A internet e o ambiente digital colocam novos temas para a
agenda feminista: as brechas de acesso das mulheres à internet e à cultura
digital, as brechas à educação tecnológica, as brechas de acesso à produção de
tecnologias, aponta Leonor Graciela Natansohn.
Por: Graziela Wolfart
Para a professora Leonor Graciela Natansohn, a violência no
ambiente digital não se dá apenas nas representações das mulheres e dos gays e
lésbicas, “mas mediante o controle que se exerce sobre as mulheres mediante
telefones celulares, acesso a dispositivos de vigilância (GPS, câmeras, etc.),
chantagem emocional para conseguir senhas de acesso aos sítios pessoais da web
e dos e-mails, assédio e sedução nos sítios de redes sociais (onde crianças e
adolescentes são vítimas de abusadores e pedófilos) e a exposição da intimidade
das mulheres, mediante divulgação não autorizada de vídeos e fotos”. Na
entrevista concedida à IHU On-Line, por e-mail, ela afirma que “o corpo
feminino é um objeto mercadológico de consumo predominantemente masculino (nas
mídias, na prostituição, no trabalho menos pago e menos qualificado). É o lugar
da reprodução humana (da gestação) e por tanto, é objeto dos mais caros (no
duplo sentido) investimentos médicos e farmacêuticos. Também é o local da
discriminação e da violência de gênero”.
Leonor Graciela Natansohn possui graduação em Jornalismo e
Licenciatura em Comunicação Social pela Universidad Nacional de La Plata,
Argentina, mestrado e doutorado em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela
Universidade Federal da Bahia. Atualmente é professora do Programa de
Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da mesma instituição.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como se dá e por onde passa a interseção entre
a Comunicação e o Feminismo? Quais as principais questões que envolvem a
questão de gênero na cultura digital e no jornalismo?
Leonor Graciela Natansohn - O feminismo olha para o campo da
comunicação há muitas décadas, apontando muitos espaços: o da mídia massiva e
suas lógicas produtivas (a presença e ausência de mulheres na produção de
cinema, TV, imprensa, etc.); nas mensagens midiáticas e suas representações,
enviesadas pelo olhar masculino, e na recepção de mídias e o lugar das mulheres
nesses processos, identificando formas de resistência e ressignificação das
propostas midiáticas e até usos complexos dos meios em função dos seus
interesses. Mais a frente, a teoria queer amplia e transforma o escopo e a
forma de entender as relações de gênero, e discute não apenas sobre as
mulheres, senão sobre todos os arranjos de gênero (masculinidades, LGBT, etc.)
em relação com a mídia e com outras determinações, como a raça, a
nacionalidade, a classe.
A internet e o ambiente digital colocam novos temas para a
agenda feminista: as brechas de acesso das mulheres à internet e à cultura
digital, as brechas à educação tecnológica, as brechas de acesso à produção de
tecnologias.
As representações misóginas e machistas na web são outra
frente de debate, e as violências também. A violência no ambiente digital não
se dá apenas nas representações das mulheres e dos gays e lésbicas, senão
mediante o controle que se exerce sobre as mulheres mediante telefones
celulares, acesso a dispositivos de vigilância (GPS, câmeras, etc.), chantagem
emocional para conseguir senhas de acesso aos sítios pessoais da web e dos
e-mails, assédio e sedução nos sítios de redes sociais (onde crianças e
adolescentes são vítimas de abusadores e pedófilos) e a exposição da intimidade
das mulheres, mediante divulgação não autorizada de vídeos e fotos, para citar
os temas mais recorrentes. Tecnologia ainda é coisa de homem, mas isto está
mudando.
IHU On-Line - Qual o impacto que os programas televisivos
sobre cirurgias plásticas e emagrecimento provocam no imaginário feminino
contemporâneo?
Leonor Graciela Natansohn - Não creio no impacto direto da
mídia sobre outros campos (a medicina, as mulheres, etc.) senão como um
processo de circulação de valores, interesses e "imagens", onde os
meios participam a modo de "caixa de ressonância", às vezes
ocultando, às vezes ampliando, deturpando, modificando e direcionando os temas
que são discutidos na sociedade. Num sistema midiático empresarial, sem
controle de nenhum tipo - como é o caso brasileiro - cuja lógica é direcionada
pelo mercado, não há de estranhar-se que promovam intervenções de alto valor
agregado. Medicina privada, mercado e mídia são sócios e amigos.
IHU On-Line - Como se dá o processo de apropriação da
cultura digital por parte das mulheres?
Leonor Graciela Natansohn - As mulheres demoraram a entrar
na internet e nas tecnologias por causa da discriminação que dificulta o acesso
delas às carreiras tecnológicas, à cultura tecnológica, por um lado (pela
suposta tecnofobia feminina), e aos usos domésticos, por outro, que consomem
muito tempo de aprendizagem. O tempo é o que mais falta às mulheres. A dupla ou
tripla jornada explica esta falta de tempo. Está gestando-se claramente nas
mulheres a percepção dos meios digitais como o lugar de organização em redes,
de comunicação entre pares, de informação e entretenimento. As mais velhas são
o grupo que mais rapidamente está aprendendo a usar tecnologias. E as mulheres
organizadas em grupos, também.
IHU On-Line - Quais os principais aspectos que caracterizam
o desconhecimento prático e político das mulheres, em geral, em relação às
tecnologias de comunicação e informação?
Leonor Graciela Natansohn - Medo (tecnofobia), pensar que
isso "é coisa de homem"; não perceber a importância estratégica -
para organizar-se, para conseguir emprego, para comunicar-se... O movimento
feminista pensava que o tema era coisa "secundária", que havia outras
prioridades na agenda (violências, desemprego, trabalho, etc.). Mas isso está
mudando radicalmente nestes últimos tempos. Há uma percepção mais clara da
capacidade transversal e a capilaridade da ação das e nas mídias digitais. Hoje
já é uma questão de empoderamento das mulheres.
IHU On-Line - Como podemos compreender que “o corpo parece
ser a âncora da mulher no mundo, sua razão de ser, para si mesma e para o
outro, para o desejo do outro”? Qual a origem e as implicações dessa concepção?
Leonor Graciela Natansohn - Na ordem social (e na ideologia
que a sustenta) o corpo feminino é um objeto mercadológico de consumo
predominantemente masculino (nas mídias, na prostituição, no trabalho menos
pago e menos qualificado). É o lugar da reprodução humana (da gestação) e por
tanto, é objeto dos mais caros (no duplo sentido) investimentos médicos e
farmacêuticos. Também é o local da discriminação e da violência de gênero.
Fonte: Ihu
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