O brasileiro se levantou contra toda essa corrupção e
violência. Um senso de indignação generalizado, de já ter tolerado demais,
apanhado demais. Mas se você foi à manifestação e usa carteirinha de estudante
para ter meia-entrada, mas não é estudante, você é parte do problema. Você não
tem moral para reclamar da corrupção deste país. O nome disso é hipocrisia. (Reclame
mesmo assim, por favor, porque são dois problemas diferentes.)
Renato Kaufmann
Se você joga bituca de cigarro no chão, você trata a cidade
como o seu lixo particular. Mas a cidade é de todo mundo. As ruas estão
nojentas e a culpa é sua.
A manifestação é contra você.
Ah, você é ciclista, todo orgulhoso de ser sustentável, um
carro a menos, menos trânsito e CO2. Você reclama da opressão do carro, mais
forte, contra a bicicleta, o mais fraco. Mas você não para no sinal. Não
respeita a faixa de pedestres. Você até anda na calçada, tornando-se o opressor
do pedestre.
Não se iluda: a manifestação é contra você.
Você leva o cachorro para passear e não recolhe o cocô.
Ninguém admite, mas o resultado está aí: nossas calçadas são um mar de merda.
Calçada não é a privada do seu totó.
A manifestação é contra você.
Você joga papel no chão, e não faltam desculpas para não
fazer o que é certo. Essa merda de prefeitura que não instala lixeiras, né? Ou,
saída de estádio, você toma uma cerveja e joga a lata por aí. Ah, todo mundo
estava jogando. Depois vem o cara limpar. A responsabilidade não é do Estado. É
sua. E você, manifestante, não pode se esquivar a ela nos outros 364 dias da
sua vida.
A manifestação é contra você.
Você não cumprimenta o porteiro. Você exagera horrivelmente
no perfume e invade o nariz do outro. Você dirige bêbado. Você põe um
escapamento superbarulhento na sua moto, que dá para ouvir a quarteirões de
distância, incomoda todo mundo e compra um capacete que ajuda a isolar o som.
Você obriga todo mundo do ônibus a ouvir a sua música. Você suborna o guarda ou
qualquer outro serviço público. Ou ainda, você escreve textos como este,
apontando o dedo contra delitos que já cometeu ou ainda comete, achando que
dedo em riste exime você da responsabilidade.
Você é parte da violência. Você é parte da corrupção. Se
você não mudar, o país não vai mudar. Mas não adianta todo mundo apenas
demandar que "o poder” conserte as coisas. Quer mudar o país? Não esqueça
de mudar a si mesmo, e pagar o preço da mudança, como um adulto.
Então, vai pra rua, que estava na hora. Mas não esquece: a
manifestação é contra você.
[*Inspirado em um texto lindo e corajoso da Duda Buarque].
Fonte: Adital
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