Por Tania Navarro Swain
...A questão crucial é a demanda, é a lei da falocracia que se
impõe mais uma vez, pois os benefícios são apenas para os homens, enquanto
proxenetas ou clientes.
As mulheres em estado de prostituição não terão um melhor
status social com uma legalização enquanto “profissão”. Mas o opróbrio
indelével que acompanha a prostituição não se derrama sobre os clientes. Estão
ao abrigo da condescendência social, fruto de um pacto “entre homens”, que
transforma as mulheres em presa e objeto sexual.
A prostituição é um dos elementos do sistema de controle e
de dominação das mulheres. Quando uma parte da população feminina é destinada à
utilização sexual pelos homens e institucionalizada enquanto “trabalho”, o
destino das mulheres em geral é reafirmado: submetidas e assujeitadas, em seu
conjunto, à ordem do pênis, do pai, do patriarcado.
A prostituição não se refere, portanto, a uma problemática
individual, mas diz respeito a um
sistema que impõe a vontade do masculino sobre o conjunto do feminino,
assim definido pela sexualidade. A prostituição é uma questão de controle, onde
o binário heterossexual se constrói, se afirma e se enraíza.
Há uma proposição simplista, ingênua ou de má fé que
apresenta a prostituição como resultado de uma escolha, de um exercício de
liberdade . Apaga-se assim todo o mecanismo de exploração e redução das
mulheres a seus corpos, cavidades a serem preenchidas pelo assujeitamento ou pela força. Assim desaparece toda uma
literatura feminista que analisa os aspectos materiais e simbólicos do
“direito” dado aos homens de possuir e transformar as mulheres em objeto de
desfrute.
A liberdade na prostituição é simplesmente a liberdade dos
homens de exercer seu poder sobre as mulheres, de impor seu sexo e sua lei. A
prostituição das mulheres é, no imaginário patriarcal, um dado “natural”, da
mesma maneira que a maternidade seria um destino “natural”, proposições que
conduzem, ambas, à elementar transformação de seres humanos em nstrumentos para
benefício dos homens: elas terão SEUS FILHOS e lhes darão SEU prazer.
A imagem de mulher em estado de prostituição derrama-se
sobre todas as mulheres como corpos disponíveis ao desejo sexual e ao desejo de
dominação que habita os homens. É assim que as guerras trazem o estupro como
recompensa aos guerreiros triunfantes; da mesma forma, o pacto masculino reza
que, uma mulher sem a companhia de um homem não pode ser livre de seus
movimentos e da escolha de seus caminhos sem ter sobre ela a ameaça do estupro.
“A mais velha profissão do mundo” [1] é uma frase tantas
vezes repetida, porém sem qualquer resíduo histórico; tem entretanto, em sua
propagação, o papel de justificativa para a existência da venda e da compra de
mulheres, como algo que “sempre foi assim”.
Mas em história, nada é dado de modo universal, pois a multiplicidade do
humano torna tudo possível, nada fixo, permanente, incontornável.
Assim, a venda de mulheres com fins sexuais é construída
historicamente e não é um dado de “natureza”, antinômico com a dinâmica do
social.[2]. Mas tudo se passa no discurso e nas análises recorrentes como se a
prostituição fosse um “mal necessário”, condenada mas tolerada, tendo em vista
as “necessidades” dos homens. Deste modo, os “clientes” não são nunca postos em
questão, pois considera-se que tem o direito implícito e inalienável sobre os
corpos das mulheres.
Liberdade
É interessante observar a contradição de um masculino que se
arvora o detentor exclusivo da “razão” e entretanto, quando é de seu interesse,
se declara possuído pelas injunções do “instinto sexual” e suas “necessidades”.
“Haverá sempre a prostituição”, dizem eles, para mais uma
vez justificar suas pulsões sob o pretexto de liberdade de escolha das
mulheres. É preciso ser muito ingênua(o) para não perceber uma inversão de
termos: não é a liberdade das mulheres para se prostituir da qual de fala, mas
da liberdade dos homens de prostituí-las.
Que liberdade é esta, das mulheres em estado de
prostituição? Seus corpos não tem mais integridade, são decompostas em partes
mais ou menos desejáveis; seu psiquismo não existe, tudo se passa como se estas
mulheres estivessem ausentes de sua materialidade para suportar a invasão de
seus corpos.
Esta ‘liberdade” de
escolha pode – tudo é possível – ser exercida por mulheres, extremamente raras,
que consentem em ser tratadas como dejetos ou vasos sanitários Ou que apenas
afirmam sua escolha e desejam a denominação “profissão” para criar um semblante
da dignidade, que lhes é negada no simbólico na materialidade social.
