Dependendo do que se pensa sobre o masculino e o feminino,
mudam o quadro e a qualidade da futura autoridade das mulheres na Igreja. A análise é da historiadora italiana Rita Torti,
especialista em estudos de gênero. É autora de Mamma, perché Dio è maschio?
[Mamãe, por que Deus é homem?] (Ed. Effatà, 2013).
Por Rita Torti
Na onda das palavras do Papa Francisco, que o mencionou em
várias ocasiões, seja informais, seja oficiais, voltou à tona o tema das
mulheres na Igreja, e nos últimos meses pudemos ler diversos artigos de
comentário, de relançamento, de algum modo de resposta às solicitações do
pontífice [1].
É preciso ampliar os espaços, diz Francisco, "para uma
presença feminina mais incisiva na Igreja". Vozes de diversos
posicionamentos eclesiais concordam; ou, melhor, aumentam a dose trazendo exemplos
marcantes e lembrando como essa marginalidade ou ausência total, que se
encontra principalmente nos lugares em que se tomam as decisões, é
injustificável e têm efeitos negativos sobre a "solidez" da
capacidade de evangelização e de testemunho da Igreja no mundo.
Convergindo nisso, como se segue em frente? E partindo de
quais pressupostos? Porque é evidente que, dependendo do se pensa sobre o
masculino e o feminino, mudam o quadro e a qualidade da futura autoridade das
mulheres na Igreja.
Falar da mulher ou
ouvir as mulheres?
Francisco deseja uma "teologia da mulher", e a
resposta chega pronta ou, melhor, chegam duas. Evitemos – dizem diversas
interessadas diretas – uma teologia "especial", da qual já tivemos
experiência e que, muitas vezes com o apoio de uma mariologia modelada sobre
projeções masculinas acerca do feminino, se resolve em uma modelização
a-histórica e "guetizante" que achata a nossa existência sobre papéis
e funções, e não respeita a sua multiformidade (a esse propósito, acrescentamos,
pode-se lembrar a batalha das auditoras no Vaticano II, sempre firmemente
contrárias a toda tentativa de indicar "específicos" femininos,
talvez envoltos por elogios exagerados).
Ao contrário – é a segunda linha de resposta – tentemos
(tentem) levar a sério a teologia feita pelas mulheres, produzida por
estudiosas de todas as partes do mundo, há décadas já; aquela que trabalhou com
novos paradigmas em diálogo com o desenvolvimento das epistemologias de outros
campos do saber e revelou enganos, abriu perspectivas, percorreu caminhos a
partir de si mesma pelo bem de todas e de todos.
Mas é justamente essa teologia das mulheres – feminista no
sentido mais nobre do termo – que é ignorada pela cultura "oficial"
das faculdades teológicas, não é convidada aos congressos, não é estudada nos
seminários e muito menos passa na pregação e na catequese.
O papa teme a perda da feminilidade na adequação a modelos
masculinos? Na realidade, notam algumas, esse não é um futuro a ser temido, mas
sim um presente a ser desmantelado: justamente aquele que, deixando na sombra o
patrimônio de experiências, atividades, práticas e elaborações de pensamento
das mulheres cristãs, força todos e todas a seguir um único caminho,
apresentado como eterno, neutro e universal, mas que na realidade não o é.
O masculino invisível
O verdadeiro ponto crítico, provavelmente é, portanto,
justamente o do sujeito masculino. Como em um caso exemplar das realidades
trazidas à tona por aqueles men's studies que a cultura católica geralmente
demonstra não conhecer, trata-se de um assunto que permanece invisível por ser
onipresente. Portanto, não é tratado, nem discutido.
Francisco diz que as mulheres têm pouco espaço, sofre quando
vê que, na Igreja, o serviço – que é de homens e mulheres –, no caso das
mulheres, "desliza para um papel de servidão". Mas não se diz de quem
provém, a quem devem ser atribuídas a marginalização e o não reconhecimento da
igual dignidade e autoridade.
Nunca se disse que foram e são os homens da Igreja, em
primeiro lugar os ordenados, que fizeram essas escolhas e quiseram essa
hierarquia entre pessoas batizadas com base no sexo. Certamente, pode ser
difícil aceitar o fato de percorrer novamente a construção do próprio gênero,
especialmente quando ele mostra aspectos tão desagradáveis; mas é evidente que
nenhum problema nas relações pode ser curado, nenhum mal pequeno ou grande pode
ser desfeito, se não se vai ver o quem, o como, o quando, o porquê.
As antropologias
assimétricas
Se essa pesquisa sobre o masculino – também o masculino
cristão no nosso caso católico – não é posta em ação, corre-se o risco de
continuar retratando as mulheres como pobres vítimas de um destino impessoal, e
se perpetua o mecanismo pelo qual quem obtém reconhecimento e poder
sub-reptício são somente as mulheres que se adaptam ao pensamento masculino e
produzem uma cópia dele.
Ao invés, o que realmente é preciso é tentar entender como
chegamos a construir e alimentar antropologias assimétricas, exclusões teológicas,
subserviências práticas, mesmo tendo o exemplo de um Mestre-Messias que não
fazia distinções, e também apesar do testemunho das comunidades das origens, em
que se labutava pelo Evangelho sem encastelamentos em papéis de gênero, e as
mulheres eram tão "normalmente" importantes que seus nomes foram
transmitidos até nós.
