A diretora Margarethe von Trotta, cujo numinoso filme de
2009 Visão contou a história da vida de Santa Hildegarda de Bingen, se debruçou
sobre a história de outra mulher influente, a filósofa e teórica política
Hannah Arendt (1906-1975).
Hannah Arendt começa em Nova Iorque, em 1960, onde Arendt
(Barbara Sukowa), uma imigrante alemã e judia secular, escreve e ensina em uma
universidade. Quando o Mossad, a agência de inteligência israelense, captura o
oficial nazista Adolf Eichmann e o leva clandestinamente a Jerusalém para ser
julgado, Arendt, que tem um grande interesse filosófico no totalitarismo,
discute com seu marido, Heinrich (Axel Milberg), sobre o fato de pedir que
William Shawn (Nicholas Woodeson), o editor da revista The New Yorker, a envie
para cobrir o julgamento iminente para a revista. Shawn hesita, porque, como
observa o seu assistente, "os filósofos não obedecem prazos". Mas ele
concorda, e Arendt parte para Israel em 1961.
O filme gira em torno da cobertura de Arendt do julgamento
para a revista e das suas aulas que abordam as controvérsias que os artigos
despertam em seu retorno.
Arendt fica atordoada quando fica sabendo que o réu será
mantido em uma "jaula" de vidro durante o julgamento (para
protegê-lo) e questiona a legitimidade da jurisdição de Israel para interrogar
um homem por crimes não cometidos lá, cometidos, de fato, mesmo antes que
Israel fosse um país. Ela pensava que o único interesse do tribunal era aderir
às exigências da justiça para os assassinatos cometidos por Eichmann, mas o
julgamento era mais complicado do que isso por causa do seu papel como um
burocrata que, ao compartimentalizar a sua consciência, facilitou a
"Solução Final" e as mortes de milhões de pessoas.
Assim, o tribunal foi confrontado com um crime que ele não
conseguiria encontrar em um livro de direito e com os gostos de um criminoso
que ele nunca tinha visto antes. O primeiro-ministro David Ben-Gurion estava
determinado a realizar um julgamento de fachada, e testemunhas após testemunhas
contaram as atrocidades nazistas cometidas contra elas e suas famílias,
enquanto Eichmann afirmava, e nunca vacilava, que ele nunca tinha matado
ninguém.
Mesmo assim, segundo Arendt, o tribunal "tinha que
definir um homem em julgamento por seus atos", porque não era possível
interrogar um sistema ou uma ideologia.
As reportagens de Arendt na New Yorker distinguiam entre o
mal radical de uma ideologia e o mal banal de um burocrata que seguia a lei. Os
leitores de Arendt não conseguiam compreender as complexidades que ela estava
tentando enfatizar e acusaram-na de tomar o lado de Eichmann. As polêmicas
aumentaram quando o julgamento levantou a questão dos líderes judeus que haviam
trabalhado com a Gestapo durante a Segunda Guerra Mundial e que talvez haviam
facilitado as mortes dos judeus. Arendt informou o fato, mas seus leitores
interpretaram isso no sentido de que ela culpava o povo judeu pelas suas
próprias mortes.
Eichmann, o organizador das deportações judaicas e dos
campos de extermínio, logo havia defendido em sua defesa que ele só tinha
"obedecido ordens". Como Arendt explica para os seus alunos em Nova
York depois do julgamento, "ele insistia em renunciar a sua culpa pessoal.
Ele não tinha feito nada por iniciativa própria". Em suma, Eichmann
preferiu não pensar. Ele foi junto com a multidão.
Como uma filósofa que estudara com Martin Heidegger
(1889-1976), com quem ela teve um intenso caso de amor, os escritos de Arendt
se focavam em como a capacidade de uma pessoa de pensar é o que faz dela humana
e um membro da sociedade. Os seus pontos de vista sobre abrir mão das
habilidades de pensamento crítico aos outros é central para as conclusões que
ela tirou do julgamento, ao qual ela via como "a totalidade do colapso
moral que os nazistas causaram na respeitável sociedade europeia".
Poucas pessoas, mesmo na academia, entenderam a sua resoluta
abordagem de filósofa ao relatar e avaliar as complexidades que ela via em
torno do julgamento de Eichmann. Arendt ataca os seus críticos, muitos dos
quais eram amigos íntimos, dizendo que os assassinatos de caráter não são
argumentos, que "entender é a responsabilidade de qualquer pessoa que
tenta colocar a ponta da caneta no papel sobre esse assunto", porque
"tentar entender não é o mesmo que perdoar".
Na cena final do filme, Arendt responde à insistência de Eichmann
de que ele estava apenas fazendo o seu trabalho e que, pessoalmente, não matara
ninguém. "O maior mal do mundo é o mal cometido por ninguém", diz
ela. "O mal cometido pelos homens sem motivo ou convicção, sem um coração
perverso ou palavras demoníacas é o que eu chamo de 'banalidade do mal'".
Hannah Arendt, coescrito por Von Trotta e Pam Katz, não é um
filme biográfico em larga escala, embora haja flashbacks à vida de Arendt
quando estudante. O diálogo preenche os detalhes da sua breve internação em um
campo de prisioneiros francês. O filme flui facilmente do inglês para o alemão,
embora demore um pouco para se acostumar com o inglês com sotaque alemão de
Sukowa. O seu desempenho é simplesmente justo. Von Trotta e Sukowa, que também
interpretou Hildegard, fazem uma equipe formidável nessas histórias sobre
mulheres fortes e influentes.
O roteiro parece em grande parte baseado no livro de Hannah
Arendt, Eichmann em Jerusalém: Um relato sobre a banalidade do mal, que inclui,
com algumas edições de Arendt, os artigos publicados na New Yorker. Publicado
pela primeira vez em 1963 nos Estados Unidos, o livro não foi publicado em
Israel até o ano 2000. Eu descobri que a edição de 2006 do livro, com uma
introdução de Amos Elon, faz uma excelente companhia para o preenchimento das
questões que o filme de Von Trotta levanta.
Outra importante intelectual norte-americana da época, Mary
McCarthy (Janet McTeer), é uma grande amiga de Arendt. Elas compartilham
conversas sobre amor e relacionamentos. McTeer parece estranha, mas se encaixa
na minha imagem dela como romancista e crítica. Embora Arendt perca seus amigos
e colegas homens nas polêmicas após a série da New Yorker, seu marido fica ao
lado dela. O filme termina como começa: com Arendt fumando um cigarro,
pensando.
Eu achei o filme fascinante, embora o seu estilo expositivo possa
não agradar a alguns. A inclusão de imagens de arquivo do julgamento de
Eichmann é arrepiante, enquanto ele professa a inocência pelas mortes de 6
milhões de pessoas. Mas se você for como eu e se lembrar da captura e do
julgamento de Eichmann na televisão (eu era muito jovem para apreciar a revista
New Yorker), esse filme e as profundas questões que ele evoca sobre o mal e a
responsabilidade humana, a legitimidade da tortura e a jurisdição nessa era de
guerra como vida normal, assim como os terríveis episódios de genocídio no fim
do século XX e início do século XXI, com as pessoas fazendo pouco ou nada para
detê-los, valerão muito o seu tempo.
Fonte: Ihu
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