Uma cena da novela Em família, exibida na última
segunda-feira (31), tem gerado burburinho entre os telespectadores. O episódio
em que a personagem Neidinha (Jéssica Barbosa) sofre um estupro coletivo pegou
muita gente de surpresa, embora o autor da trama, Manoel Carlos, já tenha
mostrado inclinação por abordar a violência contra a mulher em seus enredos
(vide Mulheres apaixonadas).
No última segunda-feira (10), uma cena de estupro coletivo
foi exibida na novela "Em Família", gerando uma onda de comentários
aturdidos diante do terror que, para muitos, chegou sem aviso. Manoel Carlos,
autor da nova novela, parece ter uma predileção por abordar a violência contra
a mulher em seus enredos. No entanto, apesar de suas alegadas boas intenções, a
mais recente personagem a experimentar a realidade da misoginia não causa
otimismo a quem já debate questões como estupro e aborto.
A desconfiança que parte das ativistas feministas e de
outros aliados na luta contra o machismo acontece porque, ao contrário do que
Manoel Carlos defende, o caso de estupro não terá um desfecho socialmente
responsável. Acontece que a mulher estuprada, Neidinha, engravidará do estupro,
manterá o feto e, anos depois, precisará lidar com sua filha em busca do
"pai". Embora seja garantia da lei brasileira, mulheres que
engravidaram devido a estupro encontram uma dificuldade enorme na hora de
conseguir efetivar o aborto com segurança e auxílio do SUS. Há incontáveis
casos em que mulheres negras e pobres são obrigadas a dar continuidade à
gestação, sendo intimidadas e pressionadas por equipes de saúde e religiosos de
sua comunidade.
Neidinha também é mulher negra, mais uma que é retratada de
forma negativa, dentro de um contexto revoltante – e o seu estupro tem alguns
pontos pelos quais devemos, no mínimo, refletir com seriedade. Um deles é a
classificação indicativa da novela, pois "Em Família" foi
categorizada como não recomendada para menores de 12 anos, limite que indica
insinuações de sexo e alguns tipos de violência. No entanto, quando o assunto é
estupro, a classificação sobe para 16 anos.
O estupro não é qualquer violência. Não é a toa que tantos
filmes são amplamente reconhecidos como "muito pesados" por mostrarem
cenas detalhadas de estupro. O que Neidinha sofreu na Globo foi verdadeiramente
perturbador – os gritos podiam ser ouvidos de longe e suas expressões faciais
causaram extremo mal estar em milhares de pessoas ao redor do país. Ainda mais
triste são os diversos relatos de mulheres vítimas de estupro, que foram pegas
de surpresa pelo capítulo e tiveram que lidar com uma carga pesada de estresse
pós-traumático, lembranças terríveis e sofrimento emocional.
Se Manoel Carlos é contrário ao aborto em casos de estupro,
deveria, no mínimo, pensar no público que assiste às suas novelas. O desserviço
que ele está fazendo é gritante. A realidade em nada se parece com a fantasia
romantizada que pretende exibir, pois o desfecho feliz da criança gerada por um
estupro, que cresce fazendo aulas de violino em um lar equilibrado,
simplesmente não é fato social com estatísticas palpáveis. Mas talvez o autor
se lembre de outra personagem sua, vítima de violência doméstica, interpretada
por Helena Ranaldi: Raquel, da antiga novela "Mulheres Apaixonadas",
apanhou durante meses até que tomasse coragem de fazer a denúncia. Na mesma
semana, as delegacias registraram um aumento de 25% no número de mulheres que
procuraram as autoridades para denunciar seus agressores. Lamentavelmente,
Neidinha não servirá de exemplo para que vítimas de estupro se sintam empoderadas
e tenham coragem para denunciar, pelo contrário, até mesmo o direito
conquistado de interromper a gravidez é negligenciado. É uma grande
irrresponsabilidade social não informar às mulheres a respeito de seus direitos
de forma honesta.
O fato é que não podemos ignorar o poder que as novelas
possuem sobre a audiência; o povo assiste, comenta, copia gírias e roupas e se
inspira nessas tramas para enfrentar também os seus próprios desafios diários.
Além de fazer com que uma quantidade enorme de mulheres assistam cenas
inadequadas, extremamente violentas, ainda precisamosnos atentar para a
perpetuação da misoginia, pois o caso de Neidinha gera também um teor agressivo
de culpabilização da vítima. Pouquíssimas mulheres conseguem reunir a coragem
para denunciar o estupro sofrido e solicitar o aborto – legal e gratuito – para
não ter um filho indesejado. É inaceitável que tantas mulheres continuem a
reviver seus traumas sem que sequer recebam algum auxílio. A naturalização da
violência sexual é um problema severo que a novela "Em Família"
continua a perpetuar.
Fonte: Revista Forum
Um comentário:
O estupro praticado contra tantas mulheres nos nossos dias é ,de fato um crime execrável.Todavia, o direito à vida deve prevalecer.
A mesma sociedade que produz o estuprador está mergulhada numa ideologia hedonista fomentada pelos apelos do capitalismo.
As facilidades tecnológicas deformam a noção de realidade.Ninguém precisa sofrer ou passar trabalho.A vara de condão da ciência está aí para carregar os fardos para as pessoas.Assim, para quê ter um filho indesejado, vítima de uma violência? Para quê sofrer não é mesmo? Quanta ingenuidade.
Que"admirável mundo novo".
O embrião também é humano ou não é?
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