Na falta de uma interrogação desse nível, de pouco vale
evocar a maior importância da mãe de Jesus com relação aos apóstolos: seja
porque o patriarcado cultivou, ao mesmo tempo, sem aparentes sobressaltos de
consciência e suspeitas de contradição, o amor e a devoção a Maria, de um lado,
e as práticas discriminatórias e violentas contra as mulheres, de outro; seja
porque muitas vezes as mulheres não se identificam com Maria, ao menos não no
sentido que a antropologia teológica retomada por Francisco (e pensada por
homens) leva a entender.
Alguns esquecimentos
A consciência da historicidade e da contextualidade cultural
dos modos de ser e de se pensar homens e mulheres, e das relações entre os
sexos, porém, é um bem raro nos setores mais oficiais da Igreja. Enquanto as
famílias sofrem sem saber, ou combatendo com pouco poder, uma avalanche de
mensagens sociais nada equilibradas, paritárias e dignas com relação ao
masculino e ao feminino; enquanto as mulheres jovens se deparam com modelos de
família (e muitas vezes expectativas masculinas) que nada têm a ver com os seus
desejos, com as suas competências e com o desejo de aproveitá-las, e alguns
homens jovens aspiram a uma masculinidade não ligada ao poder, para a qual não
têm modelos; enquanto persiste a chantagem "se você tiver um filho, você
perde o seu emprego"; e enquanto os dados sobre a violência masculina
contra as mulheres "por serem mulheres" são um boletim de guerra...
Enquanto acontece isso e muito mais, diversos documentos e as realidades mais
credenciadas como "católicas" parecem desejar, ao invés, que as
mulheres "possam não trabalhar" para cuidar da família e anseiam pelo
"retorno do pai", não para que compartilhe realmente os cuidados da
casa, da prole e dos idosos, mas para que traga normatividade, senso do
sacrifício, capacidade de futuro e de transcendência em um mundo retratado como
feminilizado e, como tal, decaído e destinado à implosão.
Consideram com suficiência e esquecimento histórico as
abomináveis "reivindicações" das mulheres; se falam da violência de
gênero, fazem-no sem pôr em causa os autores e colocando rigorosamente na
sombra a realidade da violência doméstica.
O "gênero"
faz bem à Igreja
E, acima de tudo, declaram guerra ao que parece ser o novo
inimigo número um: a chamada "ideologia de gênero", não raramente
divulgada com aproximação e algumas evidentes e talvez nada inocentes
ingenuidades. O modo pelo qual é conduzida essa batalha, com a martelante e
inarticulada referência à "natureza", corre o risco de obscurecer o
fato de que – como se aprende facilmente com a história – a diferença dos sexos
é, sim, imprescindível e original, mas não determina a priori características
psicológicas, espirituais e de caráter; e que papéis e funções são originados a
partir de interpretações socioculturais do dado físico, que têm laços estreitos
com o âmbito do poder e a dimensão religiosa.
Trata-se de um "esquecimento" que ameaça voltar-se
justamente contra os desejos de renovação de Francisco nesse âmbito: porque,
para nos libertar dos desequilíbrios que ele, com outras e outros, denuncia, é
necessária uma reformulação do sentido do masculino e do feminino, são
necessários homens e mulheres diferentes do passado: é preciso, em uma palavra,
que amadureça uma nova construção de gênero.
Se aquilo que vivemos até agora fosse "natureza",
seria realmente inútil e estúpido perder tempo sonhando com uma Igreja
diferente.
Nota:
1. Vale a pena lê-los diretamente – para captar assonâncias
e dissonâncias, e sobretudo para ter uma ideia de pluralidade dos níveis
envolvidos por esse assunto – ao menos as intervenções de:
- Nicoletta Dentico, As mulheres na Igreja, de Martini ao Papa Francisco (Rocca, 15-10-2013);
- Lilia Sebastiani, Due papi e “la” donna (Rocca 01-11-2013);
- Mariapia Veladiano, Le donne di Papa Francesco (La Repubblica, 04-04-2013);
- Katie Grimes, Anche gli uomini recitano il rosario (Adista, 28-09-2013);
- Ivone Gebara, Papa Francesco e la teologia delle donne: alcune preoccupazioni (Teologhe.org, 4-08-2013);
- Cristiana Dobner, Ma noi donne annunziamo Gesù Cristo Risorto (Agência Sir, 31-07-2013);
- Stefania Falasca, Con Francesco le donne muoveranno la Chiesa (Avvenire, 07-12-2013);
- Paola Bignardi, L’impronta materna (Avvenire, 14-10-2013);
- Lucetta Scaraffia, A reviravolta da mulher cardeal (Il Messaggero, 24-09-2013);
- Pierangelo Sequeri, La sapienza delle donne (Avvenire, 31-07-2013); e, com outro tom e talvez ênfases mais problemáticas:
- Pierangelo Sequeri, Snodo epocale (L'Osservatore Romano, caderno “Donne Chiesa Mondo”, janeiro de 2014, n. 19).
Fonte: Ihu
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