Maristela Mitsuko Ono aponta como estereótipos de
masculinidade a associação dos homens à esfera pública, força, autoridade,
racionalidade, objetividade e virilidade; e de feminilidade a associação das
mulheres à esfera privada, fragilidade, submissão, sentimentalismo,
subjetividade, delicadeza e maternidade.
Por: Graziela Wolfart
“As diferenças biológicas percebidas desde que um ser humano
nasce têm demarcado predominantemente uma visão binária sexual de ‘homem’ e
‘mulher’, embora não haja nenhum ser idêntico a outro. Tal perspectiva
reducionista tem se refletido em relações sociais, representações e noções de
gênero também reducionistas, como no caso de produtos concebidos e direcionados
para ‘mulheres’ ou para ‘homens’, como se suas identidades fossem fixas,
estáveis, com características e funções predeterminadas, desconsiderando sua
complexidade e diversidade”. A reflexão é da professora Maristela Mitsuko Ono,
em entrevista concedida por e-mail para a IHU On-Line. Para ela, “apesar do
comportamento de consumo não ser meramente passivo, a pesquisa e
desenvolvimento de produtos, assim como o marketing, a publicidade e
propaganda, têm ostensivamente influenciado a construção de referências
culturais e identitárias, até no âmbito de gênero”.
Maristela Mitsuko Ono é doutora em Arquitetura e Urbanismo
pela USP e mestre em Tecnologia pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná
– UTFPR. É graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do
Paraná – UFPR. Atualmente, é professora no Programa de Pós-Graduação em
Tecnologia da UTFPR.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como produtos automobilísticos e
eletrodomésticos (como geladeiras e aparelhos de ar-condicionado) são
influenciados e influenciam a reprodução, ou a mudança na criação de valores e
práticas relacionadas à sociedade?
Maristela Mitsuko Ono – As culturas são dinâmicas e diversas
para cada ser humano, tecidas em conjunção com as relações sociais. E os
produtos, tais como os automobilísticos e eletrodomésticos, são expressões
materiais que influenciam e são influenciados pelas culturas, promovendo tanto a
permanência de certos valores e práticas individuais e sociais quanto sua
transformação, na medida em que se inter-relacionam com modos de vida. As
geladeiras, por exemplo, que surgiram em vista da necessidade de facilitar a
conservação de alimentos em baixa temperatura, independentemente da variação da
temperatura ambiente, passaram a influenciar a organização e as práticas de
consumo, conservação e preparo de alimentos no cotidiano, as relações sociais,
econômicas e políticas, o meio ambiente, a dinâmica cultural, dentre outros
sistemas inter-relacionados.
IHU On-Line – Como isso interfere também nas representações
de gênero, a partir das manifestações da diversidade cultural e das
representações generificadas nos próprios produtos?
Maristela Mitsuko Ono – O conceito de gênero, compreendido
como uma construção cultural, abarca uma infinidade de noções no âmbito de sua
complexidade, diversidade e dinâmica. Tais noções dependem do alcance de
entendimento possível de cada ser humano, que, sendo também um ser social, é
influenciado pelos valores e conhecimento que possui, assim como pela
mentalidade, sistemas e modos de vida da época e da sociedade em que vive. As
diferenças biológicas percebidas desde que um ser humano nasce têm demarcado
predominantemente uma visão binária sexual de “homem” e “mulher”, embora não
haja nenhum ser idêntico a outro. Tal perspectiva reducionista tem se refletido
em relações sociais, representações e noções de gênero também reducionistas,
como no caso de produtos concebidos e direcionados para “mulheres” ou para
“homens”, como se suas identidades fossem fixas, estáveis, com características
e funções predeterminadas, desconsiderando sua complexidade e diversidade.
IHU On-Line – Em que medida o mundo do consumo reproduz as
dicotomias do que é concebido e dirigido para “homens” e/ou para “mulheres”?
Maristela Mitsuko Ono – O mundo do consumo tem reproduzido
extensivamente dicotomias do que é concebido e dirigido para “homens” e/ou para
“mulheres”, reforçando determinados estereótipos. Um exemplo disso é o
direcionamento da pesquisa e desenvolvimento de eletrodomésticos para mulheres,
que reflete a atribuição do dever e da responsabilidade pelo trabalho doméstico
a elas, como se isso lhes fosse algo natural e predestinado. Esta prática não
raro tem causado sobrecarga de trabalho às mulheres, principalmente no caso
daquelas que ainda se ocupam de outras atividades no âmbito privado e/ou
público. Apesar das notáveis conquistas alcançadas pelos movimentos feministas,
na defesa de direitos humanos relacionados a questões de gênero e na promoção
da melhoria das relações sociais, observa-se ainda a reprodução de relações
patriarcais, hierárquicas e excludentes. Apesar do comportamento de consumo não
ser meramente passivo, a pesquisa e desenvolvimento de produtos, assim como o
marketing, a publicidade e propaganda, têm ostensivamente influenciado a
construção de referências culturais e identitárias, até no âmbito de gênero.