Deste modo, quando uma mulher em estado de prostituição se
vangloria de sua “profissão” pergunto-me em que abismo de infortúnio ela se
encontra para reivindicar o “direito” de ser uma latrina. Não há necessidade de
ser Freud para compreender que tenta constituir uma importância, uma afirmação
psicológica para não cair ainda mais baixo na escala das coisas, da mercadoria
mais desvalorizada simbolicamente. Pois o humano finda quando se torna apenas
orifício para satisfazer a bestialidade de outrem.
Mas não se pode utilizar
este argumento – a escolha- para defender a prostituição enquanto
“trabalho” já que não passa de uma instituição da sociedade patriarcal, criada
exclusivamente para o deleite sexual dos homens. De fato, há uma falsa polemica
neste sentido, e o que a provoca é a profunda incompetência de se imaginar as
condições de vida das mulheres em estado de prostituição e de compreender as estruturas
do patriarcado que aí se constroem e perpetuam.
Não se pode ser feministas e apoiar a prostituição , pois os
feminismos agem e lutam para a promoção das mulheres, para aumentar sua
auto-estima, sua independência, para assegurar que se tornem sujeitos
políticos.
Não se pode, sobretudo, confundir a profissionalização da
prostituição com esta promoção. Ao contrário, isto é um estímulo para o tráfico
das mulheres e meninas – nossas filhas – para satisfazer os desejos infectos e
sobretudo o desejo de poder masculino, sobre a metade da humanidade. Pois, como
sabemos “não se nasce mulher” e da mesma maneira não se escolhe o estado de
prostituição, mas sim a ele se é levada pela força, pela violência ou pelo
assujeitamento às injunções sociais perversas, como o incesto, o abuso, a
droga, o estupro, a pobreza, a ameaça, o assédio, a impotência diante de um
sistema esmagador.
Há como uma espécie de aura em torno da prostituição, como
uma atração em relação à decadência, à abjeção quando feministas afirmam “ é
uma profissão”. É uma das formas mais insidiosas do assujeitamento, esta
que aprova e encoraja a prostituição das
mulheres sob o pretexto de “liberdade”. Como se pode justificar a compra e a
venda de corpos humanos se não estamos falando de escravidão?
As mulheres em estado de prostituição tornam-se simplesmente
sexos, não seres humanos. É esta a definição deste “trabalho”, desta
“profissão”? Abandonar a totalidade de seu corpo para tornar-se dele apenas uma
parte? É no sexo que o patriarcado
pretende definir as mulheres, é no sexo que decide manter todo um contingente
de mulheres para utiliza-las a seu bel prazer. E simbolicamente, todas seriam
suscetíveis de apropriação masculina.
Qual o progresso na situação das mulheres no social quando
se aceita o direito dos “clientes” sobre aquelas que prostituem?
Nos « matadouros » , assim chamados os bordéis de Marselha,
Jeanne Cordelier, ali prostituída, denuncia aponta uma média obrigatória de 80
“clientes” por dia. [3] Como classificar a sordidez destes homens que fazem
fila para penetrar um corpo tantas vezes maltratado, ultrajado, doente de
aviltamento? Como classificar estes homens que se juntam em três, seis, dez
para estuprar mulheres, meninas, adolescentes? Não é bestialidade pois os
animais não fazem isto.
A prostituição é de fato um sistema criado para entregar aos homens e às suas perversões e
violências, mulheres que se tornam apenas corpos materiais, sem sentimentos,
sem emoções, sem dignidade, sem nada que possa sugerir a idéia de um ser livre.
Liberdade, o bem mais precioso do humano , não pode conter
uma submissão a todos os desejos de outrem por um pagamento, pois os corpos não
são bens à serem vendidos, alugado, consumidos. Isto é escravidão.
A reivindicação “meu corpo me pertence”, adágio básico da
agenda feminista é assim desviada, com
efeito, para servir à Ordem do Pênis, do macho;
em vez de libertar, a prostituição acorrenta as mulheres a um
corpo-buraco, a humores, torna-as
mercadoria, materialidade bruta para satisfazer o desejo do poder
masculino.Pois comprar e chafurdar sobre o corpo de alguém não é um prazer
sexual, é um prazer de dominação, um ato que marca a superioridade e o poder.
Se eles tem uma mulher em face, a transformam em coisa, em carne a ser
consumida.
