É noite de sexta-feira em Fortaleza, e as ruas empoeiradas
em torno do novo estádio estão desertas, excetuadas as prostitutas que
trabalham na região sul desta cidade no Nordeste brasileiro. Para os
trabalhadores de uma organização assistencial que percorrem a área em uma
patrulha regular, a visão de uma jovem desconhecida desperta um medo familiar.
Vestida com simplicidade, em shorts jeans e com um top azul, a menina parece
ter apenas 13 ou 14 anos.
Jo Griffin do "Observer"
"Temos visto mais meninas jovens", diz Jacinta
Rodrigues, da Barraca da Amizade, uma ONG que oferece conselhos e assistência
aos profissionais do sexo. "Algumas delas já são mães e o fazem para
sustentar os filhos".
O furgão da ONG para em uma esquina onde a menina espera com
um grupo de travestis - homens ou garotos que adotam identidade feminina.
Estamos aqui para conversar com Germana, 24, travesti que será tema de um filme
para a TV holandesa. Germana usa um vestido rosa e maquiagem cuidadosa, mas
basta um olhar para entender porque ela atraiu especial curiosidade: é
completamente cega.
"Vai lá, tem dois deles", diz uma prostituta mais
velha à menina, conhecida como "Andressa", que caminha até um carro
para negociar um programa com dois homens. Em média, um programa de serviços
sexuais custa 30 reais.
Enquanto o Brasil se prepara para sediar a Copa do Mundo, na
metade do ano, Fortaleza recebe atenção especial por sua reputação como capital
do turismo sexual e da exploração sexual de crianças no Brasil. Com a
expectativa de receber cerca de seis mil torcedores estrangeiros, e com
brasileiros viajando para assistir aos jogos em todo o país, Rodrigues e seus
colegas temem uma alta forte no tráfico sexual de menores.
A violência sexual é o segundo crime mais reportado contra
as crianças do Brasil, e a maioria das vítimas tem idade de entre 10 e 14 anos.
Fortaleza recebeu mais denúncias do que qualquer outra cidade, por meio de uma
linha telefônica especial de denúncia.
Na terça-feira passada, em Londres, a organização
assistencial Happy Child, que trabalha principalmente no Brasil, lançou uma
campanha chamada "It's a Penalty", com o apoio da Agência Nacional do
Crime do Reino Unido e de futebolistas como Frank Lampard e o brasileiro David
Luiz. O objetivo é conscientizar o público sobre a exploração sexual de
crianças e alertar os torcedores de que pagar por sexo com pessoas menores de
18 anos é crime pelo qual podem enfrentar processo tanto no Reino Unido quanto
no Brasil.
Sarah de Carvalho, presidente-executiva da Happy Child,
disse que "crianças de 11 a 12 anos de idade já estão sendo traficadas em
preparação para a Copa do Mundo".
Em Fortaleza, a capital do Estado do Ceará, as autoridades
antecipam que junho, quando a cidade sediará seis partidas da Copa, será um mês
difícil. "Planejamos usar a estratégia usada durante a Copa das
Confederações, dobrando tanto o número de trabalhadores assistenciais operando
nas ruas quanto o número de vagas em abrigos; duas secretarias independentes
monitorarão esse trabalho", disse Leana Regia Faiva de Souza, da
Secretaria de Direitos Humanos do Ceará.
Souza reconhece que Fortaleza tem uma reputação pela
exploração sexual de crianças, mas diz que o grande número de queixas - que
subiu de 193 em 2009 a 2.122 em 2012 - reflete seu sucesso em melhorar a
conscientização. "Em muitas áreas do Brasil, a população não encara essa
situação como crime", diz Souza.
O vínculo entre tráfico sexual e eventos esportivos mundiais
foi contestado em um recente relatório intitulado "Qual é o Custo de um
Rumor?", pela Aliança Mundial contra o Tráfico de Mulheres, mas
especialistas brasileiros concordam em que o perigo para as crianças é real,
envolve brasileiros e estrangeiros, e não se restringe ao turismo.
Anna Flora Werneck, da organização assistencial Childhood
Brasil, sediada em São Paulo, diz que "os grandes eventos esportivos
agravam a vulnerabilidade. Crianças perdem suas moradias devido a projetos de
construção; não estão na escola e ninguém cuida delas; pode haver álcool ou
drogas; os amigos dizem que sexo com um estrangeiro pode transformar suas
vidas".
A organização descobriu casos de exploração sexual pelos
operários nos canteiros de obras da Copa do Mundo e da Olimpíada de 2016.
Souza diz que o turismo continua a ser um campo de batalha
crucial: medidas de repressão contra o uso de hotéis pelos turistas
acompanhados por menores de idade forçaram os exploradores do sexo infantil a
usar os motéis brasileiros, que oferecem privacidade para o sexo. Nos bares da
praia de Iracema, é comum ver meninas novas com estrangeiros mais velhos.
É difícil ver como isso pode mudar se, como diz Rodrigues,
os taxistas, donos de hotéis e até a polícia "pertencem a uma máfia que
fornece crianças para sexo com estrangeiros".
Uma operação de repressão pesada pela polícia agrava o
perigo para todas as prostitutas e moradores de rua, afirma Rodrigues, que diz
que policiais teriam agredido profissionais do sexo para mantê-las afastadas
dos turistas durante a Copa das Confederações. Nesse clima, as crianças de rua
são especialmente vulneráveis, diz Joe Hewitt, da Street Child World Cup, cuja
primeiro torneio - em 2010 na África do Sul - ajudou a restringir as detenções
de crianças de rua pela polícia. A organização planeja realizar um segundo
torneio em março no Rio.
Nas ruas em torno do estádio de Fortaleza, os trabalhadores
assistenciais fazem sua última ronda e um grupo de travestis se aproxima.
Diversos planejam ir para São Paulo para receber mais das injeções de silicone
que lhes propiciam atributos femininos - a fim de maximizar seu potencial de
faturamento durante a Copa do Mundo, Não há sinal de Andressa.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Fonte: www1.folha.uol.com.br
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