segunda-feira, 24 de junho de 2013

Homem de verdade não bate em mulher


Essa campanha está embasada na ideia de retirar o valor do homem que vence a mulher pela força física. O verdadeiro homem não vai submeter uma mulher através do poder de seu bíceps. As disputas e conflitos entre os sexos não irão acabar, da mesma forma como é utópico o ideal da paz mundial. Todavia, nossa sociedade precisa estimular as partes em conflito a usar as palavras como armas. 


Por Maria Ângela Bulhões

Foi lançada pelo Banco Mundial uma nova campanha contra a violência doméstica no Brasil. Nessa campanha, conhecidos artistas homens da televisão brasileira afirmam, ao mesmo tempo em que apresentam em um cartaz: “homem de verdade não bate em mulher”. O tema já é bastante conhecido de todos nós, mesmo que ainda não tenha adquirido a relevância e nem seja tratado com a seriedade que merece. A violência urbana é um grande problema em nosso país e nós a discutimos amplamente em rodas de conversas, quando costumamos levantar uma por uma hipóteses para as possíveis causas deste problema. Sabemos o quanto o tema da violência é complexo, envolvendo uma multiplicidade de causas.
Entretanto, quando se trata da violência nas relações mais íntimas, aquelas que acontecem dentro de casa, torna-se assunto tabu. Da violência pública é possível tratar de forma aberta, mas da violência privada parece que ninguém quer falar.Talvez por imaginarmos que a violência não poderia acontecer dentro dos lares, onde se esperaria que os laços amáveis pudessem impedir maiores expressões do ódio. Na realidade, as mulheres e as crianças acabam sendo as maiores vítimas dessa violência, por terem menor força física e, portanto, menor poder de agressividade.
Ninguém pode negar que os amores e os ódios se misturam, numa dança de verso e reverso, que inspira letra de música: entre tapas e beijos….As relações de posse que se estabelecem entre os casais e as rupturas que não são aceitas podem produzir verdadeiros terremotos nas relações e, muitas vezes, levar a situações extremas de violência, que terminam em assassinatos. O Brasil é o sétimo país em assassinatos de mulheres no mundo. Muitas são as notícias de assassinatos de mulheres por seus ex-companheiros. Na verdade, a violência pública e da vida privada não fazem parte de dois mundos distintos, pois certamente estão relacionadas em suas causas e acabam se alimentando da mesma impunidade que impera em nossa sociedade.
É preciso, aqui, pensar sobre a diferença entre agressividade e violência. A primeira estaria ligada a uma atitude ativa, que seria necessária, inclusive, para a manutenção e de defesa da vida. A violência ocorreria quando a agressividade encontra-se a serviço da destruição e não há mediação entre as partes em conflito. Uma luta de poder em que somente um sai vencedor para submeter o outro. Uma situação em que ambos acreditam que um quer o mal do outro. Não há o distanciamento necessário entre as partes, para que a palavra produza o intervalo entre elas. No caso dos casais, a fusão pela paixão pode tornar-se a fusão pelo ódio e separação, muitas vezes, vir a acontecer somente através da morte.
Na história de nosso país, ainda muito recentemente foram feitas mudanças nos códigos da justiça, para transformar o poder que o marido podia ter sobre o corpo da mulher. Na vida cotidiana, este poder ainda acaba sendo admitido como algo natural, que faz parte da vida de casal, em muitas regiões do Brasil.
Essa campanha está embasada na ideia de retirar o valor do homem que vence a mulher pela força física. O verdadeiro homem não vai submeter uma mulher através do poder de seu bíceps. As disputas e conflitos entre os sexos não irão acabar, da mesma forma como é utópico o ideal da paz mundial. Todavia, nossa sociedade precisa estimular as partes em conflito a usar as palavras como armas. Os códigos sociais precisam impedir que alguém sinta-se detentor do poder sobre o corpo e a vida de outro; criar regras e punições para que os limites entre os corpos aconteçam. E quando as regras não funcionarem, é preciso que a justiça possa interceder como terceira mediadora, para que a violência não se perpetue.

Maria Ângela Bulhões, psicanalista membro da APPOA, psicóloga do ambulatório do Hospital São Pedro.

Fonte www.sul21.com.br

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