É esta a fé e a oração
dos cristãos satisfeitos das sociedades do bem-estar? Seguramente, tem razão J.
B. Metz quando denuncia que na espiritualidade cristã há demasiados cânticos e
poucos gritos de indignação, demasiada complacência e pouca nostalgia de um
mundo mais humano, demasiado consolo e pouca fome de justiça.
A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de
Jesus Cristo segundo Lucas 18,1-8 que corresponde ao 29º Domingo do Tempo
Ordinário, ciclo C do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola
comenta o texto.
Lucas narra uma breve parábola indicando-nos que Jesus
contou-a para explicar aos seus discípulos “como tinham que orar sempre sem
desanimar”. Este tema é muito querido ao evangelista que, em várias ocasiões,
repete a mesma ideia. Como é natural a parábola foi lida quase sempre como um
convite para cuidar da perseverança da nossa oração a Deus.
No entanto, se observamos o conteúdo do relato e a conclusão
do mesmo Jesus, vemos que a chave da parábola é a sede de justiça. Até quatro
vezes se repete a expressão “fazer justiça”. Mais que modelo de oração, a viúva
do relato é exemplo admirável de luta pela justiça no meio de uma sociedade
corrupta que abusa dos mais fracos.
O primeiro personagem da parábola é um juiz que “não teme a
Deus nem lhe importam os homens”. É a encarnação exata da corrupção que
denunciam repetidamente os profetas: os poderosos não temem a justiça de Deus e
não respeitam a dignidade nem os direitos dos pobres. Não são casos isolados.
Os profetas denunciam a corrupção do sistema judicial em Israel e a estrutura
machista daquela sociedade patriarcal.
O segundo personagem é uma viúva indefesa no meio de uma
sociedade injusta. Por um lado, vive o sofrimento dos atropelos de um “adversário”
mais poderoso que ela. Por outro, é vítima de um juiz a quem não lhe importa em
absoluto a sua pessoa nem o seu sofrimento. Assim vivem milhões de mulheres de
todos os tempos na maioria dos povos.
Na conclusão da parábola, Jesus não fala da oração. Antes de
qualquer coisa, pede confiança na justiça de Deus: “Não fará Deus justiça aos
Seus eleitos que lhe gritam dia e noite?”. Estes eleitos não são “os membros da
Igreja”, mas os pobres de todos os povos que clamam pedindo justiça. Deles é o
reino de Deus.
Então Jesus faz uma pregunta que é todo um desafio para os
Seus discípulos: “Quando vier o Filho do Homem, encontrará esta fé na terra?”.
Não está pensando na fé como adesão doutrinal, mas na fé que alenta a atuação
da viúva, modelo de indignação, resistência ativa e coragem para reclamar
justiça aos corruptos.
É esta a fé e a oração dos cristãos satisfeitos das
sociedades do bem-estar? Seguramente, tem razão J. B. Metz quando denuncia que
na espiritualidade cristã há demasiados cânticos e poucos gritos de indignação,
demasiada complacência e pouca nostalgia de um mundo mais humano, demasiado
consolo e pouca fome de justiça.
Fonte: ihu
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