diminuiu a incidência desse tipo de
exploração.
Como a sociedade pode atuar?
Não remunerando o trabalho infantil. Quando a sociedade
remunera a prática, está sendo cúmplice de um crime, de uma violação do direito
da criança. Muitas vezes são os pais que mandam os filhos trabalharem e os
proíbem de voltar pra casa antes de terem uma certa quantia, normalmente R$ 50.
Os programas de enfrentamento repassam cerca de R$ 40 por mês para uma família
que tenha alguém em situação de trabalho infantil. Então é uma competição muito
desigual. Muitos pais pensam: ‘pra que ganhar R$ 40 por mês se dá pra tirar R$
50 por dia?’ Essa é uma visão histórica e um problema transgeracional: o pai, o
avô, o bisavô, todos trabalharam, todos foram para a rua, mendigaram. É uma
questão histórica, cultural.
Como a história do país interfere nessa realidade?
O Brasil foi o último país do mundo a abolir a escravidão.
As crianças filhas dos escravos serviam aos patrões, eram consideradas objetos.
Serviam até para sua lascívia, seus desejos sexuais. A exploração sexual também
é uma questão transgeracional, começa normalmente com um abuso dentro da
família. Isso vem da nossa história, desde a colonização. É histórica a
subjugação da mulher negra, da mulher índia e dos povos que serviam aos brancos
em todos os sentidos, inclusive na cama. Essa exploração é histórica, cultural,
étnica, racial. Todas essas características colocam o Brasil como 10º país no
fornecimento de pessoas para o tráfico humano, principalmente de mulheres,
entre 15 e 25 anos. Esse tipo de tráfico é o terceiro negócio ilícito mais
lucrativo do mundo. Por isso é muito importante a Campanha da Fraternidade de
2014, que tem como tema o tráfico humano, para jogar luz a essas questões.
Qual o perfil das vítimas desse tipo de exploração?
É quase o mesmo perfil no Brasil todo: jovens e carentes.
Hoje, 30, 31% da população brasileira tem menos de 18 anos. Dessa população -
cerca de 60 milhões de pessoas - 55,7% estão na linha de pobreza, ou seja, têm
uma renda per capita familiar de meio salário mínimo. Essa é a grande vulnerabilidade,
porque essa população, quase 30 milhões de brasileiros, tem um sonho de
projeção social, que pode se dar através de casamento com uma pessoa de outra
classe. Agora, estamos recebendo a Copa do Mundo, que vai trazer cerca de 600
mil turistas estrangeiros, 83% homens, 60% solteiros, com alta renda, que vêm
em busca do futebol, mas também de sexo. Portanto, nós vamos ter dois desejos
que vão se encontrar: uma população jovem, carente, pobre, disposta a tudo para
mudar de vida e ascender socialmente, e uma população masculina mais rica,
sendo uma parte ligada ao tráfico humano.
No caso dos abusos sexuais, quem é o agressor?
Cerca de 90% de quem responde por crime de abuso sexual é
alguém conhecido da criança. Há uma cumplicidade dentro de casa. Em primeiro
lugar na lista dos agressores está o pai, em segundo o padrasto, e em terceiro,
a mãe. Justamente aqueles que têm o dever de proteção. Mas 90% é alguém
conhecido: um parente, um vizinho, um amigo da família. A partir daí, sua
autoestima é destroçada. E muitas vezes a pessoa abusada parte para a
exploração sexual e acha que está ganhando com isso. Como ela saiu de uma
violação interna, opressora, ela acha que agora pode escolher e que está
recebendo algo por aquilo, sendo paga. Ela não consegue se ver como uma pessoa
explorada. Nem a pessoa que está sendo traficada acha que está sendo explorada.
Porque o que lhe é ofertado pode parecer melhor do que ela tinha em casa. Por
isso é preciso conscientizar as pessoas de que isso existe. Estamos com um megaevento
nas nossas portas e esse tipo de crime pode
e provavelmente vai aumentar. Então tem que aumentar nosso alerta, nossa
ação para que as crianças e adolescentes sejam protagonistas de suas histórias
e não se deixem iludir por propostas violentas como essas.
Denuncie:
Se você vir algum tipo de exploração do trabalho infantil ou
de abuso sexual, disque 100 ou 0800 0311119
Fonte: Brasil de Fato
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