Auxiliar as mulheres em estado de prostituição a dele sair é
um dos primeiros pontos de ação feminista, mas defender e sustentar o sistema
prostitucional é , de fato, se tornar cúmplice da exploração e da abjeção do
feminino. Que não venham me dizer – e é preciso expor com todas as letras – que
fazer felações ou abrir as pernas para qualquer indivíduo é um trabalho, uma
profissão. Poderiam , senhoras “feministas” recomendar esta promissora
“carreira” a suas filhas?
A aceitação da prostituição enquanto dado da sociedade e não
como uma paroxística exploração masculina é fazer uma aliança com os proxenetas
e os traficantes, aliança que esconde a violência das relações sociais, na
compra de um corpo de mulher. Quando estas “feministas engajadas” passarão a
receber dividendos do sistema prostitucional, já que o incentivam?
São as correntes da vida num sistema implacável que levaram
as mulheres à prostituição; em sua absoluta maioria, estas mulheres em estado
de prostituição foram a ele conduzidas pelos estupros familiares, pelo abandono
social, pelas violências repetidas, pela droga, por uma pobreza sem
perspectivas, pelo abuso e a brutalidade . Não é se “profissionalizando” que
estas mulheres poderão quebrar os grilhões deste mecanismo perverso de
decomposição de seres humanos em partes desfrutáveis. Não procurem convencer,
senhoras, que uma menina que se vende na beira da estrada escolheu este
caminho, de perigo e aviltamento. Isto é ridículo, insensível, desumano.
É bem mais cômodo
simplesmente aventar a “escolha”, a “liberdade” e fechar os olhos para o
sistema patriarcal que cria a prostituta e faz dela um ser execrável
socialmente.
Por outro lado,
existem milhões de mulheres e meninas que foram traficadas, compradas, violentadas
dezenas de vezes antes de se dobrar à prostituição. Contra sua vontade, muito
além de sequer um sopro de liberdade. A escolha aí seja talvez a submissão ou a
morte. Tudo isto parece ser esquecido na “polêmica” sobre a prostituição. De
fato, as “feministas” que se declaram pró-prostituição são partícipes deste
grande bazar de carne humana.
Assim, a prostituição é uma questão de liberdade, mas dos
homens, de usar mulheres como lhes apetece, em qualquer circunstância e em suas
fantasias brutais. O perigo desta atividade é evidente, pois as mulheres em
estados de prostituição são presas por excelência à todos os excessos e crimes
e arriscam diariamente suas vidas.
A prostituição- trabalho – e nunca é demais repeti-lo – é o
direito concedido aos homens de dispor das mulheres sob o beneplácito social da
agora denominada “profissão” e sob a bandeira da “liberdade” de escolha.
Clientes
Comprar alguém é um
ato desprezível.
Por oportuno, é preciso assinalar a falta de estudos e
análises sobre o “cliente”, que de fato, é todo e qualquer homem, o pai, o
irmão, o vizinho, o primo, o namorado, o marido de todas as “femininas” de
plantão para defender a prostituição. O manifesto dos “343 salauds” [4]
publicado em 2013 na França para defender o direito dos homens de usufruir da
prostituição não deixa nenhuma ambigüidade: “ não mexa com minha puta” dizem
eles, minha propriedade, meu DIREITO de macho de evacuar meus humores e minhas
perversidades sobre outrem.
O “cliente” faz parte do grupo dominante, portanto, seu
papel na constituição do mercado de corpos não é posto em questão. É seu
DIREITO, é SUA liberdade de dispor das mulheres segundo seu desejo. A Suécia
ousou desmontar o jogo: os “clientes” passaram a ser penalizados em sua busca
por sexo comprável e a prostituição deste país caiu bruscamente.
A França, após uma áspera polêmica gerada pelos mídia sobre
os direitos dos “clientes” adotou, em fins 2013 uma multa a ser aplicada a eles
“clientes” no mercado do sexo. Se a demanda encolhe é claro que a oferta e logo,
o tráfico de mulheres será reduzido ou finalizado.
Ainda uma vez, à quem interessa a prostituição? A quem
interessa o aviltamento, o infortúnio, o abuso, os estupros, a carne oferecida
aos pagantes, seja qual for sua aparência, sua higiene, suas perversões?
Os homens ousam dizer que “ elas poderiam até gostar disto”!
O que espanta é que este tipo de discurso não seja despejado no lixo da
sociedade, mas que ainda faça manchetes !