IHU On-Line – Que concepções sobre diferentes “mulheres”
aparecem na sociedade do consumo?
Maristela Mitsuko Ono – Observam-se concepções de “mulheres”
frequentemente estereotipadas, diferenciadas de acordo com determinados
segmentos de mercados de consumo, com base, por exemplo, em classificações de
estilos de vida, faixas etárias, classes socioeconômicas, “modelos” de
aparência física, dentre outras. Tais concepções reforçam problemas de exclusão
e discriminação social, crises identitárias, entre outros. O uso de recursos
tecnológicos como próteses em cirurgias plásticas, por exemplo, ilustram a
busca de enquadramento em determinados “modelos” de aparência física,
frequentemente ditados por variadas mídias que incentivam o consumo de produtos
e serviços.
IHU On-Line – Como as representações de certos produtos e do
marketing feito sobre eles acabam reforçando certos estereótipos de
masculinidade e feminilidade? Que estereótipos são esses?
Maristela Mitsuko Ono – Estereótipos de masculinidade e
feminilidade são observáveis em inúmeros produtos e marketing, que acabam por
reproduzi-los e reforçá-los na sociedade. São exemplos de estereótipos de
masculinidade a associação dos homens à esfera pública, força, autoridade,
racionalidade, objetividade, virilidade, dentre outros. E de estereótipos de
feminilidade, a associação das mulheres à esfera privada, fragilidade,
submissão, sentimentalismo, subjetividade, delicadeza, maternidade, dentre
outros.
IHU On-Line – O que seria uma perspectiva reducionista e
determinista de gênero, desconsiderando seu caráter plural, dinâmico e
variável?
Maristela Mitsuko Ono – A perspectiva reducionista e
determinista de gênero relaciona-se comumente à sexualidade heteronormativa,
baseada no reducionismo biológico de sexos “feminino” e “masculino”. E, ainda,
em relações, representações, organizações e práticas de poder na sociedade, com
base na noção binária de “homem” e “mulher”, como se estes tivessem uma
natureza fixa, estável, com características e funções predestinadas e específicas
a cada qual. Desse modo, recai-se em noções de “homem” e “mulher” fundamentadas
em juízos de valor e relações dicotômicas e hierarquizantes, sendo que a
posição do “homem” ainda continua prevalecendo em muitos contextos.
Desconsidera-se, assim, a diversidade de gênero, no âmbito de sua complexidade
e das inter-relações tecidas com os contextos ambientais, culturais,
econômicos, históricos, políticos e sociais, entre outros.
IHU On-Line – Como são as relações de amor e sexo entre
homens e mulheres contemporâneos?
Maristela Mitsuko Ono – Esta é uma questão bastante
abrangente, que instiga à reflexão sobre a relação entre amar, ser, ter e
estar. Entendo que amar fundamenta-se no ser, e não no estar e ter determinada
condição de sexualidade e relação com alguém. E, nessa perspectiva, as relações
de amor, em sua (hiper) complexa tessitura, abrangem a diversidade de gênero,
não se restringindo ao sexo entre “homens” e “mulheres”, seja com orientação
hétero ou homoafetiva. Quaisquer fronteiras que se estabeleçam restringem-se ao
ter, a classificações reducionistas e à “coisificação” ilusória do ser humano,
da condição humana e das relações humanas. Ao considerar-se o livre arbítrio de
cada ser humano como inexpugnável, também o amor assim pode ser compreendido,
ainda que se reduzam as noções de gênero e o ser humano a determinada condição
de ter e estar. Na contemporaneidade, muitas relações sociais têm priorizado o
ter e o estar, em detrimento do ser e do amar. Assim, não raro se busca o que o
outro alguém tem ou em que condição está, resultando em relações superficiais,
egocêntricas e efêmeras. Enquanto que a interação com o ser possibilitaria
vivenciar com maior profundidade e continuidade o amor.
Fonte: Ihu
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