O tratamento, aliás, sempre foi discriminatório. Basta o
homem comparecer ao cartório acompanhado de duas testemunhas, tendo em mãos a
Declaração de Nascido Vivo e a carteira da identidade da mãe, para registrar o filho
como seu. Já a mãe só pode registrar o filho também no nome do pai se
apresentar a certidão de casamento e a identidade do pai.
Por Berenice Dias
Existe o direito constitucional à identidade, um dos mais
importantes atributos da personalidade.
A Lei dos Registros Públicos, que é anterior à Constituição
Federal e ao Código Civil — e que até hoje não foi atualizada — está prestes a
ser, mais uma vez, remendada, sem que com isso venha a atender ao maior
interesse de uma criança: ter no seu registro o nome de ambos os pais.
A antiquada lei registral atribui exclusivamente ao pai a
obrigação de proceder ao registro do filho. Somente no caso de sua falta ou
impedimento é que o registro pode ser levado a efeito por outra pessoa.
Agora, de uma maneira para lá de singela, o PLC 16/2003,
recém aprovado pelo Senado, atribui também à mãe a obrigação de proceder ao
registro.
Ora, nunca houve qualquer impedimento para a mãe proceder ao
registro do filho. Ela sempre assumiu tal encargo quando o pai se omite.
O tratamento, aliás, sempre foi discriminatório. Basta o
homem comparecer ao cartório acompanhado de duas testemunhas, tendo em mãos a
Declaração de Nascido Vivo e a carteira da identidade da mãe, para registrar o
filho como seu. Já a mãe só pode registrar o filho também no nome do pai se
apresentar a certidão de casamento e a identidade do pai.
Esta é outra discriminação injustificável. Quando os pais
vivem em união estável, mesmo que reconhecida contratual ou judicialmente, nem
assim a mãe pode proceder ao registro do nome do pai. Para ele inexiste esta
exigência. Consegue registrar o filho sem sequer alegar que vive na companhia
da mãe.
A Lei 8.560/92 e as Resoluções 12 e 16 do Conselho Nacional
de Justiça, até tentaram chamar o homem à responsabilidade de registrar os seus
filhos. Se a mãe indica ao oficial do registro civil quem é o genitor, é
instaurado um procedimento, em que o indigitado pai é intimado judicialmente.
Caso ele não compareça, negue a paternidade ou não admita submeter-se ao teste
do DNA, nada acontece. Em vez de o juiz determinar o registro do filho em seu
nome, de forma para lá que desarrazoada o expediente é encaminhado ao
Ministério Público para dar início à ação de investigação de paternidade.
Proposta a ação, o réu precisa ser citado, nada valendo a intimação anterior,
ainda que tenha sido determinada por um juiz.
Este é o grande entrave para que os filhos tenham o direito
de ter um pai. É de todo desnecessária a propositura de uma ação investigatória
quando aquele que foi indicado como genitor nega a paternidade e resiste em provar
que não o é. Diante da negativa, neste momento deveria o juiz determinar o
registro, sem a necessidade de qualquer novo procedimento.
Na hipótese de o pai não concordar com a paternidade, ele
que entre com a ação negatória, quando então será feito o exame do DNA.
O fato é que a mudança pretendida nada vai mudar. Para a mãe
registrar o filho em nome de ambos, precisará contar com a concordância do
genitor, pois terá que apresentar a carteira de identidade dele. Caso ele não
forneça o documento, haverá a necessidade do procedimento administrativo. Ainda
assim, para ocorrer o registro é indispensável que ele assuma a paternidade.
E, no caso de o indigitado pai não comparecer em juízo ou e
se negar a realizar o exame do DNA, vai continuar a existir a necessidade da
ação investigatória de paternidade, quando todos estes acontecimentos não
dispõem de qualquer relevo.
Apesar de o Código Civil afirmar que a recusa a exame
pericial supre a prova a ser produzida, não podendo quem se nega a fazê-lo
aproveitar-se de sua omissão (CC arts. 231 e 232), quando se trata de assegurar
o direito à identidade a alguém, tais dispositivos não valem. A recusa do réu
de se submeter ao exame de DNA gera mera presunção da paternidade a ser
apreciada em conjunto com o contexto probatório (L 8.560/92, art. 2º-A,
parágrafo único). No mesmo sentido a Súmula 301 do STJ, que atribui à negativa
mera presunção juris tantum da paternidade.
Ou seja, a de alteração legislativa - anunciada como
redentora - não irá reduzir o assustador número de crianças com filiação
incompleta. Segundo dados do CNJ, com base no Censo Escolar de 2011, há 5,5
milhões de crianças registradas somente com o nome da mãe.
Mais uma vez perde o legislador a chance de assegurar o
direito à identidade a quem só quer ter um pai para chamar de seu.
Fonte: Agência Patrícia Galvão
Berenice Dias é advogada
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