O sub-entendido é que os « clientes » não tem nenhuma
responsabilidade sobre o mercado de oferta e procura dos corpos das mulheres, é
evidente, não? O que impede o estupro coletivo ou individual de uma jovem
mulher já que isto pode fazer dela uma boa prostituta, e talvez, “gostar
disto”? Ouve-se muitas vezes que em caso de estupro, o melhor é “ relaxar e
gozar”! No Brasil quase 5 estupros por hora foram registrados em 2014![5]
É uma fantasia recorrente dos homens e pode-se isto
constatar nos mídia: elas gostam “disto”, elas gostam de ser maltratadas,
surradas, elas gostam da violência, da brutalidade, da rudeza, elas adoram se
prostituir! As jovens que se contorcionam nuas nas telas, que se enrolam em
postes, patéticos símbolos de virilidade, que se arrastam pelas calçadas, com
sorrisos amarelos e corpos fatigados, é esta a imagem da liberdade dos homens a
produzi-las enquanto prostitutas.
De fato, no imaginário masculino, o pênis é o centro do
universo e quem ousaria negar-lhe sua importância? Quem ousaria negar-lhe a
liberdade de comprar, vender, possuir, tomar, se a sociedade lhes oferece
corpos e interina suas pulsões? Os bordéis para os “clientes” são locais de
relaxamento, de delícias lascivas, de corpos oferecidos à vontade, do exercício
irrestrito de sua liberdade masculina. E é assim que a literatura, o cinema, a
televisão, os mídia em geral retomam o tema ( ver por ex. Jorge Amado). É
sempre o ponto de vista do “cliente” que interessa, pois, é claro, as mulheres
estão lá por “adorar isto” ou em todo caso, foram feitas para “isto’.
E tudo gira em volta do sexo, e as mulheres são
transformadas em sexo e o gênero feminino
é reduzido à abjeção, em proveito da lei do pênis, do pai incestuoso, do
patriarcado vitorios sobre as cinzas de
um feminismo cúmplice, feito de ignorância e servilismo às injunções
masculinas.
Colette Guilaumin (1992) [6] explicita que nas sociedades
patriarcais as mulheres não tem um sexo, elas SÃO um sexo e um sexo não pode
possuir a si mesmo. Logo, são os homens, que possuem um sexo – o verdadeiro – a
prazerosa tarefa de domina-las a seu serviço.
Foucault (1976) analisou os mecanismos de valorização e
construção do sexo enquanto eixo da vida, fonte de identidade maior. Mostra
como se cria uma representação histórica do sexo e da sexualidade que adquire
um núcleo de materialidade em sua repetição infatigável. Diz ele:
« De fato, trata-se da própria produção da sexualidade.
Esta, não deve ser concebida como uma espécie de dado da natureza que o poder
tentaria domar, ou como um domínio obscuro que o saber tentaria, aos poucos
desvendar. É o nome que se pode dar a um dispositivo histórico: não realidade
profunda sobre a qual se exerceriam posições difíceis, mas uma grande rede de
superfície onde a estimulação dos corpos, a intensificação dos prazeres, a
incitação ao discurso, a formação das consciências, o reforço dos controles e
das resistências se encadeariam uns aos outros, segundo algumas grandes
estratégias de saber e de poder. [7]
É. A noção de dispositivo da sexualidade explicita a
historicidade dos fatos e gestos humanos, portanto da multiplicidade das
relações humanas que não tem leis universais, nem essência ou natureza
incontornáveis. O dispositivo da sexualidade em ação que mostra, em sua
historicidade, a constituição da importância e do valor desmesurados outorgados
ao sexo e à sexualidade – novos eixos do universo
O humano se constrói e se desfaz e assim tudo que é humano
pode igualmente ser desconstruído e transformado. A “natureza” e suas leis são
categorias criadas para melhor justificar a dominação e seu único ponto de
apoio é uma crença fanática em divindades, verdades positivistas, afirmações
cuja substancia se encontra unicamente em sua enunciação e repetição. Ou seja,
vazias.
Assim como o dispositivo cria o sexo, o patriarcado cria os
gêneros, o binário hierárquico, a inferioridade das mulheres, a existência de
uma pulsão sexual masculina que “necessita” ter à sua disposição um contingente
variável de mulheres. Este “mal necessário” se implanta e se naturaliza na
prostituição das mulheres, canal de absorção da lubricidade masculina. Criada,
porém execrável socialmente, a prostituição é desejável e aceitável neste
mecanismo apodrecido de justificação que sustenta o “cliente”. Finalmente, é sua
“natureza”, seu DIREITO.
Ouve-se com freqüência que o casamento é também uma espécie
de prostituição. São, evidentemente duas instituições patriarcais, submetidas
porém à historicidade na amplitude de suas significações sociais e de seus
limites / deveres/ restrições / normas reguladoras, práticas sociais.
