Pierre vive na França. Em um dia de calor, andando de
bicicleta, decide desabotoar o topo da camisa. Ao parar no semáforo, uma mulher
o provoca. Ele não dá atenção: “Pensa que eu não te vi rebolando pra mim”, diz
a garota, irritada. Pierre foge correndo.
O simpático e gordinho Pierre é o personagem principal do
curta-metragem francês Maioria Oprimida. Com dez minutos de duração, o filme
propõe um exercício de imaginação para discutir um problema sério. Em um mundo
fictício, as mulheres assumiram hábitos e discursos masculinos. Pierre e seus
amigos, por sua vez, são alvo de cantadas, ofensas e outras violências, como as
mulheres nas ruas do nosso mundo real.
Os amigos de Pierre são obrigados a se depilar – porque as esposas
preferem o rosto liso - cuidam das crianças enquanto elas trabalham e são
desrespeitados pelas vizinhas de apartamento. Há menos de uma semana no ar, a
versão com legendas em inglês já foi vista mais de dois milhões de vezes.
O curta é obra da diretora francesa Eléonore Pourriat.
Atriz, diretora e roteirista, Pourriat produz trabalhos sobretudo para a TV
francesa. Lançou o curta há cinco anos, sem grande sucesso. O filme ganhou um
prêmio em um festival em Kieve, sem provocar
alarde. Começou a chamar real atenção agora: “Meu filme faz sucesso
agora por que certos direitos estão ameaçados. É como uma maré negra”, disse a
diretora ao jornal britânico The Guardian. “As mulheres na França, e não só na
França, sentem que o sexismo já durou tempo de mais”, afirmou em entrevista ao
jornal The Independent.
As cantadas ofendem
O vídeo de Pourriat começa irônico, e até bem-humorado. Mas
não foi feito para provocar riso. Poucos quarteirões depois da provocação no
semáforo, Pierre é acuado em um beco deserto.
É violentado por um grupo de garotas. Na delegacia, as policiais põem em
dúvida seu depoimento: “Em plena luz do dia, e sem nenhuma testemunha...”.
Quando se queixa da sociedade matriarcal em que vive, acaba brigando com a
esposa, que já não suporta suas “bobagens masculinistas”: “Olha só para a
maneira como você se veste”, ela responde.
Encadeados em uma sequência de poucos minutos, esses
acontecimentos podem fazer a história soar exagerada. Não é. Violência, física
ou verbal, é algo que faz parte do cotidiano de milhões de mulheres, no Brasil
e no resto do mundo. Aqui, segundo dados
do Fórum de Segurança Pública, o número de estupros ultrapassa o de homicídios.
Em uma pesquisa realizada pelo site Think Olga e publicada por Época em 2013,
99% das mais de 8 mil mulheres que responderam disseram já ter sofrido algum
tipo de constrangimento – como uma cantada – ao andar nas ruas. Aquilo que pode
soar como um elogio para alguns homens, tem efeito inverso. Constrange, causa
raiva e medo.
O sucesso do filme chamou atenção para a diretora,
entrevistada por importantes jornais. Mas desagradou muita gente: ao The
Guardian, Pourriat contou que, desde que o vídeo viralizou, passou a receber
mensagens ofensivas e ameaçadoras. Um blogueiro francês riu do filme e disse
que adoraria viver em uma realidade como aquela, sendo constantemente assediado
por mulheres. Pourriat não se importou e continua a trabalhar. Prepara um novo
filme, dessa vez sobre depilação íntima feminina. Por meio da ficção, tenta
demonstrar o absurdo da violência cotidiana contra mulheres. Tão corriqueira
que parece mentira.
Fonte: Revista Epoca
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