Essa campanha está embasada na ideia de retirar o valor do homem que vence a mulher pela força física. O verdadeiro homem não vai submeter uma mulher através do poder de seu bíceps. As disputas e conflitos entre os sexos não irão acabar, da mesma forma como é utópico o ideal da paz mundial. Todavia, nossa sociedade precisa estimular as partes em conflito a usar as palavras como armas.
Por Maria Ângela Bulhões
Foi lançada pelo Banco Mundial uma nova campanha contra a
violência doméstica no Brasil. Nessa campanha, conhecidos artistas homens da
televisão brasileira afirmam, ao mesmo tempo em que apresentam em um cartaz:
“homem de verdade não bate em mulher”. O tema já é bastante conhecido de todos
nós, mesmo que ainda não tenha adquirido a relevância e nem seja tratado com a
seriedade que merece. A violência urbana é um grande problema em nosso país e
nós a discutimos amplamente em rodas de conversas, quando costumamos levantar
uma por uma hipóteses para as possíveis causas deste problema. Sabemos o quanto
o tema da violência é complexo, envolvendo uma multiplicidade de causas.
Entretanto, quando se trata da violência nas relações mais
íntimas, aquelas que acontecem dentro de casa, torna-se assunto tabu. Da
violência pública é possível tratar de forma aberta, mas da violência privada
parece que ninguém quer falar.Talvez por imaginarmos que a violência não
poderia acontecer dentro dos lares, onde se esperaria que os laços amáveis
pudessem impedir maiores expressões do ódio. Na realidade, as mulheres e as
crianças acabam sendo as maiores vítimas dessa violência, por terem menor força
física e, portanto, menor poder de agressividade.
Ninguém pode negar que os amores e os ódios se misturam,
numa dança de verso e reverso, que inspira letra de música: entre tapas e
beijos….As relações de posse que se estabelecem entre os casais e as rupturas
que não são aceitas podem produzir verdadeiros terremotos nas relações e,
muitas vezes, levar a situações extremas de violência, que terminam em
assassinatos. O Brasil é o sétimo país em assassinatos de mulheres no mundo.
Muitas são as notícias de assassinatos de mulheres por seus ex-companheiros. Na
verdade, a violência pública e da vida privada não fazem parte de dois mundos
distintos, pois certamente estão relacionadas em suas causas e acabam se
alimentando da mesma impunidade que impera em nossa sociedade.
É preciso, aqui, pensar sobre a diferença entre
agressividade e violência. A primeira estaria ligada a uma atitude ativa, que
seria necessária, inclusive, para a manutenção e de defesa da vida. A violência
ocorreria quando a agressividade encontra-se a serviço da destruição e não há
mediação entre as partes em conflito. Uma luta de poder em que somente um sai
vencedor para submeter o outro. Uma situação em que ambos acreditam que um quer
o mal do outro. Não há o distanciamento necessário entre as partes, para que a
palavra produza o intervalo entre elas. No caso dos casais, a fusão pela paixão
pode tornar-se a fusão pelo ódio e separação, muitas vezes, vir a acontecer
somente através da morte.
Na história de nosso país, ainda muito recentemente foram
feitas mudanças nos códigos da justiça, para transformar o poder que o marido
podia ter sobre o corpo da mulher. Na vida cotidiana, este poder ainda acaba
sendo admitido como algo natural, que faz parte da vida de casal, em muitas
regiões do Brasil.
Essa campanha está embasada na ideia de retirar o valor do
homem que vence a mulher pela força física. O verdadeiro homem não vai submeter
uma mulher através do poder de seu bíceps. As disputas e conflitos entre os
sexos não irão acabar, da mesma forma como é utópico o ideal da paz mundial.
Todavia, nossa sociedade precisa estimular as partes em conflito a usar as
palavras como armas. Os códigos sociais precisam impedir que alguém sinta-se
detentor do poder sobre o corpo e a vida de outro; criar regras e punições para
que os limites entre os corpos aconteçam. E quando as regras não funcionarem, é
preciso que a justiça possa interceder como terceira mediadora, para que a
violência não se perpetue.
Maria Ângela Bulhões, psicanalista membro da APPOA,
psicóloga do ambulatório do Hospital São Pedro.
Fonte www.sul21.com.br
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