O casamento é uma instituição restritiva no ocidente, é uma
violação dos direitos das mulheres nos países onde as uniões são forçadas ou as
mulheres vendidas, geralmente meninas. É um dos pilares do patriarcado e seu
objetivo confesso é a procriação e a posse, em um quadro normativo de
heterossexualidade compulsória. [8]
Por outro lado, a prostituição, igualmente dotada de
historicidade, é igualmente um dos fundamentos do patriarcado, que divide o
feminino em “verdadeiras mulheres” – esposas e mães – e as outras, ligadas à
depravação e à LIBERDADE DOS HOMENS
Entre casamento e prostituição o paralelo é sua
característica básica de sustentar as bases do patriarcado, logo, de servir ao
masculino, de estar à sua disposição. Se o casamento permite toda forma de
violência no âmbito privado, a prostituição carrega além disto, o opróbrio que nenhuma legalização poderá
apagar.
Está claro que a existência de um não justifica a outra, ao
contrário, ambas deveriam desaparecer para uma transformação das relações
sociais, solapando assim os fundamentos de dominação masculina.
A prostituição, tal como é significa hoje é a compra de um
corpo para uma finalidade sexual, mas há pouco tempo qualquer mulher que
trabalhasse fora de casa ou fosse independente era considerada uma prostituta;
os sentidos são assim variáveis segundo a época ou a formação social. Resta,
entretanto que o epíteto “prostituta” entrega as mulheres à todas as fantasias
e caprichos masculinos, da imposição desregrada de seu sexo e sexualidade aos
corpos das mulheres, sem nenhuma sanção social. O estupro é seu corolário:
porque não violentar, já que as mulheres “gostam disto”? Porque não trafica-las
se as autoridades fecham os olhos para também usufruir desta carne a eles oferecida?
Uma longa luta foi travada pelos feminismos e ainda o é,
para estabelecer a compreensão de que quando uma mulher diz “não” ela não quer
dizer “sim”. Mas a prostituição derrama sobre todas as mulheres a possibilidade
ilimitada de posse, pois a condescendência social, criada pelo pacto entre os
homens, faz com que possam imaginar que “se posso comprar uma, posso também
tomar uma outra quaquer” . Isto é o estupro. O respeito em relação às mulheres
é portanto um negócio entre homens: se ela não pertence a um macho, pertence a
todos. Assim, a existência da prostituição é fator que autoriza e torna
exeqüível o poder exercido sobre todas as mulheres.
O mito da liberdade das prostitutas esconde os grilhões que
aprisionam todas as mulheres na imagem de um corpo disponível para o sexo e
definidor do feminino.
Abolir a prostituição é bloquear este imenso mercado que
expõe as mulheres como carne a ser consumida. Abolir a prostituição é tirar aos
homens o poder de dispor de corpos femininos à vontade. Abolir a prostituição é
criar um novo imaginário onde as mulheres não seriam mais sujeitas à Ordem do
pênis. Onde a liberdade para as mulheres não seria mais a de se vender, mas a
de se constituir em sujeitos, sujeitos políticos, sujeitos de ação, onde a
liberdade seria a de criar um destino, traçar um caminho e não de se arrastar
pelas ruas, mendigas de sua própria existência ao serviço de um sexo aviltado.
[1] Ver livro de Merlin Stone,
http://matricien.org/essais/merlin-stone/
Texto completo.
[2] Voir, par exemple, Jacques Rossiaud 1988.La prostitution
médiévale, Paris, Flammarion,.
[3] Jeanne Cordelier, 1976. 76 : La Dérobade : Hachette
[4] dans une pathétique parodie des 343 femmes qui ont signé
un texte affirmant avoir fait un avortement pour appuyer la loi qui
garantissait l´avortement, en France,
Interruption volontaire de grossesse, défendue par Simone Veil e adopté dès
lors.
[5] http://g1.globo.com/brasil/noticia/2013/11/numero-de-estupros-no-pais-supera-o-de-homicidios-dolosos-diz-estudo.html
[6] Colette Guillaumin1992. Sexe, Race et Pratique du
pouvoir. L’idée de Nature, Paris : Côté-femmes,
[7] Michel Foucault, 1976. História da sexualidade, vol 1. Paris: Gallimarc
[8] Voir
Adrienne Rich, 1981,
http://www.feministes-radicales.org/wp-content/uploads/2012/03/Adrienne-Rich-La-contrainte-%C3%A0-lh%C3%A9t%C3%A9rosexualit%C3%A9-et-lexistence-lesbienne.pdf
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